sábado, abril 12, 2025

Vladimir Kara-Murza: a face liberal do neofascismo russo

Jovens namorados Danylo Nikitsky e Alina Kusenko, mortos em Kryviy Rih por um míssil russo

Nas décadas de 1960-70, os intelectuais europeus procuravam, desesperados, o «socialismo com a face humana». Hoje, os mesmos intelectuais procuram o «bom russo», imperialista com a face humana. Vladimir Kara-Murza é um bom exemplo disso. 

O liberal moscovita, dissidente do atual regime neofascista russo, Vladimir Kara-Murza sofreu, no passado, dois envenenamentos, em 2015 e 2017, possivelemte orquestrados pelo FSB e em 2023 foi condenado aos 25 anos por acusações de traição, segundo a «lei das fake news» e a colaboração com uma «organização indesejável». Em 2024 libertado, na troca dos prisioneiros, entre EUA e a rússia, em que vários opositores liberais russos foram trocados pelos espiões e até assassinos profissionais ao serviço do Kremlin, detidos nos EUA e em alguns países europeus, como Alemanhã e Polónia. 

Muito recentemente, Vladimir Kara-Murza, falava no Senado francês, na Comissão dos Assuntos Europeus, onde senador Claude Malhuret colocou-lhe a seguinte questão: hoje, a maioria das tropas russas, para além dos criminosos condenados que foram retirados das prisões, são recrutadas entre os representantes das minorias étnicas. Consequentemente, a maioria dos militares russos mortos que regressam em caixões de zinco são enviados de volta para a Daguestão, Inguchétia, Chechénia, e assim por diante.

Qual é a situação nestas repúblicas hoje? Existe a perspectiva de uma revolta, precisamente porque o exército russo está ocupado na Ucrânia? Existe a possibilidade de uma revolta semelhante à revolta chechena da década de 1990? De uma forma mais geral, como define a posição destas minorias, destas repúblicas? Podemos falar de uma situação colonial ou é algo mais complexo a que nós, aqui em França, talvez não estejamos habituados? Temos a nossa própria história colonial, mas é algo diferente com o qual não estamos familiarizados. 

Kara-Murza:

«Quanto à sua questão sobre as minorias étnicas, é absolutamente verdade que muitos militares russos na Ucrânia são oriundos destas repúblicas: do Cáucaso, do Oeste (da Ásia Central?), da Sibéria e assim por diante. As razões são mais económicas. Como dissemos, Senhora Vice-Presidente, estas são regiões muito pobres — muito mais pobres do que Moscovo e São Petersburgo, mas também mais pobres do que as regiões da rússia central.

O Ministério da Defesa russo está a oferecer muito dinheiro para as pessoas irem para esta guerra. E estas pessoas que não têm dinheiro, nem perspectivas, que não têm nada nestas regiões remotas e pobres, muitas delas concordam com este dinheiro e vão para a guerra.

Além disso, como disse ontem em Estrasburgo, na sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, conversei com um colega que trabalha arduamente com prisioneiros de guerra de ambos os lados.

Ela falou bastante com prisioneiros de guerra ucranianos que foram libertados da rússia e com prisioneiros de guerra russos que ainda estão na Ucrânia. E ela disse-me que há outra razão pela qual o Ministério da Defesa russo atrai tantos representantes de minorias étnicas: porque, como se vê, é psicologicamente muito difícil para os russos matarem os ucranianos. Porque somos o mesmo /povo/. São povos muito próximos, como todos sabem. Temos quase a mesma língua, a mesma religião, séculos de história comum. /Momento 6.41-7.00/

Mas se for alguém de outra cultura, supostamente é mais fácil. Foi o que este colega me disse ontem. Eu não tinha pensado nisso antes. Pareceu-me que as razões eram sobretudo económicas. Mas depois das palavras dela, comecei a pensar também sobre o assunto.

E, como disseste, também há muito mais vítimas de guerra entre estes povos. Os caixões estão a regressar. Vemos que nestes caixões está escrito: sim, como disseste – Daguestão, Chechénia. Mas a Chechénia é uma história diferente. O regime de Kadyrov na Chechénia, na minha opinião, é a pior parte do regime de Putin. Nem consigo encontrar palavras para descrever o que se está a passar na Chechénia.

Mas mesmo noutras regiões do Cáucaso — na Inguchétia e no Daguestão, bem como no Extremo Oriente russo, em regiões como a Buriácia, por exemplo, e a Iacútia — muitos militares vêm de facto de lá.

E, claro, sabemos que cada vez mais soldados estrangeiros estão a aparecer agora. Coreia do Norte, mas provavelmente viu as notícias de ontem sobre a detenção de soldados chineses por ucranianos. Os soldados chineses que estavam com o exército russo na Ucrânia estão contra a Ucrânia.

E, de facto, isto também é indicativo: o facto de Putin ter agora de procurar soldados fora do país. Verificamos que o Ministério da Defesa russo é forçado a aumentar constantemente os montantes dos pagamentos às pessoas que participam na guerra. Diz-me que não há pessoas suficientes dispostas a fazê-lo.” 

Mais uma vez, os liberais russos transmitem, no Ocidente, a ideia de que os bons meninos russos não querem combater, nem querem matar. Que a culpa é sempre daqeles prEtos, de olhos puxados e almas gananciosas, aqueles pretos maus, malignos e sanguinários, que tanto a rússia gosta de usar ao proveito próprio, mas assim que estes mesmos nativos começam à falar de sua autodeterminação, manda lá os seus os bons meninos russos para retalhar, fuzilar, aprisionar, torturar e subjugar…

A literal coincidência com a retórica de putin sobre “o mesmo povo” não incomoda o combatente imperial contra o putinismo pelo mesmo império russo. Por essa lógica, o seu próprio apelido tártaro, torna Kara-Murza psicologicamente mais adequado para matar os ucranianos? 

Refugiados polacos nas colónias africanas da Grã-Bretanha

De 1942 a 1950, quase vinte mil polacos encontraram refúgio dos horrores da Europa devastada pela II Guerra Mundial em campos nas colónias africanas da Grã-Bretanha, incluindo Uganda, Tanganica, Quénia, Rodésia do Norte e do Sul.

A localização geográfica dos campos de refugiados polacos em África

O livro do investigador alemão Jochen Lingelbach «On the Edges of Whiteness» conta a sua história improvável, traçando as múltiplas e complexas relações que se desenvolveram entre os refugiados, os administradores britânicos e os seus vizinhos africanos. Ao mesmo tempo que intervém em debates históricos importantes em disciplinas académicas, este livro oferece também um relato acessível e memorável da sobrevivência e do deslocamento cultural dramático no contexto de um conflito global.

