quarta-feira, abril 19, 2006

Chornobyl – 20 anos depois


“E caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma lâmpada, e ela caiu sobre um terço dos rios e sobre as fontes de águas. E o nome da estrela chama-se Absinto. E um terço das águas transformou-se em absinto, e muitos dos homens morreram por causa das águas, porque foram feitas amargas."Livro de Apocalipse, 8:10
O maior acidente tecnológico da Europa aconteceu há vinte anos

O acidente na Central Nuclear ucraniano de Chornobyl (a maneira correcta de pronunciar a palavra, que numa fala ucraniana regional significa absinto), aconteceu no dia 26 de Abril de 1986. Milhares de pessoas morreram (125.000 pelos dados oficiais), a zona de 30 km em redor do reactor foi declarada uma zona interdita e um sarcófago feito do betão armado foi construído em Dezembro de 1986, para não deixar escapar a radiação.

Milhões de ucranianos foram afectados, assim como as pessoas na vizinha Belarus. A radiação que escapou do reactor, provoca todo o tipo de cancros, e os níveis do aparecimento do cancro, subiram na Ucrânia e Belarus, vertiginosamente. A capital ucraniana, Kyiv, fica à uma distância de apenas 180 km de Chornobyl. E mesmo assim, foi um mal menor, porque inicialmente, o Ministério da Energia Atómica soviético, planeava construir o reactor na localidade de Boryspil (apenas 35 km da capital).

O regime do ex-presidente ucraniano Leonid Kuchma, recusava-se incluir a cidade de Kyiv na zona abrangida pela programa de ajuda às pessoas atingidas pela catástrofe, por razões meramente económicas (população de Kyiv é de 2,6 milhões de habitantes). Várias pessoas viram baixar a qualidade das suas vidas, pois os centros médicos especializados em tratamentos ligados à radiologia, recusam-se de tratar os moradores de Kyiv, argumentando que os citadinos não tinham este direito legal...

01.24 minutos do dia 26 de Abril de 1986. Dois explosões surdas ouviram-se no IV Reactor da Central Nuclear de Chornobyl. Uma coluna dos gazes candentes subiu a altura de 1 quilómetro aos céus. Até 05.00 de manha o incêndio principal foi extinto, mas o reactor continua a trabalhar nos próximos 10 dias. Uma luz vermelha nos escombros, foi vista durante vários dias.

Primeiro, os bombeiros usavam a água, só na noite de 26 de Abril começaram as tentativas de cobrir o reactor em brasa, com sacos de areia e de chumbo, usando os helicópteros militares. O calor era tão intenso, que areia, ao cair dentro do reactor, transformava-se em vidro, o chumbo derretia... Logo a seguir, os bombeiros foram enviados às clinicas especiais do Moscovo, durante próximos três meses, todos eles morreram...

No dia 26 de Abril, os níveis da radiação em Chornobyl eram 87.000 (mil vezes!) superiores ao nível natural...

Às 09:30 de 27 de Abril de 1986, os monitores de radiação na Central Nuclear de Forsmark, perto de Uppsala, Suécia, detectaram níveis anormais de iodo e cobalto, motivando a evacuação dos funcionários da área. Mas os especialistas não constataram nenhum problema na Central. O problema estava no ar. Foram verificados níveis anormais no norte e centro da Finlândia. Em Oslo, na Noruega, os níveis duplicaram. Na Dinamarca, subiram cinco vezes.

Os suecos, através da sua Embaixada em Moscovo, interpelaram o Comité Estatal para o Uso da Energia Atómica da URSS e a Organização Internacional de Energia Atómica, devido a suspeita de que os ventos que traziam radioactividade à Escandinávia vinham da Ucrânia. Moscovo negou qualquer anormalidade. Mas a presença de ruténio nas amostras analisadas na Suécia era emblemática, visto que o ruténio se funde a 2.255°C, sugerindo uma explosão grave. Só em 27 de Abril, no fim do dia, às 21:02, o telejornal soviético apresentou uma breve declaração sobre: “uma ocorrência” na Central Nuclear Vladímir Lenin em Prypyat. No dia 29 de Abril jornal oficioso “Pravda” admitiu duas mortes e “algum vazamento da radiação”.

