quinta-feira, abril 10, 2025

Papelaria nas operações da «bandeira falsa» do KGB

Imagem ilustrativa: ID do KGB da Ucrânia Soviética

Nas tarefas constantes do KGB constavam as operações clandestinas no Ocidente, nomeadamente a luta permanente contra a emigração ucraniana. Moscovo empregava desde os assassinatos até o fomento de conflitos entre os diversos grupos e correntes políticos da Diáspora ucraniana. 

Estamos em 1971, em plena Guerra Fria. KGB da Ucrânia soviética está preocupado com a compra de uma copiadora, papel e envelopes ocidentais para as suas necessidades operativas.

No decorrer das tarefas constantes, KGB organizava várias operações clandestinas no Ocidente, nomeadamente na luta permanente contra a emigração política ucraniana. Moscovo empregava diversos tipos de ações: desde os assassinatos até o fomento de conflitos entre os diversos grupos e correntes políticos da Diáspora ucraniana.

Para tal, os chekistas precisavam de imprimir e distribuir os folhetos/brochuras em nome de outrem, pretendendo se passar por determinadas organizações da Diáspora, para fomentar a divisão nos opositores do regime soviético. Só que o papel de escrever e as máqinas de fotocópias soviéticas bastante rudimentares, não eram adequados para essas tarefas. Quer pela sua má qualidade, quer pelas diferenças tecnológicas, que os fariam facilmente detectáveis. 

Assim, no documento datado de 27 de julho de 1971, e dirigido ao vice-chefe do 12º Departamento da Primeira Direção principal do KGB da URSS, em Moscovo, solicita-se a compra, no Berlim Ocidental, de uma copiadora e 5.000 folhas de papel, de fabrico ocidental /«não cara e sem as marcas de água»/. No mesmo documento explica-se que KGB da Ucrânia soviética prepara uma operação da «bandeira falsa», querendo fabricar um panfleto, em nome da OUN-solidaristas (o nome usado pela ala histórica da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, a OUN-M).

Além disso, o chefe da 1ª Direção do KGB da Ucrânia soviética, coronel Timofeev, solicita a compra de:

  • Papel de datilografar fabricado nos EUA: 3.000 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 19x14: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 17,5x12: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado nos EUA, tamanho 26,5x19: 500 folhas
  • Papel de datilografar fabricado no Canadá: 1.000 folhas
  • Envelopes fabricados no Canadá: 500 unidades
  • Papel de datilografar fabricado na Inglaterra: 1.000 folhas
  • Envelopes fabricados na Inglaterra: 500 unidades

Dado que a compra deste tipo de «produtos estratégicos» não pode ser confiada à quaisquer pessoa, o camarada Timofeev faz a sugestão: os compradores podem ser dois ex-oficiais da 1ª Direção do KGB da Ucrânia soviética, anteriormente transferidos de Kyiv à Alemanha socialista, passando pelos funcionários soviéticos civis. Nomeadamente, o tenente-coronel Pakhomov, que se faz passar por jornalista da agência noticiosa soviética TASS e major Bezugly, alegado representante do Comité Soviético para as Relações Culturais com os Compatriotas no Estrangeiro. 

Num caso relacionado, KGB informava, que numa outra operação da «bandeira falsa», compôs um panfleto e depois produziu e enviou 244 cópias (4 foram enviadas ao Brasil), onde em nome da ala revolucionária da OUN, a OUN(B), acusava Mykola Lebed (UHVR) e Oleh Sztul (OUN-M) de colaboração com os serviços secretos americanos. Usando para tal os envelopes fabricados na Alemanha Federal e uma máquina de escrever IBM.


Fonte: Arquivo Estatal Setorial do SZRU, via historiador Eduard Andrusenko

Muito possivelmente o panfleto em questão, fabricado pelo KGB

Tendo em conta, que os métodos das secretas russas (GRU, FSB e SVR) não diferem muito dos métodos do KGB, importa se lembrar que, por exemplo, hoje muitas das funções, oficiais e naturalmente clandestinas, no Ocidente, são executadas pela Rossotrudnichestvo, oficialmente, a agência federal de promoção das relações internacionais, a cultura e a cooperação humanitária da rússia. Naturalmente, os espiões russos já não compram os produtos da papelaria no Ocidente, compram outros meios, por exemplo, as consciências dos certos ex-militares portugueses, que, mau menor, ao menos já estão na reserva...