Embora a absoluta maioria dos 19.200 refugiados do grupo, eram católicos e polacos, também havia no meio as minorias judias e ortodoxas, compostas por belarusos e ucranianos. Por exemplo, um dos relatórios aponta que no campo de Kondoa, em Tanganica, a maioria dos residentes eram belarusos e ucranianos.

A igreja católica polaca em Nyabyeya/Masindi, em Uganda

Jochen Lingelbach é investigador de pós-doutoramento em História de África na Universidade de Bayreuth. Doutorou-se na Universidade de Leipzig e trabalha atualmente no projeto “África na História Global dos Campos de Refugiados” dentro do Cluster de Excelência “África Múltipla” da Universidade de Bayreuth.

sexta-feira, abril 11, 2025

KGB soviético contra os «Cossacos Voadores» da força aérea dos EUA

KGB na década de 1960, recolhia propositadamente as informações sobre militares do Exército americano que tinham raízes ucranianas. Estas pessoas foram incluídas em base de dados  especial e levadas ao registo operacional. Hoje, a familiarização com estes documentos permite-nos constatar que os emigrantes ucranianos nascidos nos EUA, mesmo na segunda ou terceira geração, não perdiam a sua identidade nacional e viviam com o pensamento da Ucrânia. 

KGB já tinha informações de que organizações de emigrantes ucranianos tinham, em vários momentos, desenvolvido planos estratégicos sobre a possível formação de unidades ucranianas a partir de ex-militares. Tais ideias foram consideradas principalmente nas décadas de 1920 e 1930. Entendeu-se que, no caso de uma nova guerra global entre os países ocidentais e a URSS, tais unidades seriam capazes de participar na luta para restaurar a independência da Ucrânia. 

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, tais planos ainda estavam a ser considerados durante algum tempo. Depois disso, a ideia foi posta em causa pela liderança político-militar dos países ocidentais, em particular dos Estados Unidos. Apesar disso, Moscovo encarregou o KGB de recolher toda a informação disponível sobre este tema junto dos centros de emigrantes ucranianos no estrangeiro, em particular sobre todos os ucranianos que se juntaram ao exército dos EUA. Eram considerados como aqueles que podiam ser utilizados para fins de sabotagem e espionagem contra a URSS. Assim, a liderança do KGB estava cautelosa com as informações obtidas pelos agentes sobre «um aumento do recrutamento de jovens de origem ucraniana pelos americanos para o exército». 

Noutro caso, Moscovo foi informada sobre alegada conversa entre um turista /ucraniano/ de visita nos Estados Unidos, com o vice-presidente da União Popular Ucraniana, Stepan Kuropas. Terá perguntado ao turista o que aconteceria se três ou quatro divisões de paraquedistas ucranianos desembarcassem no território da Ucrânia e se o povo ucraniano os apoiaria. KGB concluiu que tal foi feito por uma razão e que tal curiosidade se baseava em informações disponíveis «sobre a preparação dos americanos para lançar paraquedistas, formados de emigrantes ucranianos na Ucrânia em caso de conflito armado». Esta instigação artificial de falsas ameaças e a inflação da situação eram típicas das actividades dos serviços secretos soviéticos daquela época. Tanto para confirmar ainda mais a sua importância e necessidade, como para mobilizar todo o aparelho de Estado e a população face à suposta ameaça dos inimigos capitalistas. 

Por conseguinte, o KGB começou a compilar propositadamente listas de emigrantes ucranianos que serviram no Exército americano. Incluíam informações sobre os pais, local de residência, participação em organizações ucranianas, o local e ramo de serviço, as promoções. Juntamente com estas breves informações, haveria menção especial que a pessoa estava registada na base de dados do KGB. 

Alguns nomes dos ucraniano-americanos que entraram na lista do KGB na década de 1960: 

Myron F. Diduryk (1938-1970), natural da região de Ternopil. Em 1960, formou-se na Universidade St. Peter, em Jersey City, com o bacharelato em física e, ao mesmo tempo, como cadete numa escola militar, com a patente de tenente de infantaria. 

Major Myron Diduryk, 15-07-1938 - 24-04-1970

Desempenhou um papel fundamental como comandante de uma companhia de infantaria na Batalha de Ia Drang, a primeira grande batalha da Guerra do Vietname. Os seus feitos nessa batalha foram descritos por Hal Moore em «We Were Soldiers Once and Young». Moore disse que Diduryk era «... o melhor comandante de companhia de campo de batalha que já vi, sem dúvida». Major Diduryk foi morto em combate na sua segunda missão no Vietname.

Nicholas Stephen Hordij Krawciw / Mykola Kravtsiv (1935-2021), natural da cidade de Lviv, formou-se com honras em 1954 na Academia Militar dos EUA em West Point, recebeu treino especial em paraquedismo e guerrilha em Fort Benning e serviu em unidades de tanques dos EUA na Alemanha. Major-general na reserva.

28 de novembro de 1935 – 29 de setembro de 2021

Filho de Bohdan Kravtsiv, um dos editores do jornal ucraniano «Svoboda» e membro do conselho da «Sociedade Científica Taras Shevchenko».

Roman Kuzyk (1941 - 2025), formou-se em 1963 na Universidade de New Brunswick, New Jersey, e simultaneamente fez cursos militares, fez a formação especial na base de Fort Benning, na Geórgia. Capitão na reserva. 

18 de junho de 1941 - 19 de janeiro de 2025

Roman se orgulhava de ser um americano, mas também amava profundamente o seu país natal, Ucrânia; foi membro da Associação de Veteranos Americano-Ucranianos, foi antigo chefe do Lar Nacional Ucraniano de Trenton e observador internacional das eleições presidenciais de 2004 na Ucrânia.

Mykhailo Skotsko (1935-?). Após se ter licenciado no Brooklyn College, serviu durante 4 anos na Academia Militar dos EUA, enquanto estudava simultaneamente chinês. Em 1961, formou-se na Academia Militar de West Point e foi destacado para uma base militar na Geórgia. 

Steven N. Olek (1942-2017), os seus pais nasceram na América e ocuparam cargos importantes na «União Popular Ucraniana». Steven (Stepan) nasceu em Cleveland, onde se formou na escola primária católica e, mais tarde, no liceu em Chicago. Recebeu o grau de Bacharel em Artes e a patente de Segundo Tenente na Força Aérea dos Estados Unidos. Capitão na reserva.

