Bastante recentemente, no início deste ano, conheci (graças a Internet, claro), cineasta brasileiro da origem ucraniana, Guto Pasko. Recentemente, Sr. Pasko realizou o lindíssimo filme, “Made in Ucrânia”, que consiste numa viagem à terra dos seus antepassados para descobrir as suas raízes ucranianas. Neste momento o filme já está disponível no mercado, ele foi editado em DVD em cinco idiomas: português, ucraniano, inglês, espanhol e italiano.
Obviamente, lancei me apaixonadamente na rede global, para poder encontrar o realizador e muito rapidamente foi recompensado pelo esforço. Eis a entrevista com Guto Pasko, conduzida por mim e obtida através de alguns e-mails, trocados entre nós.
Obviamente, lancei me apaixonadamente na rede global, para poder encontrar o realizador e muito rapidamente foi recompensado pelo esforço. Eis a entrevista com Guto Pasko, conduzida por mim e obtida através de alguns e-mails, trocados entre nós.
— Guto, conte nós sobre si e sobre a sua família no Brasil e na Ucrânia.
Eu nasci na cidade de Prudentópolis, Estado do Paraná aos 27 de Maio de 1976. Sou da quinta geração de ucranianos que vivem no Brasil. Foram os meus tataravós que imigraram para o Brasil cerca de 100 anos atrás. Meus bisavôs vieram crianças.
Meus tetravós e minhas tetravós vieram da Galícia, província de Ternópil. Não consegui ainda identificar a sua aldeia natal, estou pesquisando. Meu avô, que faleceu recentemente, já não lembrava o nome. Infelizmente, os documentos dos meus antepassados foram extraviados. Estou organizando aos poucos este histórico, reunindo documentos e pretendo dar entrada na carteira de ucraniano do exterior, que é uma espécie de segunda identidade & nacionalidade, que tem validade na Ucrânia, como um cidadão ucraniano, com todos os direitos e deveres.
Quando estive na Ucrânia filmando em 2005, andei pelo interior da província de Ternópil e cheguei a encontrar cerca de nove famílias "Pasko", mas não tive tempo de pesquisar a fundo as raízes de cada, uma vez que dispunha de pouco tempo e estava lá com uma equipe de filmagens que levei do Brasil e estávamos focados no filme, mas pretendo voltar para lá com calma e mais tempo e tentar localizar a aldeia.
A minha família era bastante tradicional em termos culturais, na religião nos seguíamos o rito católico romano. Sou o primeiro filho de um total de onze, e mesmo 100 anos depois da chegada dos meus antepassados ao Brasil, até os 8 anos de idade eu só falava ucraniano. Somente aprendi a língua portuguesa quando tive que frequentar a escola primária. Quando eu tinha 11 anos de idade, sai da casa dos meus pais, porque o meu pai queria me enviar para o seminário ucraniano São José em Prudentópolis, que pertence a Ordem de São Basílio Magno para ser padre, esse era o seu maior desejo. Naquela época isso me deixou revoltado e me afastou da comunidade ucraniana por muitos anos. Somente mais tarde, depois de ter a maturidade suficiente para entender os valores morais, éticos, religiosos e familiares dos ucranianos, é que fui entender tudo isso melhor e o quanto essa formação nas tradições ucranianas foi importante para a minha formação como ser humano. A partir disso voltei a me envolver com a comunidade novamente e uma das acções foi produzir o filme.
— Como e porque aconteceu este afastamento entre si e a sua família, entre si e a Comunidade ucraniana?
Quando sai de casa dos pais e vim morar em Curitiba, inicialmente vivi com uma tia minha, trabalhando num lanchonete. Alias, desde os 11 anos tive que trabalhar para poder pagar minhas despesas pessoais (roupas, estudos). Fiz muitas coisas na minha adolescência para sobreviver: trabalhei numa loja de materiais de construção como auxiliar geral, office boy numa empresa de contabilidade, vendi “cachorros – quentes” na rua, trabalhei como auxiliar fiscal num escritório de contabilidade, trabalhei como barman numa boate nocturna,por um curto período vendi livros, trabalhei na organização de eventos,fiz um pouco de tudo.
Quando eu tinha 17 anos, fiquei um período desempregado e a minha tia me ofereceu ajuda para fazer um curso de cabeleireiro. Na minha família muitas pessoas trabalham em salões de beleza & estética. Quem não é agricultor, corta cabelo, ou seja, todos trabalham, o único que não trabalha sou eu...(risos), uma vez que artistas, em geral, são vistos como “vagabundos”.