A censura comunista ao filme «Terra» de Oleksandr Dovzhenko

A 8 de abril de 1930, foi lançado na Ucrânia soviética, o filme «Terra» (Zemlya) do realizador ucraniano Oleksandr Dovzhenko. Passados ​​apenas 9 dias, o filme foi retirado dos cinemas pela censura comunista, acusado de «naturalismo e atentado aos costumes».

Do ponto de vista político, o filme seguia a linha ideológica comunista. Mesmo assim, os ideólogos soviéticos consideraram que a película fugia dos canones exigidos ao «realismo socialista» e por isso, foi retirado das exibições públicas. 

O enredo da estória é construído em torno do conflito entre os camponeses ucranianos pobres que apoiam a coletivização soviética e aqueles que a resistem. No centro está a história de um jovem, Vasyl, que regressa da cidade para a aldeia, sonha com uma nova vida, mas morre às mãos de um camponês abastado, o kurkul/kulak. O final do filme — uma imagem poética de um funeral numa aldeia — tornou-se uma cena marcante na história do cinema.

O «Terra» destacou-se entre os filmes soviéticos pelo seu esteticismo, atenção ao ritmo, composição e simbolismo. Foi criticado na URSS devido ao «formalismo», e o próprio Dovzhenko viu-se sob pressão durante anos. Ao mesmo tempo, o filme recebeu reconhecimento no Ocidente — em particular, em França, na Alemanha e nos Estados Unidos — e teve um impacto significativo no desenvolvimento do cinema poético. Na União Soviética o filme foi «reabilitado» somente em 1958, após um sucesso internacional em Bruxelas, onde foi incluído na lista dos 12 melhores filmes da história do cinema mundial pelo Festival de Cinema de Bruxelas.

Ver aqui com a música de Alexander Popov encomendada pelo estúdio alemão ZDF:

quarta-feira, abril 09, 2025

A história da vida íntima e sexual da União Soviética

O historiador Rustam Alexander publicou o livro “Havia sexo. A vida íntima da União Soviética” dedicado à atitude do regime comunista em relação ao sexo e abrange o período de 1920, quando os abortos foram legalizados no país, até à revolução sexual da era da Perestroika. 

Os trabalhadores soviéticos da década de 1920 falam sobre sonhos molhados. Os mineiros da década de 1960 estavam interessados no patting. As moças de Arkhangelsk são julgadas por casos com estrangeiros aliados na década de 1940. O Festival da Juventude e dos Estudantes de Moscovo tornou-se a revolução sexual local. Com base em materiais de arquivo, memórias e registos médicos, o historiador criou um quadro abrangente da vida sexual da URSS. O que une todas as histórias é um tema comum sobre como a proibição do aborto, a falta de educação sexual e a imposição do puritanismo hipócrita levam ao aumento da ignorância, da violência e da mortalidade. E como é que as pessoas encontram coragem dentro de um sistema totalitário para pedir a liberalização das leis, a educação sexual e as conversas abertas sobre sexualidade? 

Na sua investigação, o autor chega à conclusão de que apenas a década de 1920 e o final da década de 1980 podem ser vistas como um período relativamente liberal em termos de liberdade sexual na URSS. Se na Rússia soviética, durante o período de NEP, os jornalistas podiam escrever: “A masturbação é uma coisa fascinante e útil (eu sei por experiência própria)”, e as pessoas nuas podiam manifestar-se no centro de Moscovo/ou, então já em 1929 tudo mudou drasticamente. Os livros sobre sexo foram proibidos, o assunto deixou de ser discutido publicamente e, pouco depois, o aborto foi proibido e os direitos dos cidadãos ao divórcio foram restringidos. O sexo, claro, não desapareceu, mas os cidadãos soviéticos já não eram aconselhados a falar sobre esta “estupidez indecente”. 