5 de janeiro de 1942 - 29 de outubro de 2017

Além disso, o documento do KGB sublinha que Stepan Olek, enquanto servia em 1965 na Base Aérea de Webb, no Texas, tinha orgulho na sua origem ucraniana e até tomou a iniciativa de dar à sua unidade de treino o nome de “Cossacos Voadores” e, como sinal de distinção, uma imagem de um tridente vermelho sobre fundo preto. 

“O Comando da Força Aérea dos EUA”, refere o documento, “atribuiu o símbolo nacional ucraniano do tridente como sinal de distinção à classe de treino “66-C” para o treino de oficiais pilotos de jatos supersónicos na Base Aérea de Webb, no Texas. Além disso, a unidade de treino mencionada recebeu o nome de «Cossacos Voadores». O emblema do tridente é usado pelos militares da classe “66-C” na manga esquerda dos seus uniformes e também se encontra nas fuselagens de aeronaves de formação. Após a formatura na escola de aviação, os seus graduados usam a insígnia do tridente durante todo o seu serviço no exército. Foi também criado um livro de graduados da união com o símbolo do tridente na capa”.

Jornal ucraniano-americano «Svoboda», Nº.187, 1968

Os jornais da diáspora ucraniana, que foram publicados nos EUA e os quais o KGB recebia através do organismo soviético Sociedade para as Relações Culturais com os Ucranianos no Estrangeiro, contêm um pouco mais de informação sobre Stepan (Stefan, Steve) Olek. De salientar que para aprovar a distinção era necessário fornecer ao comando da base aérea uma história sobre a mesma, uma espécie de certificado histórico. Na família de Stepan, a imagem do tridente esteve sempre presente; era percebido como um símbolo nacional. Para mais informações, terá recorrido a um conhecido, um colecionador de insígnias e heráldica, Orest Horoditsky, de Chicago. Ajudou a preparar o certificado. Afirmou que o tridente é “o emblema do deus mítico dos mares, Neptuno-Poseidon, que este antigo emblema foi adotado pelo príncipe ucraniano Volodymyr, o Grande, que se converteu ao cristianismo de Bizâncio e batizou a Ucrânia, e mais tarde, sob este emblema, defendeu não só o seu país, mas também a Europa com a sua cultura cristã, dos ataques dos bárbaros”. 

O comando da base e os cadetes da classe de treino gostaram deste símbolo e adotaram-no como o seu emblema. E isto apesar de já não haver ucranianos na unidade. O livro comemorativo dos formandos da turma «66-s» destacou, entre outras coisas, que o tridente ucraniano foi um brasão em inúmeras batalhas, na defesa do mundo ocidental e de tudo o que é mais precioso: a liberdade e a vontade. Por isso, a classe utiliza-o com profundo respeito e dever para com as brilhantes tradições do tridente e está pronta para continuar a defender os valores que o tridente defendeu. 

Após completarem a formação, todos os formandos da classe «66-C» (segundo uma fonte, eram 48, segundo outras, 41) tinham o direito de usar um emblema de tridente na manga durante todo o serviço. O capitão Stepan Olek, como se observa numa publicação, embora nascido na América, «é reconhecido em todo o lado como um ucraniano de ascendência cossaca».

Capitão Steven Olek se prapara para a missão de combate no U10-D

A sua missão no Vietname terminou em 1969. O ucraniano conseguiu fazer 552 missões de combate. Nunca foi abatido. Recebeu a «Cruz de Mérito Voador» e outras condecorações. Continuou o seu serviço na Força Aérea. Reformou-se com a patente de major. No verão de 1995, visitou a Ucrânia para ajudar os estudantes de Lviv à aprender inglês.

Ao longo dos anos e décadas seguintes, como evidenciado pelas publicações na imprensa da Diáspora ucraniana que os «Cossacos Voadores» realizavam frequentemente reuniões de antigos alunos nas quais recordavam aqueles acontecimentos antigos. De 25 a 27 de Agosto de 2000, realizou-se uma reunião dos «Cossacos Voadores» em Tucson, no Arizona. Estiveram presentes 13 cadetes do grupo «66-C» e um instrutor. Steve vivia em Riverside, na Califórnia. No verão de 1995, ele visitou a Ucrânia, em Lviv, como instrutor voluntário de inglês, sem saber que até há pouco tempo estava registado no registo operacional secreto do KGB. 

Ao mesmo tempo, com excepção de Steven Olek, outros americanos de origem ucraniana que serviram na Força Aérea dos EUA também foram incluídos nas «listas do KGB». Todos eles foram tidos em conta como aqueles que, no caso de um novo confronto global, se poderiam juntar à libertação da terra dos seus antepassados ​​do imperialismo russo-bolchevique. 

FontesArquivo Estatal Setorial do SZRU / Local History 

Os voluntários brasileiros que defendem Ucrânia

Rafael Leite: «A vontade de me ver cair só aumenta minha força pra continuar de pé».

As histórias de três voluntários brasileiros, que defendem Ucrânia nas fileiras da 2ª Legião Internacional, nos diversos frentes da guerra, que Ucrânia trava desde 2014. 

Mas antes de tudo, veja a entrevista do canal Mundo em Revolução, com o oficial das FAU Oleksii Bezhevets, um dos responsáveis do recrutamento dos voluntários estrangeiros às fileiras das FAU. Muito possivelmente, aqui você conseguirá esclarecer algumas das suas questões sobre o recrutamento:

 

Site para informações e recrutamento em português: https://joinuarmy.org/pt

Adamir, o instrutor da medicina tática, na Ucrânia desde outubro de 2023.

Neste vídeo do UATV Português, o voluntário brasileiro fala sobre o «DNA da liberdade» da Ucrânia. Ele compartilha o ritual que realiza antes de ir para a linha de frente, onde coragem e determinação substituem o medo. O soldado destaca que a morte não é temida, pois a luta pela liberdade da Ucrânia é maior que qualquer ameaça. Uma poderosa demonstração de bravura e compromisso com a causa:

 

Arisson Benevides «Periquito»: um outro brasileiro, na guerra da Ucrânia, um pouco da sua história:

 

O já conhecido voluntário Rafael Leite: «Aqui não é filme. É a Ucrânia».

