sábado, junho 21, 2025

POW ucraniano que perdeu 50 quilos e 7 centímetros de altura no cativeiro russo

POW ucraniano Olexandr Shestovsky (Strafun), de 52 anos, ficou 3 anos no cativeiro russo. Ele perdeu mais de 50 quilos e 7 cm de altura no cativeiro russo, contraiu TB. Abraçou a esposa e passou a mão no seu rosto: «Vamos encontrar uma esteticista para apagar suas rugas». 

Oleksandr e Olena em Mariupol, abril de 2019

Hromadske.TV conversou com Olena Yurchyna, de 45 anos (não se pode entrevistar o marido por enquanto) sobre a história deles, sobre três anos de espera e sobre um encontro após o cativeiro, no qual o ex-prisioneiro comeu dois pacotes de sorvete e três bolinhos. 

Salva por suborno de um voluntário americano

Ambos são de Mariupol. Conheceram-se por acaso nas redes sociais em 2017. Oleksandr tinha acabado de se divorciar, e a família de Olena não se dava bem há muito tempo. Eles não estavam procurando um par, mas se tornaram um. 

— Uma simples comunicação transformou-se em um relacionamento quando Oleksandr disse: «Estou pior sem você, vamos morar juntos». Naquela época, ela já havia deixado o marido, então foi morar com o amado sem hesitar. Oleksandr trabalhava como eletricista na Fábrica/usina Metalúrgica de Ilyich, e Olena era professora de inglês. 

Oleksandr e Olena, Mariupol, 14-02-2022

Em 25 de fevereiro de 2022, seu marido se alistou na Defesa Terretorial (TrO), embora nunca serviu no exército. No dia 1 de março de 2022 estava no «Azovstal», e sua esposa descobriu no final de abril. Antes disso, ela só se perguntava se ele estava vivo e onde estava. Telefone da Olena foi roubado pelos «kadyrov boys», então ela ficou sem contato. Não podia sair ao território controlado pela Ucrânia: uma ponte foi explodida, outra foi minada e a terceira estava sob o domínio dos ocupantes russos. 

“Da minha margem esquerda da cidade, só podia ir para a dita «dnr». Lá que eu estava. Sentei-me em silêncio e esperei o que aconteceria. Finalmente consegui entrar em contato com meu filho em Kyiv pelo telefone de um vizinho. Ele disse que Oleksandr estava em Azovstal, realizando uma tarefa. E eu nem sabia que a Starlink estava lá, que eles estavam se comunicando”, conta a mulher. 

Quase no mesmo dia em que Oleksandr foi preso pelos ocupantes russos, juntamente com outros militares ucranianos, ela foi evacuada de Mariupol. Entrou no último carro — a cidade já estava fechada, ninguém conseguia sair. Seu filho milagrosamente encontrou voluntários americanos que chegaram direto à sua casa e a levaram junto com outras três mulheres. No dia seguinte, eles estavam em Zaporizhia, na Ucrânia livre. 

“As pessoas viajavam por esta estrada há semanas, eram torturadas, maltratadas, e nosso motorista, em cada posto de controle russo, enfiava algo nas mãos dos moscovitas — e nos deixavam passar sem fila. A princípio, pensamos que ele estava oferecendo um suborno como um maço de cigarros, mas depois precebemos que era dinheiro. Mas nós, os passageiros, não pagamos um centavo por isso”, lembra a moradora de Mariupol. 

Anos de espera: sete psicólogos

Em três anos, ela morou em todos os lugares: Lutsk, Kyiv, Vasylkiv, Ivano-Frankivsk, Ternopil, Vinnytsia, Chornomorsk. Agora está em Kyiv novamente. 