Essa tia resolveu pagar um curso de cabeleireiro para mim, pensando que poderei trabalhar em um dos salões dela. Eu não queria ser cabeleireiro, que ser actor e director de cinema, mas tive que aceitar a sua oferta. Ela me deu o dinheiro para que eu pagasse o curso de cabeleireiro e eu usei aquele dinheiro para pagar o meu primeiro curso de teatro & artes cénicas, e assim foi o meu começo na área artística. Depois as coisas foram acontecendo rapidamente, logo em seguida recebi as primeiras oportunidades de trabalho como actor, as coisas começaram a dar certo e comecei, então, a viver disso.
Depressa consegui me inserir na área de cinema e fui morar um período no Rio de Janeiro, onde estudei TV e Cinema e a partir dali, tive as minhas primeiras oportunidades na área de cinema, trabalhando em diversas produções cinematográficas, até conseguir abrir em 2001 a minha própria produtora “GP7 Cinema” e começar a realizar meus próprios projectos.
Portanto, as dificuldades foram muitas e ainda existem, mas foi muito bom tudo que passei. A experiência de vida foi grande. Procuro sempre absorver o lado bom das dificuldades. Eu não tive outro caminho, tive que aprender errando.
Eu nasci na cidade de Prudentópolis, Estado do Paraná aos 27 de Maio de 1976. Sou da quinta geração de ucranianos que vivem no Brasil. Foram os meus tataravós que imigraram para o Brasil cerca de 100 anos atrás. Meus bisavôs vieram crianças.
Meus tetravós e minhas tetravós vieram da Galícia, província de Ternópil. Não consegui ainda identificar a sua aldeia natal, estou pesquisando. Meu avô, que faleceu recentemente, já não lembrava o nome. Infelizmente, os documentos dos meus antepassados foram extraviados. Estou organizando aos poucos este histórico, reunindo documentos e pretendo dar entrada na carteira de ucraniano do exterior, que é uma espécie de segunda identidade & nacionalidade, que tem validade na Ucrânia, como um cidadão ucraniano, com todos os direitos e deveres.
Quando estive na Ucrânia filmando em 2005, andei pelo interior da província de Ternópil e cheguei a encontrar cerca de nove famílias "Pasko", mas não tive tempo de pesquisar a fundo as raízes de cada, uma vez que dispunha de pouco tempo e estava lá com uma equipe de filmagens que levei do Brasil e estávamos focados no filme, mas pretendo voltar para lá com calma e mais tempo e tentar localizar a aldeia.
A minha família era bastante tradicional em termos culturais, na religião nos seguíamos o rito católico romano. Sou o primeiro filho de um total de onze, e mesmo 100 anos depois da chegada dos meus antepassados ao Brasil, até os 8 anos de idade eu só falava ucraniano. Somente aprendi a língua portuguesa quando tive que frequentar a escola primária. Quando eu tinha 11 anos de idade, sai da casa dos meus pais, porque o meu pai queria me enviar para o seminário ucraniano São José em Prudentópolis, que pertence a Ordem de São Basílio Magno para ser padre, esse era o seu maior desejo. Naquela época isso me deixou revoltado e me afastou da comunidade ucraniana por muitos anos. Somente mais tarde, depois de ter a maturidade suficiente para entender os valores morais, éticos, religiosos e familiares dos ucranianos, é que fui entender tudo isso melhor e o quanto essa formação nas tradições ucranianas foi importante para a minha formação como ser humano. A partir disso voltei a me envolver com a comunidade novamente e uma das acções foi produzir o filme.
— Como e porque aconteceu este afastamento entre si e a sua família, entre si e a Comunidade ucraniana?
Quando sai de casa dos pais e vim morar em Curitiba, inicialmente vivi com uma tia minha, trabalhando num lanchonete. Alias, desde os 11 anos tive que trabalhar para poder pagar minhas despesas pessoais (roupas, estudos). Fiz muitas coisas na minha adolescência para sobreviver: trabalhei numa loja de materiais de construção como auxiliar geral, office boy numa empresa de contabilidade, vendi “cachorros – quentes” na rua, trabalhei como auxiliar fiscal num escritório de contabilidade, trabalhei como barman numa boate nocturna,por um curto período vendi livros, trabalhei na organização de eventos,fiz um pouco de tudo.