«Se você pensa em vir para a Ucrânia porque acha que sua vida não tem mais sentido, saiba que isso é um sinal de que você precisa de ajuda. Vir para cá pode piorar ainda mais a sua situação»:

 

quinta-feira, abril 10, 2025

Papelaria nas operações da «bandeira falsa» do KGB

Imagem ilustrativa: ID do KGB da Ucrânia Soviética

Nas tarefas constantes do KGB constavam as operações clandestinas no Ocidente, nomeadamente a luta permanente contra a emigração ucraniana. Moscovo empregava desde os assassinatos até o fomento de conflitos entre os diversos grupos e correntes políticos da Diáspora ucraniana. 

Estamos em 1971, em plena Guerra Fria. KGB da Ucrânia soviética está preocupado com a compra de uma copiadora, papel e envelopes ocidentais para as suas necessidades operativas.

No decorrer das tarefas constantes, KGB organizava várias operações clandestinas no Ocidente, nomeadamente na luta permanente contra a emigração política ucraniana. Moscovo empregava diversos tipos de ações: desde os assassinatos até o fomento de conflitos entre os diversos grupos e correntes políticos da Diáspora ucraniana.

Para tal, os chekistas precisavam de imprimir e distribuir os folhetos/brochuras em nome de outrem, pretendendo se passar por determinadas organizações da Diáspora, para fomentar a divisão nos opositores do regime soviético. Só que o papel de escrever e as máqinas de fotocópias soviéticas bastante rudimentares, não eram adequados para essas tarefas. Quer pela sua má qualidade, quer pelas diferenças tecnológicas, que os fariam facilmente detectáveis. 

Assim, no documento datado de 27 de julho de 1971, e dirigido ao vice-chefe do 12º Departamento da Primeira Direção principal do KGB da URSS, em Moscovo, solicita-se a compra, no Berlim Ocidental, de uma copiadora e 5.000 folhas de papel, de fabrico ocidental /«não cara e sem as marcas de água»/. No mesmo documento explica-se que KGB da Ucrânia soviética prepara uma operação da «bandeira falsa», querendo fabricar um panfleto, em nome da OUN-solidaristas (o nome usado pela ala histórica da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, a OUN-M).

Além disso, o chefe da 1ª Direção do KGB da Ucrânia soviética, coronel Timofeev, solicita a compra de:

  • Papel de datilografar fabricado nos EUA: 3.000 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 19x14: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 17,5x12: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 26,5x19: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado no Canadá: 1.000 folhas
  • Envelopes fabricados no Canadá: 500 unidades
  • Papel de datilografar fabricado na Inglaterra: 1.000 folhas
  • Envelopes fabricados na Inglaterra: 500 unidades

Dado que a compra deste tipo de «produtos estratégicos» não pode ser confiada à quaisquer pessoa, o camarada Timofeev faz a sugestão: os compradores podem ser dois ex-oficiais da 1ª Direção do KGB da Ucrânia soviética, anteriormente transferidos de Kyiv à Alemanha socialista, passando pelos funcionários soviéticos civis. Nomeadamente, o tenente-coronel Pakhomov, que se faz passar por jornalista da agência noticiosa soviética TASS e major Bezugly, alegado representante do Comité Soviético para as Relações Culturais com os Compatriotas no Estrangeiro. 

Num caso relacionado, KGB informava, que numa outra operação da «bandeira falsa», compôs um panfleto e depois produziu e enviou 244 cópias (4 foram enviadas ao Brasil), onde em nome da ala revolucionária da OUN, a OUN(B), acusava Mykola Lebed (UHVR) e Oleh Sztul (OUN-M) de colaboração com os serviços secretos americanos. Usando para tal os envelopes fabricados na Alemanha Federal e uma máquina de escrever IBM.


Fonte: Arquivo Estatal Setorial do SZRU, via historiador Eduard Andrusenko

Muito possivelmente o panfleto em questão, fabricado pelo KGB

Tendo em conta, que os métodos das secretas russas (GRU, FSB e SVR) não diferem muito dos métodos do KGB, importa se lembrar que, por exemplo, hoje muitas das funções, oficiais e naturalmente clandestinas, no Ocidente, são executadas pela Rossotrudnichestvo, oficialmente, a agência federal de promoção das relações internacionais, a cultura e a cooperação humanitária da rússia. Naturalmente, os espiões russos já não compram os produtos da papelaria no Ocidente, compram outros meios, por exemplo, as consciências dos certos ex-militares portugueses, que, mau menor, ao menos já estão na reserva...

A censura comunista ao filme «Terra» de Oleksandr Dovzhenko

A 8 de abril de 1930, foi lançado na Ucrânia soviética, o filme «Terra» (Zemlya) do realizador ucraniano Oleksandr Dovzhenko. Passados ​​apenas 9 dias, o filme foi retirado dos cinemas pela censura comunista, acusado de «naturalismo e atentado aos costumes».

Do ponto de vista político, o filme seguia a linha ideológica comunista. Mesmo assim, os ideólogos soviéticos consideraram que a película fugia dos canones exigidos ao «realismo socialista» e por isso, foi retirado das exibições públicas. 

O enredo da estória é construído em torno do conflito entre os camponeses ucranianos pobres que apoiam a coletivização soviética e aqueles que a resistem. No centro está a história de um jovem, Vasyl, que regressa da cidade para a aldeia, sonha com uma nova vida, mas morre às mãos de um camponês abastado, o kurkul/kulak. O final do filme — uma imagem poética de um funeral numa aldeia — tornou-se uma cena marcante na história do cinema.

O «Terra» destacou-se entre os filmes soviéticos pelo seu esteticismo, atenção ao ritmo, composição e simbolismo. Foi criticado na URSS devido ao «formalismo», e o próprio Dovzhenko viu-se sob pressão durante anos. Ao mesmo tempo, o filme recebeu reconhecimento no Ocidente — em particular, em França, na Alemanha e nos Estados Unidos — e teve um impacto significativo no desenvolvimento do cinema poético. Na União Soviética o filme foi «reabilitado» somente em 1958, após um sucesso internacional em Bruxelas, onde foi incluído na lista dos 12 melhores filmes da história do cinema mundial pelo Festival de Cinema de Bruxelas.

Ver aqui com a música de Alexander Popov encomendada pelo estúdio alemão ZDF:

quarta-feira, abril 09, 2025

A história da vida íntima e sexual da União Soviética

O historiador Rustam Alexander publicou o livro “Havia sexo. A vida íntima da União Soviética” dedicado à atitude do regime comunista em relação ao sexo e abrange o período de 1920, quando os abortos foram legalizados no país, até à revolução sexual da era da Perestroika. 