«Durante esse tempo, descobri que meu marido estava na colónia penal de Olenivka. Através dos POW que tinham telefone, passei-lhe o meu novo contacto. Em junho de 2022, Oleksandr ligou. A primeira coisa que ele perguntou foi: «Por favor, me diga, estamos juntos?» Perguntou o mesmo após a libertação. Os militares ucranianos ouviam dos captores russos: «Vossas mulheres encontrarão outros». Os prisioneiros estavam realmente preocupados se iríamos esperar por eles, porque realmente havia histórias diferentes. Eu o tranquilizei. Ele me ligava uma vez por semana. Tempo para conversar — ​​meio minuto, um minuto, só para dizer que estava vivo. Certa vez, ele me ouviu resmungar, imediatamente: «Alguém te ofendeu?» Como se ele pudesse ter vindo me proteger também», sorria Olena. 

Na véspera do ataque terrorista em Olenivka, ele disse que algo estranho estava acontecendo lá. Umas pessoas estavam sendo retirados, outros estavam sendo transferido para outro quartel. Os rapazes esperavam uma troca. Mas foram queimados vivos. Oleksandr não foi afetado pela explosão: ele não estava no mesmo espaço com os militares do «Azov». 

Em setembro de 2022, ele me pediu em casamento de repente por telefone: «Você quer se casar comigo?» Olena riu: «Bem, isso é brincadeira. Acho que ninguém nunca me pediu em casamento antes». 

Em outubro de 2022, Oleksandr foi transferido para a cadeia russa na cidade de Kamyshin, na região de Volgogrado. O dobro de pessoas foi amontoado em uma cela projetada para oito. Não havia como ligar de lá. Olena poderia ter descoberto sobre o marido se um desses 16 tivesse sido trocado. Aconteceu uma única vez. O rapaz desconhecido disse que estava com Oleksandr há muito tempo. Eles se sentaram nos beliches e sonharam com motocicletas e uma viagem ao redor do mundo. 

Ou seja, por 2,5 anos, Olena não sabia absolutamente nada. 

Ela não ia aos comícios das famílias dos POW ucranianos: tinha medo de multidões, medo de altura, podia desmaiar no metrô. A mulher estava esperando pela troca. 

Olena estava coberta de apatia, estresse, PSPT/TEPT. Trocou sete psicólogos: a primeira chorou ao ouvir sua história, a segunda sugeriu que bebesse conhaque, a terceira sugeriu que ela tomasse agaricus e outra disse que a própria Olena poderia ser psicóloga. 

«Disseram-me que isso me ajudaria a fazer o que eu amava antes da invasão: teatro, cinema, amigos, dominó, dançar, pescar. E eu digo: 'Eu faço, mas sem isso não me traz alegria'. Só um psicólogo me ajudou, e mesmo assim com uma única frase: «Não se force a fazer o que você não quer fazer. Não lave a louça, não cozinhe, não faça caminhadas. E funcionou, porque os outros queriam impor algo, e era estressante», lembra Olena. 

Olena esperou. Em 14 de junho de 2025, Oleksandr ligou para ela logo após cruzar a fronteira. E no dia seguinte ela já estava com ele (não se pode dizer o local onde estão reabilitados os ex-POW ucranianos). 

Tuberculose e uma casa de banho sem sabão 

“Ele pediu um monte de tudo: sorvete, barras de hematogênio, chocolates, biscoitos, pediu café, sal, bagels, cigarros. Quando já estava saindo do supermercado, ele ligou novamente: “Por favor, compre mais [barras de chocolate] Bounty, Snickers e Picnics.” Olena explica: “Eles não viram uma gota de açúcar ali”. 

A mulher compartilha suas emoções com a aparição de amado. 

Antes do cativeiro russo Oleksandr pesava 103 quilos e media 1,87 metro de altura. Em cativeiro, perdeu 50 quilos e 7 centímetros. Ficou meio-curvado.