Sociedade «Abaixo a Vergonha!» 

Um movimento nudista radical na URSS que esteve ativo em 1924-1925. Existia sobretudo em Moscovo, embora haja informações sobre as ações da sociedade noutras cidades, em particular na capital da Ucrânia Soviética, cidade de Kharkiv. Os membros da sociedade andavam completamente nús ou usavam apenas uma fita sobre os ombros com a inscrição “Abaixo a vergonha!” Desta forma, protestavam contra a hipocrisia “burguesa” e exigiam que se tirasse a roupa em prol da libertação do espírito. 

Cartoon «Propaganda nua» (parcial) da
sociedade «Abaixo à vergonha!», 1924

A primeira surpresa do livro é que tanto as autoridades que estudaram utilizando manuais soviéticos como os profissionais da área de saúde (incluindo as mulheres) se manifestaram contra a educação sexual e a favor da proibição do aborto. Mas as forças de segurança (principalmente a polícia) quando se tratava de relações heteronormativas, paradoxalmente tratavam o tema sexual de uma forma muito mais branda. Estavam relutantes em processar os médicos que realizavam abortos ilegais e os seus clientes, o que irritava o Ministério da Saúde. A segunda surpresa é o número de especialistas que tentaram combater a aura de tabu. Havia muitos deles. Inspirados pela investigação de Alfred Kinsey nos Estados Unidos, os sexólogos soviéticos tentaram, desde a década de 1960, abalar a norma de silêncio em torno deste tema. 

Entre os especialistas com visões condicionalmente liberais estava não só o famoso sexólogo Igor Kon, mas também o seu aluno Sergei Golod, que em 1968 estudou as relações sexuais entre jovens (devido à censura, a obra nunca foi publicada). O sexólogo Ilya Popov, da cidade cazaque de Temirtau, estudou as preferências dos operarios locais, descobriu que, mesmo neste ambiente, estes estavam ativamente interessados em temas como patting/carícias e sexo oral, e ficaram perplexos por não haver discussão sobre isso na imprensa soviética. A investigação de Popov, claro, também não teve permissão para ser publicada. Mas em 1962, a jornalista Evgenia Rozanova conseguiu ser publicada, descrevendo no seu artigo para o jornal bastante popular “Jovem Comunista” casos de abusos sexuais aos adolescentes em Kuibyshev (atual Samara). A autora chegou à conclusão de que uma das razões dos crimes é a falta de educação sexual. Mas o seu trabalho publicado não gerou uma discussão alargada.

Capa da revista infantil soviética «Murzilka», 1928

O silêncio geral sobre o “problema sexual” e as leis proibitivas levaram as consequências catastróficas. Alexander descreve na sua obra a epidemia de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens soviéticos, mesmo antes do surgimento de HIV-SIDA/AIDS. O historiador aborda ainda casos em que mulheres soviéticas morriam em consequência de abortos ilegais. Também a violência — naquela época não existia o conceito de consentimento sexual ativo, pelo que a violência muitas vezes nem sequer podia ser reconhecida. Mais tarde, a Primavera de Khruschev enfraqueceu a legislação punitiva de Estaline, mas não alterou verdadeiramente as atitudes em relação ao corpo das mulheres e ao direito de escolha. 

Apesar da vastidão do tema, Alexander consegue prestar atenção a cada questão: como era organizado a prostituição soviética, como as mulheres soviéticas escondiam as suas relações com os estrangeiros, como as atitudes em relação ao sexo foram influenciadas pelo turismo durante o Festival Mundial da Juventude de 1957, como o tabu de falar sobre relações desapareceu durante o período da Glasnost – e como a russia atual restaurou o conservadorismo soviético. 

6º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes 

O Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, em 1957, realizado em Moscovo/ou, tornou-se um dos símbolos mais marcantes do degelo de Khruschev e o primeiro contacto em massa da juventude soviética com estrangeiros após muitas décadas de isolamento. Mais de 30 mil pessoas de 131 países participaram no festival. O evento não só contribuiu para a propaganda internacional do socialismo, como também deu impulso às mudanças culturais dentro da URSS, despertando nos jovens o interesse pela liberdade e por novas ideias face à censura persistente e ao controlo/e ideológico. 