Os trabalhadores soviéticos da década de 1920 falam sobre sonhos molhados. Os mineiros da década de 1960 estavam interessados no patting. As moças de Arkhangelsk são julgadas por casos com estrangeiros aliados na década de 1940. O Festival da Juventude e dos Estudantes de Moscovo tornou-se a revolução sexual local. Com base em materiais de arquivo, memórias e registos médicos, o historiador criou um quadro abrangente da vida sexual da URSS. O que une todas as histórias é um tema comum sobre como a proibição do aborto, a falta de educação sexual e a imposição do puritanismo hipócrita levam ao aumento da ignorância, da violência e da mortalidade. E como é que as pessoas encontram coragem dentro de um sistema totalitário para pedir a liberalização das leis, a educação sexual e as conversas abertas sobre sexualidade? 

Na sua investigação, o autor chega à conclusão de que apenas a década de 1920 e o final da década de 1980 podem ser vistas como um período relativamente liberal em termos de liberdade sexual na URSS. Se na Rússia soviética, durante o período de NEP, os jornalistas podiam escrever: “A masturbação é uma coisa fascinante e útil (eu sei por experiência própria)”, e as pessoas nuas podiam manifestar-se no centro de Moscovo/ou, então já em 1929 tudo mudou drasticamente. Os livros sobre sexo foram proibidos, o assunto deixou de ser discutido publicamente e, pouco depois, o aborto foi proibido e os direitos dos cidadãos ao divórcio foram restringidos. O sexo, claro, não desapareceu, mas os cidadãos soviéticos já não eram aconselhados a falar sobre esta “estupidez indecente”. 

Sociedade «Abaixo a Vergonha!» 

Um movimento nudista radical na URSS que esteve ativo em 1924-1925. Existia sobretudo em Moscovo, embora haja informações sobre as ações da sociedade noutras cidades, em particular na capital da Ucrânia Soviética, cidade de Kharkiv. Os membros da sociedade andavam completamente nús ou usavam apenas uma fita sobre os ombros com a inscrição “Abaixo a vergonha!” Desta forma, protestavam contra a hipocrisia “burguesa” e exigiam que se tirasse a roupa em prol da libertação do espírito. 

Cartoon «Propaganda nua» (parcial) da
sociedade «Abaixo à vergonha!», 1924

A primeira surpresa do livro é que tanto as autoridades que estudaram utilizando manuais soviéticos como os profissionais da área de saúde (incluindo as mulheres) se manifestaram contra a educação sexual e a favor da proibição do aborto. Mas as forças de segurança (principalmente a polícia) quando se tratava de relações heteronormativas, paradoxalmente tratavam o tema sexual de uma forma muito mais branda. Estavam relutantes em processar os médicos que realizavam abortos ilegais e os seus clientes, o que irritava o Ministério da Saúde. A segunda surpresa é o número de especialistas que tentaram combater a aura de tabu. Havia muitos deles. Inspirados pela investigação de Alfred Kinsey nos Estados Unidos, os sexólogos soviéticos tentaram, desde a década de 1960, abalar a norma de silêncio em torno deste tema. 

Entre os especialistas com visões condicionalmente liberais estava não só o famoso sexólogo Igor Kon, mas também o seu aluno Sergei Golod, que em 1968 estudou as relações sexuais entre jovens (devido à censura, a obra nunca foi publicada). O sexólogo Ilya Popov, da cidade cazaque de Temirtau, estudou as preferências dos operarios locais, descobriu que, mesmo neste ambiente, estes estavam ativamente interessados em temas como patting/carícias e sexo oral, e ficaram perplexos por não haver discussão sobre isso na imprensa soviética. A investigação de Popov, claro, também não teve permissão para ser publicada. Mas em 1962, a jornalista Evgenia Rozanova conseguiu ser publicada, descrevendo no seu artigo para o jornal bastante popular “Jovem Comunista” casos de abusos sexuais aos adolescentes em Kuibyshev (atual Samara). A autora chegou à conclusão de que uma das razões dos crimes é a falta de educação sexual. Mas o seu trabalho publicado não gerou uma discussão alargada.

Capa da revista infantil soviética «Murzilka», 1928

O silêncio geral sobre o “problema sexual” e as leis proibitivas levaram as consequências catastróficas. Alexander descreve na sua obra a epidemia de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens soviéticos, mesmo antes do surgimento de HIV-SIDA/AIDS. O historiador aborda ainda casos em que mulheres soviéticas morriam em consequência de abortos ilegais. Também a violência — naquela época não existia o conceito de consentimento sexual ativo, pelo que a violência muitas vezes nem sequer podia ser reconhecida. Mais tarde, a Primavera de Khruschev enfraqueceu a legislação punitiva de Estaline, mas não alterou verdadeiramente as atitudes em relação ao corpo das mulheres e ao direito de escolha. 

Apesar da vastidão do tema, Alexander consegue prestar atenção a cada questão: como era organizado a prostituição soviética, como as mulheres soviéticas escondiam as suas relações com os estrangeiros, como as atitudes em relação ao sexo foram influenciadas pelo turismo durante o Festival Mundial da Juventude de 1957, como o tabu de falar sobre relações desapareceu durante o período da Glasnost – e como a russia atual restaurou o conservadorismo soviético. 

6º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes 

O Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, em 1957, realizado em Moscovo/ou, tornou-se um dos símbolos mais marcantes do degelo de Khruschev e o primeiro contacto em massa da juventude soviética com estrangeiros após muitas décadas de isolamento. Mais de 30 mil pessoas de 131 países participaram no festival. O evento não só contribuiu para a propaganda internacional do socialismo, como também deu impulso às mudanças culturais dentro da URSS, despertando nos jovens o interesse pela liberdade e por novas ideias face à censura persistente e ao controlo/e ideológico. 

Imagem: Sovietpostcards

O tema do género perpassa todos os capítulos. As mulheres foram as primeiras a sofrer com as proibições sexuais rigorosas, enquanto os benefícios das liberdades que antes existiam eram maioritariamente usufruídos pelos homens. Por exemplo, na década de 1920, o sexo casual sem consequências era uma prática comum para os homens, mas as mulheres podiam ser acusadas de promiscuidade, despedidas do serviço ou expulsas da Universidade por tais relações. Apesar da conversa sobre um “copo de água”, o estigma social e os padrões duplos determinam há décadas quem pode exercer a liberdade sexual e como. 