50 mil moradores da cidade de Prypyat (que abrigava a Central e onde moravam os seus funcionários, apenas à 3 km do Chornobyl) começaram ser evacuados com um dia do atraso. A URSS por duas vezes recusou a oferta americana de ajudar com médicos e tecnologia.

Um satélite americano, cobrindo a Ucrânia, fotografou o Reactor IV com o tecto destroçado e ainda em chamas, com fumaça vertendo do interior. Mas para dar a ideia de normalidade, os alunos das escolas em Kyiv e Minsk/Mensk (Belarus), foram obrigados a participar nos desfiles das comemorações do 1° de Maio. (Nesta altura os níveis de radiação na principal artéria de Kyiv, Khreshatyk eram 80 vezes superior ao normal). Apenas no dia 2 de Maio começa a evacuação das pessoas da zona de 30 km em redor da Estação. Os representantes do Estado diziam às pessoas evacuadas: “não levem muita coisa, daqui a três dias vocês vão voltar”. Durante a primeira semana ninguém sabia nada, nem sobre a envergadura do acidente, nem sobra as medidas da protecção. Dizia-se que pessoas tem que beber o vinho tinto, que é imediatamente é sugado das lojas. Em Kyiv instala-se o pânico, a cidade é abandonada pelos seus moradores. É o primeiro êxodo em massa dos russos da capital ucraniana. No dia 3 de Maio, a nuvem radioactiva estava sobre o Japão e no dia 5 de Maio chegou aos EUA e Canadá. Mikhail Gorbachov, tão querido no mundo Ocidental, demorou 18 dias (!) para falar sobre acidente, fazendo-o apenas em 14 de Maio.

E os alunos das escolas secundárias (filhos da classe media & baixa, quem ainda ficou em Kyiv), só são evacuados para a Crimeia no início do Junho...

Resultados do desastre
O acidente inutilizou uma área equivalente a um Portugal e meio, 140.000 quilómetros quadrados à qualquer pratica de agricultura. Por centenas ou até milhares de anos. 28 bombeiros morreram em primeiros três meses. 125.000 nos próximos 10 anos. 125.000 pessoas foram realojados das suas aldeias nos arredores do Chornobyl. Três milhões das pessoas continuam a viver nas zonas do risco...

Razões do desastre
Até agora, ninguém sabe ao certo, o que originou o desastre do Chornobyl. O 25 de Abril de 1986 era a data prevista para o início dos trabalhos de manutenção do Reactor IV. Inquérito oficial apontou o erro humano, o director da Estação foi julgado e cumpriu a sua pena na totalidade. Alguns anos mais tarde, falou-se da localização do Chornobyl por cima de uma falha tectónica, dum pequeno terramoto, que originou a reacção não prevista do material radioactivo.

Dados técnicos

Central Nuclear de Chornobyl localiza-se no nordeste da Ucrânia, está em funcionamento desde Abril de 1984. Outros reactores do mesmo tipo (RBMK), estão na Lituânia: Ignalina (2) e na Rússia: Kursk (4); Sankt - Petersburgo (4) e Smolensk (3).

A Central de Chornobyl funcionava com quatro reactores de 1.000 MW, que entraram em funcionamento em 1978, 1979, 1982 e 1984. Cada um alimentava dois geradores de energia eléctrica. O projecto nuclear soviético conhecido pelo acróstico russo de RBMK (reactor de grande potência do tipo canal), reactor com urânio enriquecido refrigerado à água fervente, moderado a grafite, é um reactor evoluído a partir de um modelo militar, cujo objectivo é a produção de plutónio a partir do urânio no seu interior.