Imagem: Sovietpostcards

O tema do género perpassa todos os capítulos. As mulheres foram as primeiras a sofrer com as proibições sexuais rigorosas, enquanto os benefícios das liberdades que antes existiam eram maioritariamente usufruídos pelos homens. Por exemplo, na década de 1920, o sexo casual sem consequências era uma prática comum para os homens, mas as mulheres podiam ser acusadas de promiscuidade, despedidas do serviço ou expulsas da Universidade por tais relações. Apesar da conversa sobre um “copo de água”, o estigma social e os padrões duplos determinam há décadas quem pode exercer a liberdade sexual e como. 

A teoria do «copo de água» 

Uma ideia radical de liberdade sexual, popular nos primeiros anos após a revolução bolchevique, sobretudo entre os jovens. De acordo com esta teoria, satisfazer o desejo sexual deve ser tão simples e isento de complicações morais como beber um copo de água. Foi atribuído a Alexandra Kollontai e aos defensores da “moralidade proletária”, embora a própria Kollontai se tenha afastado mais tarde das interpretações demasiado vulgares. A teoria causou um debate aceso e foi rapidamente condenada pela parte mais conservadora da liderança do PCUS. 

Questão do género: «Cada jovem comunista é obrigada
corresponder ao desejo dele senão ela é pequena burguesa»

O ponto de partida para o relato sobre o sexo no período soviético é a famosa citação de Lyudmila Ivanova, participante na teleconferência Leninegrado-Boston de 1986, que declarou: «Não há sexo na URSS, só temos amor». O livro termina com este mesmo episódio. A primeira parte da frase, que se tornou um meme, mostra eloquentemente os resultados da luta do governo soviético contra a discussão sobre o sexo. Os resultados desta luta ainda hoje se fazem sentir, mesmo se deixarmos de lado as tentativas modernas do Estado russo de se apropriar da vida privada dos seus cidadãos.

segunda-feira, abril 07, 2025

Lev Rebet: o ideólogo e líder liberal do nacionalismo ucraniano

Foto: Lev Rebet no campo de concentração de Auschwitz

No dia 3 de março, assinalaram-se 113 anos do nascimento de Lev Rebet, um dos líderes da OUN, que participou na proclamação da restauração do Estado ucraniano em Lviv, a 30 de junho de 1941.

Em 1957, Lev Rebet (1912-1957), um judeu ucraniano e líder da ala «liberal» da OUN, foi morto pelo agente do KGB Bohdan Stashinsky (que mais tarde assassinou Stepan Bandera).

Ambos os ataques ocorreram em Munique segundo o mesmo cenário, utilizando o mesmo tipo de arma desenvolvida num laboratório especial do KGB. Entre dois locais fatais uma distância de uma caminhada de cerca de 25 minutos.

Bohdan Stashinsky, tal como as suas vítimas, era ucraniano nascido na Galiza. Pelo assassinato do Rebet, o KGB ofereceu ao Stashinsky uma câmara fotográfica «Kontaks», pelo assassinato do Bandera - a Ordem da Bandeira Vermelha.

A 12 de outubro de 1957, Stashinsky entrou na Karlsplatz 8, subiu um piso e parou no patamar, segurando nervosamente um jornal na mão.

Passado algum tempo, Lev Rebet, o professor da Universidade Ucraniana Livre, teórico do nacionalismo democrático ucraniano e líder da sua ala liberal, que se separou da ala revolucionária da OUN, chegou à redação do jornal «Independentista Ucraniano», onde era editor.

«Independentista Ucraniano»

Em 1954, como resultado de um conflito aberto com Stepan Bandera; Lev Rebet e Zynoviy Matla anunciaram a criação de novos órgãos executivos das Unidades Estrangeiras da OUN (ZCh OUN), que seriam liderados «pela dupla» - por isso, os membros desta ala foram chamados em ucraniano de «dviykari».