A teoria do «copo de água» 

Uma ideia radical de liberdade sexual, popular nos primeiros anos após a revolução bolchevique, sobretudo entre os jovens. De acordo com esta teoria, satisfazer o desejo sexual deve ser tão simples e isento de complicações morais como beber um copo de água. Foi atribuído a Alexandra Kollontai e aos defensores da “moralidade proletária”, embora a própria Kollontai se tenha afastado mais tarde das interpretações demasiado vulgares. A teoria causou um debate aceso e foi rapidamente condenada pela parte mais conservadora da liderança do PCUS. 

Questão do género: «Cada jovem comunista é obrigada
corresponder ao desejo dele senão ela é pequena burguesa»

O ponto de partida para o relato sobre o sexo no período soviético é a famosa citação de Lyudmila Ivanova, participante na teleconferência Leninegrado-Boston de 1986, que declarou: «Não há sexo na URSS, só temos amor». O livro termina com este mesmo episódio. A primeira parte da frase, que se tornou um meme, mostra eloquentemente os resultados da luta do governo soviético contra a discussão sobre o sexo. Os resultados desta luta ainda hoje se fazem sentir, mesmo se deixarmos de lado as tentativas modernas do Estado russo de se apropriar da vida privada dos seus cidadãos.

segunda-feira, abril 07, 2025

Lev Rebet: o ideólogo e líder liberal do nacionalismo ucraniano

Foto: Lev Rebet no campo de concentração de Auschwitz

No dia 3 de março, assinalaram-se 113 anos do nascimento de Lev Rebet, um dos líderes da OUN, que participou na proclamação da restauração do Estado ucraniano em Lviv, a 30 de junho de 1941.

Em 1957, Lev Rebet (1912-1957), um judeu ucraniano e líder da ala «liberal» da OUN, foi morto pelo agente do KGB Bohdan Stashinsky (que mais tarde assassinou Stepan Bandera).

Ambos os ataques ocorreram em Munique segundo o mesmo cenário, utilizando o mesmo tipo de arma desenvolvida num laboratório especial do KGB. Entre dois locais fatais uma distância de uma caminhada de cerca de 25 minutos.

Bohdan Stashinsky, tal como as suas vítimas, era ucraniano nascido na Galiza. Pelo assassinato do Rebet, o KGB ofereceu ao Stashinsky uma câmara fotográfica «Kontaks», pelo assassinato do Bandera - a Ordem da Bandeira Vermelha.

A 12 de outubro de 1957, Stashinsky entrou na Karlsplatz 8, subiu um piso e parou no patamar, segurando nervosamente um jornal na mão.

Passado algum tempo, Lev Rebet, o professor da Universidade Ucraniana Livre, teórico do nacionalismo democrático ucraniano e líder da sua ala liberal, que se separou da ala revolucionária da OUN, chegou à redação do jornal «Independentista Ucraniano», onde era editor.

«Independentista Ucraniano»

Em 1954, como resultado de um conflito aberto com Stepan Bandera; Lev Rebet e Zynoviy Matla anunciaram a criação de novos órgãos executivos das Unidades Estrangeiras da OUN (ZCh OUN), que seriam liderados «pela dupla» - por isso, os membros desta ala foram chamados em ucraniano de «dviykari».

Rebet, em particular, estava se opondo à ideia de «Ucrânia aos ucranianos», defendida por Bandera e Stetsko, acusando-os de «adesão ao totalitarismo e ao autoritarismo». Logo de seguida os «dviykari» realizaram uma conferência na qual legitimaram a nova organização - OUN (Z), isto é, «no estrangeiro». KGB, que apostava fortemente no fomento de conflitos e inimizades entre os ucranianos da Diáspora, decidiu o assassinato do líder liberal, muito provavelmente, exatamente para acusar OUN (R) do Bandera do cometimento deste crime.

Subindo rapidamente as escadas, Rebet mal prestou atenção ao homem desconhecido que descia na sua direção. E mal teve tempo de compreender porque é que as escadas começaram subitamente a girar rapidamente sob os seus pés.

Lev Rebet com a sua família em Munique. Uma das últimas fotos.
Foto: uahistory.com

Um momento depois, o estranho saiu e dirigiu-se para um hotel próximo. Lev Rebet foi deixado caído na escada. Os médicos de serviço que chegaram, confirmaram a morte natural: não havia motivos para duvidar do que o homem forte, de 45 anos, tivesse morrido de insuficiência cardíaca. Ninguém prestou atenção aos microscópicos pedaços de vidro que lhe brilhavam no rosto.

Quando, dois anos e três dias depois, a história se repetiu com precisão na casa da Kreutzmeierstrasse 7 e os médicos declararam Stepan Popel morto (sob essa identidade vivia o líder da OUN(R), Stepan Bandera), não devia ficar um único pedaço de vidro no rosto do assassinado.

Nessa altura, os laboratórios do KGB já tinham aperfeiçoado a arma: entre a ampola com cianeto de potássio e o cano da zarabatana, agora de cano duplo, que pulverizava com força o veneno mortal, foi instalada uma malha de metal para evitar que os estilhaços voassem.

Arma do KGB que matou Stepan Bandera

Mas como o assassino disparou muito perto da cara da vítima, ou porque Bandera consegui reagir, no último momento virando a face, havia marcas na cara de Bandera, e desta vez os médicos alemães conseguiram detectar o cianeto de potássio. No entanto, a polícia nunca descobriu exatamente como e com a ajuda de que o gás mortal entrou no corpo do assassinado.

Dois anos depois, em 1961, uma bomba informativa explodiu na Alemanha: tendo fugido da União Soviética através da RDA para Berlim Ocidental, Bohdan Stashinsky dirigiu-se à polícia e declarou que tinha morto duas figuras proeminentes do movimento nacionalista ucraniano. Lev Rebet foi a primeira pessoa em quem esta engrenagem da implacável máquina soviética testou o seu propósito.

domingo, abril 06, 2025

Ucrânia revela os nomes dos mercenários do Cazaquistão

Projeto ucraniano “Eu Quero Viver” iniciou uma série de publicações sobre mercenários estrangeiros, que servem nas fileiras do exército russo. O primeiro país à ser analisado é a República do Cazaquistão. 