Quando eu tinha 17 anos, fiquei um período desempregado e a minha tia me ofereceu ajuda para fazer um curso de cabeleireiro. Na minha família muitas pessoas trabalham em salões de beleza & estética. Quem não é agricultor, corta cabelo, ou seja, todos trabalham, o único que não trabalha sou eu...(risos), uma vez que artistas, em geral, são vistos como “vagabundos”.
Essa tia resolveu pagar um curso de cabeleireiro para mim, pensando que poderei trabalhar em um dos salões dela. Eu não queria ser cabeleireiro, que ser actor e director de cinema, mas tive que aceitar a sua oferta. Ela me deu o dinheiro para que eu pagasse o curso de cabeleireiro e eu usei aquele dinheiro para pagar o meu primeiro curso de teatro & artes cénicas, e assim foi o meu começo na área artística. Depois as coisas foram acontecendo rapidamente, logo em seguida recebi as primeiras oportunidades de trabalho como actor, as coisas começaram a dar certo e comecei, então, a viver disso.
Depressa consegui me inserir na área de cinema e fui morar um período no Rio de Janeiro, onde estudei TV e Cinema e a partir dali, tive as minhas primeiras oportunidades na área de cinema, trabalhando em diversas produções cinematográficas, até conseguir abrir em 2001 a minha própria produtora “GP7 Cinema” e começar a realizar meus próprios projectos.
Portanto, as dificuldades foram muitas e ainda existem, mas foi muito bom tudo que passei. A experiência de vida foi grande. Procuro sempre absorver o lado bom das dificuldades. Eu não tive outro caminho, tive que aprender errando.
— A comunidade ucraniana no Brasil consegue preservar a sua língua materna, o ucraniano?
Uma coisa que me deixou muito assustado, foi perceber que a minha irmã mais nova, que hoje tem 9 anos de idade e que nasceu apenas 22 anos depois de mim, já não fala ucraniano, absolutamente nada! Imaginei que se isso aconteceu dentro da casa dos meus pais que são muito tradicionalistas, então como estaria no resto da comunidade?
Preservar as tradições ucranianas é o mínimo que podermos fazer em memória dos nossos antepassados, é o mínimo que podemos fazer para honrar o sofrimento da nossa gente!!!
Pessoalmente falo ucraniano, mas é ucraniano um pouco arcaico, que foi trazido pelos meus antepassados a 100 anos atrás e foi passado de geração em geração em forma oral, dentro de casa. Hoje o idioma na Ucrânia já está um pouco diferente, foi actualizado, ou melhor, russificado.
Mas mesmo com o meu ucraniano arcaico, não tive nenhum problema de comunicação na Ucrânia. Algumas pessoas com quem falava, principalmente na região de Kyiv, as vezes tinha dificuldade de entender algumas coisas, porque o meu vocabulário era menor, mas em geral, eles entendiam tudo que eu dizia.
— Em que aspectos a conservação das tradições ucranianas no Brasil é positiva e em que aspectos pode ser negativa?
Uma coisa que me deixou muito assustado, foi perceber que a minha irmã mais nova, que hoje tem 9 anos de idade e que nasceu apenas 22 anos depois de mim, já não fala ucraniano, absolutamente nada! Imaginei que se isso aconteceu dentro da casa dos meus pais que são muito tradicionalistas, então como estaria no resto da comunidade?
Preservar as tradições ucranianas é o mínimo que podermos fazer em memória dos nossos antepassados, é o mínimo que podemos fazer para honrar o sofrimento da nossa gente!!!
Pessoalmente falo ucraniano, mas é ucraniano um pouco arcaico, que foi trazido pelos meus antepassados a 100 anos atrás e foi passado de geração em geração em forma oral, dentro de casa. Hoje o idioma na Ucrânia já está um pouco diferente, foi actualizado, ou melhor, russificado.
Mas mesmo com o meu ucraniano arcaico, não tive nenhum problema de comunicação na Ucrânia. Algumas pessoas com quem falava, principalmente na região de Kyiv, as vezes tinha dificuldade de entender algumas coisas, porque o meu vocabulário era menor, mas em geral, eles entendiam tudo que eu dizia.
— Em que aspectos a conservação das tradições ucranianas no Brasil é positiva e em que aspectos pode ser negativa?