Rebet, em particular, estava se opondo à ideia de «Ucrânia aos ucranianos», defendida por Bandera e Stetsko, acusando-os de «adesão ao totalitarismo e ao autoritarismo». Logo de seguida os «dviykari» realizaram uma conferência na qual legitimaram a nova organização - OUN (Z), isto é, «no estrangeiro». KGB, que apostava fortemente no fomento de conflitos e inimizades entre os ucranianos da Diáspora, decidiu o assassinato do líder liberal, muito provavelmente, exatamente para acusar OUN (R) do Bandera do cometimento deste crime.

Subindo rapidamente as escadas, Rebet mal prestou atenção ao homem desconhecido que descia na sua direção. E mal teve tempo de compreender porque é que as escadas começaram subitamente a girar rapidamente sob os seus pés.

Lev Rebet com a sua família em Munique. Uma das últimas fotos.
Foto: uahistory.com

Um momento depois, o estranho saiu e dirigiu-se para um hotel próximo. Lev Rebet foi deixado caído na escada. Os médicos de serviço que chegaram, confirmaram a morte natural: não havia motivos para duvidar do que o homem forte, de 45 anos, tivesse morrido de insuficiência cardíaca. Ninguém prestou atenção aos microscópicos pedaços de vidro que lhe brilhavam no rosto.

Quando, dois anos e três dias depois, a história se repetiu com precisão na casa da Kreutzmeierstrasse 7 e os médicos declararam Stepan Popel morto (sob essa identidade vivia o líder da OUN(R), Stepan Bandera), não devia ficar um único pedaço de vidro no rosto do assassinado.

Nessa altura, os laboratórios do KGB já tinham aperfeiçoado a arma: entre a ampola com cianeto de potássio e o cano da zarabatana, agora de cano duplo, que pulverizava com força o veneno mortal, foi instalada uma malha de metal para evitar que os estilhaços voassem.

Arma do KGB que matou Stepan Bandera

Mas como o assassino disparou muito perto da cara da vítima, ou porque Bandera consegui reagir, no último momento virando a face, havia marcas na cara de Bandera, e desta vez os médicos alemães conseguiram detectar o cianeto de potássio. No entanto, a polícia nunca descobriu exatamente como e com a ajuda de que o gás mortal entrou no corpo do assassinado.

Dois anos depois, em 1961, uma bomba informativa explodiu na Alemanha: tendo fugido da União Soviética através da RDA para Berlim Ocidental, Bohdan Stashinsky dirigiu-se à polícia e declarou que tinha morto duas figuras proeminentes do movimento nacionalista ucraniano. Lev Rebet foi a primeira pessoa em quem esta engrenagem da implacável máquina soviética testou o seu propósito.

domingo, abril 06, 2025

Ucrânia revela os nomes dos mercenários do Cazaquistão

Projeto ucraniano “Eu Quero Viver” iniciou uma série de publicações sobre mercenários estrangeiros, que servem nas fileiras do exército russo. O primeiro país à ser analisado é a República do Cazaquistão. 

As autoridades russas têm vindo a recrutar ativamente mercenários para a guerra contra Ucrânia desde o primeiro trimestre de 2023. Foi o resultado direto das enormes perdas sofridas pelo exército russo no primeiro ano da invasão, que não puderam ser compensadas através da simples mobilização. Os primeiros alvos dos recrutadores russos foram cidadãos do chamado “estrangeiro próximo” – países da Ásia Central: Uzbequistão, Cazaquistão, Tajiquistão, Quirguistão.

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O processo de recrutamento de cidadãos da Ásia Central para o exército russo é realizado, através de três vias principais: engano, promessas de pagamentos elevados ou coersão. Alguns recebem ofertas de emprego como seguranças, outros recebem promessas de elevadas recompensas monetárias sob a forma de um salário mensal e cidadania russa, e outros são coagidos e ameaçados de prisão ou deportação. O resultado é igual para todos. 