As autoridades russas têm vindo a recrutar ativamente mercenários para a guerra contra Ucrânia desde o primeiro trimestre de 2023. Foi o resultado direto das enormes perdas sofridas pelo exército russo no primeiro ano da invasão, que não puderam ser compensadas através da simples mobilização. Os primeiros alvos dos recrutadores russos foram cidadãos do chamado “estrangeiro próximo” – países da Ásia Central: Uzbequistão, Cazaquistão, Tajiquistão, Quirguistão.

Faça click para consultar a lista completa

O processo de recrutamento de cidadãos da Ásia Central para o exército russo é realizado, através de três vias principais: engano, promessas de pagamentos elevados ou coersão. Alguns recebem ofertas de emprego como seguranças, outros recebem promessas de elevadas recompensas monetárias sob a forma de um salário mensal e cidadania russa, e outros são coagidos e ameaçados de prisão ou deportação. O resultado é igual para todos. 

Mercenário do Cazaquistão Shyngys Seipiev (1998) é um dos últimos “wagneleiros da primeira vaga” em cativeiro ucraniano:


Shyngys cometeu um crime na rússia e diz que foi à guerra para limpar o seu registo criminal e regressar para a sua terra natal, o Cazaquistão. Foi recrutado pela EMP Wagner da cadeia russa, onde esteve a cumprir uma pena de 8 anos, na Colónia Penal Nº 2 de Tyumen. 

Dois meses após à sua saída da prisão, no decorrer de combates nos arredores de Bakhmut, Shyngys foi capturado pelas FAU. Na Ucrânia foi condenado novamente. Em maio de 2023, o tribunal ucraniano condenou-o aos 9 anos de prisão por mercenarismo. Tentando limpar a sua biografia à custa das vidas dos ucranianos, Shyngys só piorou a situação. Pelo terceiro ano consecutivo espera que os russos se lembrem dele. Mas o Ministério da Defesa russo não está a colocar os cazaques na lista de troca. Mas caso for trocado, será enviado de volta para a frente de combate ou enfrentará julgamento no Cazaquistão por mercenarismo ou por participar num conflito armado no território de outro estado. 

Das suas fontes no comando do exército russo, Ucrânia recebeu uma lista de cidadãos do Cazaquistão que estão a combater ou combateram a Ucrânia. De acordo com os dados, pelo menos 78 dos 661 mercenários morreram até ao final de 2024. Estes são apenas aqueles para os quais existem as informações precisas sobre a data da morte e o local do enterro. Alguns dados não confirmados apontam que até outubro de 2024 mais de 3.000 cazaques étnicos e naturais do Cazaquistão (cidadãos russos e do Cazaquistão) foram mortos na Ucrânia. 

Com base nas estatísticas, a vida média de um mercenário, desde a assinatura de um contrato até à morte, é de 130 dias. O período mais curto é de 9 dias. Se os russos não valorizam os seus próprios soldados, o que podemos dizer dos “não russos” que estão habituados a humilhar na vida civil? Portanto, viajar até ao outro lado do mundo, tendo acreditado em promessas de elevados pagamentos ou da cidadania russa, apenas para ser enviado ao ataque suicída por um comandante russo para invadir algum local geográfico da Ucrânia é, para dizer o mínimo, estúpido. 

Gostaríamos de realçar que o mercenarismo é uma infração criminal na República do Cazaquistão. Aqueles que têm a sorte de sobreviver nas fileiras do exército russo correm o risco de receber uma pena de 12 a 17 anos com confisco de bens quando regressam a casa. Felizmente, o Cazaquistão segue a sua própria legislação, e os mercenários envolvidos na tentativa de ocupação da Ucrânia são regularmente presos e condenados. Naturalmente, Ucrânia fará todos os esforços para responsabilizar criminalmente os cidadãos de países terceiros que vieram à Ucrânia para matar os ucranianos e destruir os seus lares. 

A publicação da lista de mercenários do Cazaquistão no exército russo, recrutados para a guerra contra Ucrânia, causou uma ressonância significativa nos meios de comunicação social do Cazaquistão. O projeto “Eu Quero Viver” recebeu inúmeros pedidos de comentários sobre este tema por parte de jornalistas, cidadãos e representantes oficiais da República. 

A publicação, aparentemente, foi uma surpresa para as autoridades cazaques. Por exemplo, o vice-ministro do Interior, Igor Lepekha, declarou a necessidade de “verificar a informação”. Aidos Sarym, deputado da Majilis (câmara baixa do parlamento), reconheceu a existência de um mecanismo para envolver os cidadãos do país na guerra do lado russo e que a questão “deve ser abordada especificamente”. O deputado Aidos Sarym lembrou ainda que, de acordo com a legislação cazaque, os “voluntários” serão responsabilizados se regressarem ao país. Porque a lei proíbe estritamente a adesão a estruturas militares estrangeiras.

Os três jovens cazaques que lutaram no exército russo na guerra contra Ucrânia e que foram capturados. Todos os três assinaram o contrato voluntariamente. Infelizmente, não há nada de surpreendente nisto – estes são os resultados do impacto da propaganda russa e da expansão gradual da federação russa em todas as esferas possíveis da vida dos seus vizinhos. 

De esquerda para direita: o primeiro nasceu no Cazaquistão, mas no «enclave» russo de Baykonur, o segundo é cazaque étnico, mas nasceu na rússia, e último nasceu no Cazaquistão. Apenas um, o último, disse que no caso de uma agressão russa ele iria defender Cazaquistão, quando os três foram perguntados sobre a sua lealdade nacional.

Blogueiro

Nas décadas de 1940-1950, durante diversas ondas das repressões estalinistas, o Cazaquistão, foi o destino, de diversas levas de deportações soviéticas, recebendo as populações ucranianas, polacas, lituanas ou tártaros da Crimeia. Casaquistão também abrigava diversos campos de concentração soviéticos do sistema de GULAG, nomeadamente o famigerado ALZHIR, onde eram presas as mulheres e crianças, cuja única «culpa» consistia em serem «membros da famíla do inimigo do povo». Na dita «primavera de Khruschev», nas décadas de 1960-1970, Cazaquistão foi o destino de jovens idealistas soviéticos, que trabalhavam na indústria espacial soviética ou nos projetos agrícolas, magalomaníacos e bastante desastrosos. 