O núcleo do reactor é um cilindro de grafite com 11,8 m de diâmetro e 7 m de altura, o qual está num bloco de concreto de 22 X 22 X 26 m sobre uma estrutura metálica. Por baixo, existe um espaço, parcialmente cheio de água, que deve receber a mistura de água e vapor no caso de haver ruptura em um dos canais de circulação, causando condensação do vapor. O núcleo é protegido por uma blindagem, composta de ferro com cimento contendo bário.

O resfriamento do moderador é feito por meio da circulação, dentro do cilindro metálico, de uma mistura de hélio e nitrogénio. Por causa do esfriamento de neutrónios e da absorção de raios gama, em condições de funcionamento estável, o moderador chega à temperatura de 700ºC, podendo absorver 150 MW, equivalentes a 5% da potência total gerada pelo reactor. O sistema de controle e protecção consiste de 211 barras de controle, feitas de boro, absorvente de neutrónios, colocadas em canais separados dentro do moderador, de forma a poderem ser inseridas no núcleo. O moderador contém 1.661 canais para abrigar conjuntos de combustível, revestidos de zircaloy, uma liga de zircónio com 1% de nióbio. Cada conjunto consiste de dois subconjuntos, que, por sua vez, contêm 18 elementos individuais, cada um com 3,6 kg de óxido de urânio em pastilhas, enriquecido a 2%. No caso de "queima completa" do combustível, a energia é de 20 MW dia por quilo de urânio e o combustível queimado contém 2,3 kg de plutónio por tonelada. O núcleo da unidade IV tinha uma queima média de 1 kg a cada 10,3 dias.

Segurança chegou em 2016
Um novo sarcófago, construído para cobrir o IV reator de Chornobyl foi concluído em 2016. Na conferência dos países – doadores, que tive lugar em Londres, no dia 12 de Maio de 2005, foi decidido encaminhar mais de 200 milhões de USD para a realização do projecto “Abrigo”. As novas entradas do dinheiro, vão complementar os anteriores 600 milhões de Euros, que foram prometidos pelos 28 países doadores.
Ucrânia inaugura o novo sarcófago do Chornobyl
O novo sarcófago, transformou o destruído IV reactor do Chornobyl, em um objecto ecologicamente seguro. O novo sarcófago tem a forma de um arco de 100 metros de altura e 250 metros de extensão. Arco foi montado num lugar seguro, e depois foi puxado para cobrir o sarcófago antigo e aquilo que resta do reactor. O novo sarcófago contem vários elementos, que permitirão fazer trabalhos profilácticos dentro da sua estrutura, por exemplo, desmontar os elementos instáveis do antigo sarcófago, ou retirar o seu conteúdo radioactivo. O custo total do projecto ultrapassa um bilião de dólares.

Por iniciativa do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBBR), Chornobyl deixou de pertencer a empresa da energia atómica da Ucrânia, “Energoatom” e transformou-se numa EE especializada.

O que dizem os astros...
Em Março de 1986, a Cometa do Halley aproximava-se a Terra pela 30ª vez. Essa cometa que tem a forma de cabeça de peixe com um olho vermelho, têm uma má fama, pois acredita-se que provoca secas, guerras e outros desastres naturais. O ano de 1986 foi bastante carregado de tragédias humanas...

26 de Janeiro de 1986, 73 segundos depois da descolagem, sofre da avaria a nave espacial americana Challenger. Morrem 7 tripulante, dois das quais mulheres.
31 de Agosto de 1986, o navio de recreio soviético “Almirante Nakhimov”, construído em 1925 e considerado inapto para a navegação, meses antes, sofre um abalroamento com 1234 passageiros à bordo. Apenas 8 minutos mais tarde, o navio afunda-se, 423 passageiros morrem, 65 corpos nunca aparecem, morrem também 2 mergulhadores.

1 comentário:

Isabela Figueiredo disse...

Parabéns pelo blogue. A leitura deste texto foi-me muito útil. Obrigada.