Oleksandr e Olena em junho de 2025, 1 dias após a libertação

“Havia vários hematomas na cabeça e um hematoma recente — no dia anterior da troca foi atingido com a bota de um dos guardas. Os hematomas na cabeça eram marcas das pauladas com as quais os guardas os espancavam. Os ossos sobressaem através das roupas, é assustador abraçá-lo. O exame médico inicial revelou tuberculose. Mas agora estão tratando a tuberculose — Olena tranquiliza a si mesma e a mim ao mesmo tempo. — O principal é que ele não perdeu o ânimo, que não perdeu o senso de humor. Hoje irei até ele (17 de junho de 2025), pedirei salsicha, queijo, pão e um cigarro eletrônico. Mesmo que seja tuberculose, e seja impossível, mas que ele aproveite. 

Oleksandr explica que os ucranianos estavam morrendo de fome no cativeiro russo. Eles recebem de comer o exatamente suficiente para não morressem de fome. Portanto, todos os seus pensamentos giravam em torno de comida. Entre as torturas, a mais terrível eram os choques elétricos. Depois, pararam de usá-los, porque dois POW ucraninos morreram. 

Eles não davam sabão para a casa de banhos, para onde eram levados para se lavar uma vez por semana. Nem meias eram distribuídas. «Eles traziam pacotes de meias para a cela, que até eram fabricadas na Ucrânia, gravavam um vídeo — e depois os levavam embora». 

Gatos Himers, Zaibaka e dois tatoos 

Olena agora está feliz e preocupada. 

«Eu entendo que ele está ficando cada vez mais tranquilo aqui, entende que não precisa pensar em nada, que agora pode contar comigo. Na verdade, somos só nós dois: seu filho de 18 anos está na Polónia, sua mãe morreu, seu pai de 86 anos ficou em Mariupol. Certa vez, me perguntaram se eu entendia que ele voltaria completamente diferente. Respondi então que o principal era esperar. E então haveria uma história diferente. E assim começou.» Somos realmente diferentes, tivemos experiências diferentes ao longo desses três anos e nos acostumamos um com o outro. Esta manhã, quase brigamos ao telefone, mas ambos dissemos em uníssono: «Vamos ficar juntos». 

E o casamento? Antes da invasão, o casal já havia pensado nisso, mas quando a proposta chegou de Olenivka, a mulher entrou com uma ação judicial para comprovar o fato de vivermos juntos como uma família, o que equivale ao casamento. Dois anos e meio de dificuldades, depoimentos de testemunhas, e aqui está ela com este documento em mãos. Oleksandr e Olena são marido e mulher. 

Com o dinheiro que foi acumulado durante o seu cativeiro, o casal quer comprar uma casa, porque agora se sentem com dois sem-teto, mas queremos «baloiçar em redes de descanso». 

«Vamos comprar um cão de raça corso», diz a mulher, sonhadora. Já tenho dois gatos: Himers e Zaibaka. Apareceram em Kyiv. Havia outros em Mariupol, mas morreram lá. Quando eu os estava enterrando e chorando no túmulo, uma vizinha se aproximou de mim: «Por que você está chorando por gatos? Tem um monte de cadáveres espalhados por aí». E eu respondi: «Os moscovitas tiraram minha vida, até me libertaram dos gatos». 

Olena acrescenta que o marido ainda não sabe dos planos para compra do cachorro. 

«Ele nunca tinha visto minhas tatuagens antes. Nunca gostou delas, dizia que eram feias. E eu as fiz enquanto ele estava em cativeiro: duas mãos entrelaçadas. As de um homem e as de uma mulher. Sempre amei as mãos dele. E a outra tatuagem é a inscrição «Mariupol», abaixo dela uma âncora – o brasão da nossa cidade – e um dente-de-leão. Por que essa? Porque quando saí para o mundo pela primeira vez, depois do bombardeio em Mariupol, eu andava e gritava: aqui é a nossa loja, aqui é a nossa loja, nossos lugares favoritos – tudo está destruído. E os dentes-de-leão estavam florescendo por aí. Eu os colecionava e gritava. É por isso que também é simbólico para mim. Então, meu marido precisa se acostumar com a nova eu, e eu preciso me acostumar com ele. Mas acredito que vamos superar tudo. Conto lhe sobre o cão corso mais tarde», ela ri.

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