Devido à estes fatores, hoje em dia Cazaquistão possui importantes diásporas europeias, compostos por descendentes daqueles, que pararam no país, em vários momentos do século XX, muitas vezes contra a sua vontade, mas acabando por escolher essa terra como a sua segunda pátria.

sábado, abril 05, 2025

Yulia Latynina: a porta-voz liberal do neofascismo russo

A jornalista liberal russa, apoiante convicta do apartheid e crítica ferrenha das descolonizações, Yulia Latynina, publicou um texto programático em que estabelece os paralelos entre as ações da Alemanha de Hitler e da rússia de putin, justificando ambas. 

«Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi declarada como a sua perpetuadora culpada, Áustria foi desmembrada. Os novos países jovens da Europa de Leste, com a aprovação dos vencedores, mergulharam no nazismo local.»

«O nazismo na Europa não começou na Alemanha. Começou com estes pequenos Estados. O nazismo alemão foi uma contra-reacção.»

«Tomáš Masaryk jurou ao Wilson em Versalhes que iria construir uma nova Suíça, mas em vez disso construiu Ruanda. Não é de estranhar que os alemães dos Sudetas quisessem fazer parte da Alemanha e apoiassem Hitler.» 

Estas são algumas citações de um novo artigo da jornalista russa Yulia Latynina, considerada uma oposicionista do atual regime russo, que vive na UE (aparentemente no Chipre) e que costuma ser publicada em todos os meios de comunicação social russos, livres e liberais (neste caso o texto foi de tão forma tóxico, que aparentemente, as publicações liberais russas o rejeitaram).

A ideia principal do artigo é estabelecer o paralelo entre as ações da Alemanha de Hitler e da rússia de putin, justificando ambas.

Diz o texto que os malditos países da Europa de Leste simplesmente obrigaram Hitler a atacá-los, que eram tão nazis como os hitleristas, só que piores, e que tiveram o que mereciam. Ucrânia, consequentemente, também forçou putin à atacá-la. O próprio putin fala sobre isso o tempo inteiro, repetindo como um mantra: «fomos forçados». No texto Latynina simplesmente amplifica este tipo do discurso de uma forma mais detalhada. 

A mais descabida, de todas, foi a comparação da Checoslováquia com Ruanda – um país onde até 1 milhão de pessoas foi massacrado em cerca de 4 meses. A estrela do jornalismo liberal russo afirma, com toda a seriedade, que o mesmo aconteceu com os alemães dos Sudetas na Checoslováquia nas décadas de 1930-40. 

Como convém à uma boa propagandista, Latynina usa alguma base fatual, embora constantemente troca o horisonte temporal, passando consequências pelas origens. Por exemplo,em 1945, e já após o fim da II Guerra Mundial, Checoslováquia adoptou o chamado «decreto Beneš», que ordenou a expulsão de 2,5 milhões de alemães étnicos do país. O decreto despojava os alemães das suas propriedades e expulsaram-nos pelo seu apoio à anexação da área dos Sudetas por Hitler no período que antecedeu a II G.M. Estima-se que cerca de 25.000 a 30.000 pessoas, na sua maioria alemães étnicos, morreram durante as expulsões. Ao mesmo tempo, estima-se que 75.000 checos tenham morrido em campos de concentração e de trabalho forçado sob o domínio nazi. Além disso, cerca de 300.000 judeus checos foram levados para os campos de extermínio nazi. 

Mas sete anos antes, nas vésperas da anexação dos Sudetas pela Alemanha nazi, em setembro de 1938, aconteceu a revolta alemã dos Sudetas, uma rebelião armada dos alemães étnicos dos Sudetas contra as autoridades checoslovacas na Sudetenlândia, apoiada por uma acção organizada orquestrada pelo Partido Alemão dos Sudetas (SdP), presidido por Konrad Henlein. A rebelião resultou em cerca de 200 KIA, WIA e MIA do lado alemão e 110 mortos e 2.029 capturados do lado das forças checoeslovacas. 

Os alemães étnicos à atacar e capturar as forças checoeslovacas
no decorrer da revolta dos Sudetas, setembro de 1938

A conclusão à que Latynina chega é que a rússia não deve se arrepender, nem ser responsabilizada pela invasão da Ucrânia. A jornalista russa argumenta, que à título de comparação, enquanto os veteranos da Wehrmacht estiveram vivos, eles não se arrependeram dos seus atos do passado e foram capazes de fazer renascer uma Alemanha forte. Em contrapartida, a actual geração de alemães foi ensinada à arrepender-se – e agora a Alemanha vive os graves problemas económicos. 

Por essa, e por muitas outras, que os ucranianos rejeitam constantemente algumas tentativas ocidentais de impor a «pacificação obrigatória» nas relações da Diáspora ucraniana com as comunidades emigrantes russas. No entanto, os ucranianos simplesmente não percebem a pertinência de quaisquer coolaboração com os «outros putin». Pois, como mais de 100 anos atrás dizia o escritor, político e estadista ucraniano, de tendências socialistas, Volodymyr Vinnychenko: «O democrata russo termina onde começa a questão ucraniana». 

Ataque russo ao Kryviy Rih mata e fere os civis ucranianos

Um míssil russo atingiu a cidade de Kryviy Rih, atingindo diretamente uma rua numa zona com edifícios residenciais. Relatos preliminares sugerem que se tratou de um ataque com míssil balístico. Foram confirmadas 19 mortes, incluindo nove crianças, mais de 56 pessoas foram feridas.


Timofiy, menino de 3,5 anos, no vídeo em baixo. Morreu...

«A operação de resgate está em curso e pelo menos cinco edifícios de habitação foram danificados. As minhas condolências às famílias e entes queridos», - escreveu o Presidente Volodymyr Zelensky.








Os ataques russos ocorrem todos os dias. As pessoas morrem todos os dias. Há apenas uma razão para que isto continue: a rússia não quer um cessar-fogo, e nós vemos isso. Todo o mundo vê isso. Cada míssil, cada drone de ataque prova que a rússia procura apenas a guerra. Só a pressão do mundo sobre a rússia, todos os esforços para fortalecer a Ucrânia, a sua defesa aérea e as suas forças armadas podem determinar quando a guerra terminará.

Uma mãe junto ao corpo do seu filho de 15 anos...

Os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo têm a capacidade de obrigar a rússia a abandonar o terror e a guerra. E isso deve ser garantido: a paz é necessária.

Visão russa: «Se não vamos bombardear as maternidades, escolas,
casas normais não iremos ganhar essa guerra», 2022

Visão russa: «Mais uma vez, quero lá saber de todas as crianças ucras, civis.
Eu, em geral, queimaria toda (termo pejorativo) Ucrânia», abril, 2025