Mercenário do Cazaquistão Shyngys Seipiev (1998) é um dos últimos “wagneleiros da primeira vaga” em cativeiro ucraniano:


Shyngys cometeu um crime na rússia e diz que foi à guerra para limpar o seu registo criminal e regressar para a sua terra natal, o Cazaquistão. Foi recrutado pela EMP Wagner da cadeia russa, onde esteve a cumprir uma pena de 8 anos, na Colónia Penal Nº 2 de Tyumen. 

Dois meses após à sua saída da prisão, no decorrer de combates nos arredores de Bakhmut, Shyngys foi capturado pelas FAU. Na Ucrânia foi condenado novamente. Em maio de 2023, o tribunal ucraniano condenou-o aos 9 anos de prisão por mercenarismo. Tentando limpar a sua biografia à custa das vidas dos ucranianos, Shyngys só piorou a situação. Pelo terceiro ano consecutivo espera que os russos se lembrem dele. Mas o Ministério da Defesa russo não está a colocar os cazaques na lista de troca. Mas caso for trocado, será enviado de volta para a frente de combate ou enfrentará julgamento no Cazaquistão por mercenarismo ou por participar num conflito armado no território de outro estado. 

Das suas fontes no comando do exército russo, Ucrânia recebeu uma lista de cidadãos do Cazaquistão que estão a combater ou combateram a Ucrânia. De acordo com os dados, pelo menos 78 dos 661 mercenários morreram até ao final de 2024. Estes são apenas aqueles para os quais existem as informações precisas sobre a data da morte e o local do enterro. Alguns dados não confirmados apontam que até outubro de 2024 mais de 3.000 cazaques étnicos e naturais do Cazaquistão (cidadãos russos e do Cazaquistão) foram mortos na Ucrânia. 

Com base nas estatísticas, a vida média de um mercenário, desde a assinatura de um contrato até à morte, é de 130 dias. O período mais curto é de 9 dias. Se os russos não valorizam os seus próprios soldados, o que podemos dizer dos “não russos” que estão habituados a humilhar na vida civil? Portanto, viajar até ao outro lado do mundo, tendo acreditado em promessas de elevados pagamentos ou da cidadania russa, apenas para ser enviado ao ataque suicída por um comandante russo para invadir algum local geográfico da Ucrânia é, para dizer o mínimo, estúpido. 

Gostaríamos de realçar que o mercenarismo é uma infração criminal na República do Cazaquistão. Aqueles que têm a sorte de sobreviver nas fileiras do exército russo correm o risco de receber uma pena de 12 a 17 anos com confisco de bens quando regressam a casa. Felizmente, o Cazaquistão segue a sua própria legislação, e os mercenários envolvidos na tentativa de ocupação da Ucrânia são regularmente presos e condenados. Naturalmente, Ucrânia fará todos os esforços para responsabilizar criminalmente os cidadãos de países terceiros que vieram à Ucrânia para matar os ucranianos e destruir os seus lares. 

A publicação da lista de mercenários do Cazaquistão no exército russo, recrutados para a guerra contra Ucrânia, causou uma ressonância significativa nos meios de comunicação social do Cazaquistão. O projeto “Eu Quero Viver” recebeu inúmeros pedidos de comentários sobre este tema por parte de jornalistas, cidadãos e representantes oficiais da República. 

A publicação, aparentemente, foi uma surpresa para as autoridades cazaques. Por exemplo, o vice-ministro do Interior, Igor Lepekha, declarou a necessidade de “verificar a informação”. Aidos Sarym, deputado da Majilis (câmara baixa do parlamento), reconheceu a existência de um mecanismo para envolver os cidadãos do país na guerra do lado russo e que a questão “deve ser abordada especificamente”. O deputado Aidos Sarym lembrou ainda que, de acordo com a legislação cazaque, os “voluntários” serão responsabilizados se regressarem ao país. Porque a lei proíbe estritamente a adesão a estruturas militares estrangeiras.

