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Jovens namorados Danylo Nikitsky e Alina Kusenko, mortos em Kryviy Rih por um míssil russo |
Nas décadas de 1960-70, os intelectuais europeus procuravam, desesperados, o «socialismo com a face humana». Hoje, os mesmos intelectuais procuram o «bom russo», imperialista com a face humana. Vladimir Kara-Murza é um bom exemplo disso.
O liberal moscovita, dissidente do atual regime neofascista russo, Vladimir Kara-Murza sofreu, no passado, dois envenenamentos, em 2015 e 2017, possivelemte orquestrados pelo FSB e em 2023 foi condenado aos 25 anos por acusações de traição, segundo a «lei das fake news» e a colaboração com uma «organização indesejável». Em 2024 libertado, na troca dos prisioneiros, entre EUA e a rússia, em que vários opositores liberais russos foram trocados pelos espiões e até assassinos profissionais ao serviço do Kremlin, detidos nos EUA e em alguns países europeus, como Alemanhã e Polónia.
Muito recentemente, Vladimir Kara-Murza, falava no Senado francês, na Comissão dos Assuntos Europeus, onde senador Claude Malhuret colocou-lhe a seguinte questão: hoje, a maioria das tropas russas, para além dos criminosos condenados que foram retirados das prisões, são recrutadas entre os representantes das minorias étnicas. Consequentemente, a maioria dos militares russos mortos que regressam em caixões de zinco são enviados de volta para a Daguestão, Inguchétia, Chechénia, e assim por diante.
Qual é a situação nestas repúblicas hoje? Existe a perspectiva de uma revolta, precisamente porque o exército russo está ocupado na Ucrânia? Existe a possibilidade de uma revolta semelhante à revolta chechena da década de 1990? De uma forma mais geral, como define a posição destas minorias, destas repúblicas? Podemos falar de uma situação colonial ou é algo mais complexo a que nós, aqui em França, talvez não estejamos habituados? Temos a nossa própria história colonial, mas é algo diferente com o qual não estamos familiarizados.
Kara-Murza:
«Quanto à sua questão sobre as minorias étnicas, é absolutamente verdade que muitos militares russos na Ucrânia são oriundos destas repúblicas: do Cáucaso, do Oeste (da Ásia Central?), da Sibéria e assim por diante. As razões são mais económicas. Como dissemos, Senhora Vice-Presidente, estas são regiões muito pobres — muito mais pobres do que Moscovo e São Petersburgo, mas também mais pobres do que as regiões da rússia central.
O Ministério da Defesa russo está a oferecer muito dinheiro para as pessoas irem para esta guerra. E estas pessoas que não têm dinheiro, nem perspectivas, que não têm nada nestas regiões remotas e pobres, muitas delas concordam com este dinheiro e vão para a guerra.
Além disso, como disse ontem em Estrasburgo, na sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, conversei com um colega que trabalha arduamente com prisioneiros de guerra de ambos os lados.
Ela falou bastante com prisioneiros de guerra ucranianos que foram libertados da rússia e com prisioneiros de guerra russos que ainda estão na Ucrânia. E ela disse-me que há outra razão pela qual o Ministério da Defesa russo atrai tantos representantes de minorias étnicas: porque, como se vê, é psicologicamente muito difícil para os russos matarem os ucranianos. Porque somos o mesmo /povo/. São povos muito próximos, como todos sabem. Temos quase a mesma língua, a mesma religião, séculos de história comum. /Momento 6.41-7.00/
Mas se for alguém de outra cultura, supostamente é mais fácil. Foi o que este colega me disse ontem. Eu não tinha pensado nisso antes. Pareceu-me que as razões eram sobretudo económicas. Mas depois das palavras dela, comecei a pensar também sobre o assunto.
E, como disseste, também há muito mais vítimas de guerra entre estes povos. Os caixões estão a regressar. Vemos que nestes caixões está escrito: sim, como disseste – Daguestão, Chechénia. Mas a Chechénia é uma história diferente. O regime de Kadyrov na Chechénia, na minha opinião, é a pior parte do regime de Putin. Nem consigo encontrar palavras para descrever o que se está a passar na Chechénia.
Mas mesmo noutras regiões do Cáucaso — na Inguchétia e no Daguestão, bem como no Extremo Oriente russo, em regiões como a Buriácia, por exemplo, e a Iacútia — muitos militares vêm de facto de lá.
E, claro, sabemos que cada vez mais soldados estrangeiros estão a aparecer agora. Coreia do Norte, mas provavelmente viu as notícias de ontem sobre a detenção de soldados chineses por ucranianos. Os soldados chineses que estavam com o exército russo na Ucrânia estão contra a Ucrânia.
E, de facto, isto também é indicativo: o facto de Putin ter agora de procurar soldados fora do país. Verificamos que o Ministério da Defesa russo é forçado a aumentar constantemente os montantes dos pagamentos às pessoas que participam na guerra. Diz-me que não há pessoas suficientes dispostas a fazê-lo.”
Mais uma vez, os liberais russos transmitem, no Ocidente, a ideia de que os bons meninos russos não querem combater, nem querem matar. Que a culpa é sempre daqeles prEtos, de olhos puxados e almas gananciosas, aqueles pretos maus, malignos e sanguinários, que tanto a rússia gosta de usar ao proveito próprio, mas assim que estes mesmos nativos começam à falar de sua autodeterminação, manda lá os seus os bons meninos russos para retalhar, fuzilar, aprisionar, torturar e subjugar…
A literal coincidência com a retórica de putin sobre “o mesmo povo” não incomoda o combatente imperial contra o putinismo pelo mesmo império russo. Por essa lógica, o seu próprio apelido tártaro, torna Kara-Murza psicologicamente mais adequado para matar os ucranianos?