Acho que não existem aspectos negativos, somente positivos. Me preocupa muito o que já se perdeu e o que está se perdendo. Aqui no Brasil, onde ainda muita coisa é preservada, defendo a ideia de que se não for tomada uma atitude em relação ao futuro da comunidade ucraniana agora, daqui a 20 anos não teremos quase nada do que ainda temos hoje, porque nos últimos 20 anos muita coisa já se perdeu e com a globalização, o processo é muito rápido.
A razão principal pela qual eu resolvi fazer o filme foi justamente a minha preocupação com o futuro da comunidade ucraniana no Brasil. Espero, modestamente, que o filme ajude a despertar nos jovens da nossa comunidade importância de preservarmos tudo o que ainda temos aqui. Espero que o filme ajude a resgatar o orgulho de ser “ucraniano”, porque tem muitos jovens que tem vergonha das suas raízes.
Eu próprio já fui um desses jovens e hoje me envergonho muito disso. Fazer o filme para mim teve um significado muito especial. Mais do que fazer mais um filme, foi um acerto de contas comigo mesmo, com meu próprio passado. Fez bem para minha alma, para o meu espírito, para minha consciência.
Actualmente os jovens não estão mais interessados nas tradições. O trabalho maior tem que ser feito junto a eles. Acredito que os aspectos negativos são deixar a nossa cultura morrer, porque um povo que não respeita as suas origens, suas raízes, é um povo sem valor. Nossa cultura é o nosso “gene”. Tenho alma e coração brasileiro, mas meu sangue é ucraniano também!
— Guto, alguma vez você tentou fazer a análise comparativa entre a vida da comunidade ucraniana no Brasil e outras comunidades (italiana, japonesa, alemã, etc.) que chegaram ao Brasil no mesmo tempo com os ucranianos em termos de:
• Escolas, organizações
• Concertos, manifestações culturais
• Conservação das tradições e da língua
• Resistência à assimilação
Sim, já pensei! Não só pensei, como estou desenvolvendo um projecto de série de documentários para televisão, retratando varias outras etnias presentes no Brasil, principalmente no estado do Paraná onde vivo, o qual é formado por vasta diversidade étnica. O estado do Paraná é conhecido por “terra de todas as gentes”. São mais de 30 grupos étnicos diferentes que vivem no estado. 81% dos cerca de 400 mil ucranianos e seus descendentes no Brasil estão viver no estado do Paraná.
A próxima etnia que pretendo retratar no meu filme é a japonesa, aproveitando o centenário da imigração desta no Brasil, que será comemorado em 2008. No projecto da série também estão os italianos, polacos, alemães, holandeses, portugueses, espanhóis e árabes. A série pretende contemplar todos os tópicos que você descreveu na sua pergunta.
— Guto estudou as tradições do cinema ucraniano? Conhece algum dos cineastas famosos de origem ucraniana? Alguém deles lhe influenciou de alguma maneira?
Infelizmente não, o que me envergonha muito. Aqui no Brasil não temos acesso a quase nada do cinema ucraniano. Já comecei algumas conversas com o Consulado e com a Embaixada da Ucrânia no Brasil, para tentarmos organizar uma mostra de cinema ucraniano aqui. Actualmente sou o presidente da Associação de Vídeo e Cinema do Estado do Paraná, entidade que congrega os profissionais de cinema do estado e também sou Director Nacional da Associação Brasileira de Documentalistas e através destas entidades vou tentar viabilizar junto aos governos dos dois países esta mostra de filmes ucranianos no Brasil.
Maioria das minhas influências, por enquanto, é de cineastas brasileiros, europeus e americanos. Estou avaliando a possibilidade de passar um tempo na Ucrânia estudando cinema, mas isso por enquanto é apenas uma ideia, uma vez que teria que organizar muitas coisas antes da partida.
Único cineasta ucraniano que eu conheço (somente através da sua obra) e gosto bastante é o Hector Babenco (nasceu na Argentina, na cidade Mar del Plata, numa família ucraniana, mas desde 1979 vive no Brasil, naturalizando-se brasileiro). Ele é muito conceituado no Brasil. Ainda não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. O filme que mais gosto dele é "Pixote — a lei do mais fraco" (1981). É um belíssimo filme que retrata a realidade das crianças nas ruas de São Paulo em meio a crimes, drogas e prostituição. “Beijo da Mulher Aranha” também é um bom filme. Recentemente ele lançou “Carandiru”, filme forte que retratou os bastidores do maior massacre ocorrido em uma cadeia do Brasil.