Os três jovens cazaques que lutaram no exército russo na guerra contra Ucrânia e que foram capturados. Todos os três assinaram o contrato voluntariamente. Infelizmente, não há nada de surpreendente nisto – estes são os resultados do impacto da propaganda russa e da expansão gradual da federação russa em todas as esferas possíveis da vida dos seus vizinhos. 

De esquerda para direita: o primeiro nasceu no Cazaquistão, mas no «enclave» russo de Baykonur, o segundo é cazaque étnico, mas nasceu na rússia, e último nasceu no Cazaquistão. Apenas um, o último, disse que no caso de uma agressão russa ele iria defender Cazaquistão, quando os três foram perguntados sobre a sua lealdade nacional.

Blogueiro

Nas décadas de 1940-1950, durante diversas ondas das repressões estalinistas, o Cazaquistão, foi o destino, de diversas levas de deportações soviéticas, recebendo as populações ucranianas, polacas, lituanas ou tártaros da Crimeia. Casaquistão também abrigava diversos campos de concentração soviéticos do sistema de GULAG, nomeadamente o famigerado ALZHIR, onde eram presas as mulheres e crianças, cuja única «culpa» consistia em serem «membros da famíla do inimigo do povo». Na dita «primavera de Khruschev», nas décadas de 1960-1970, Cazaquistão foi o destino de jovens idealistas soviéticos, que trabalhavam na indústria espacial soviética ou nos projetos agrícolas, magalomaníacos e bastante desastrosos. 

Devido à estes fatores, hoje em dia Cazaquistão possui importantes diásporas europeias, compostos por descendentes daqueles, que pararam no país, em vários momentos do século XX, muitas vezes contra a sua vontade, mas acabando por escolher essa terra como a sua segunda pátria.

sábado, abril 05, 2025

Yulia Latynina: a porta-voz liberal do neofascismo russo

A jornalista liberal russa, apoiante convicta do apartheid e crítica ferrenha das descolonizações, Yulia Latynina, publicou um texto programático em que estabelece os paralelos entre as ações da Alemanha de Hitler e da rússia de putin, justificando ambas. 

«Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi declarada como a sua perpetuadora culpada, Áustria foi desmembrada. Os novos países jovens da Europa de Leste, com a aprovação dos vencedores, mergulharam no nazismo local.»

«O nazismo na Europa não começou na Alemanha. Começou com estes pequenos Estados. O nazismo alemão foi uma contra-reacção.»

«Tomáš Masaryk jurou ao Wilson em Versalhes que iria construir uma nova Suíça, mas em vez disso construiu Ruanda. Não é de estranhar que os alemães dos Sudetas quisessem fazer parte da Alemanha e apoiassem Hitler.» 

Estas são algumas citações de um novo artigo da jornalista russa Yulia Latynina, considerada uma oposicionista do atual regime russo, que vive na UE (aparentemente no Chipre) e que costuma ser publicada em todos os meios de comunicação social russos, livres e liberais (neste caso o texto foi de tão forma tóxico, que aparentemente, as publicações liberais russas o rejeitaram).

A ideia principal do artigo é estabelecer o paralelo entre as ações da Alemanha de Hitler e da rússia de putin, justificando ambas.

Diz o texto que os malditos países da Europa de Leste simplesmente obrigaram Hitler a atacá-los, que eram tão nazis como os hitleristas, só que piores, e que tiveram o que mereciam. Ucrânia, consequentemente, também forçou putin à atacá-la. O próprio putin fala sobre isso o tempo inteiro, repetindo como um mantra: «fomos forçados». No texto Latynina simplesmente amplifica este tipo do discurso de uma forma mais detalhada. 

A mais descabida, de todas, foi a comparação da Checoslováquia com Ruanda – um país onde até 1 milhão de pessoas foi massacrado em cerca de 4 meses. A estrela do jornalismo liberal russo afirma, com toda a seriedade, que o mesmo aconteceu com os alemães dos Sudetas na Checoslováquia nas décadas de 1930-40. 

Como convém à uma boa propagandista, Latynina usa alguma base fatual, embora constantemente troca o horisonte temporal, passando consequências pelas origens. Por exemplo,em 1945, e já após o fim da II Guerra Mundial, Checoslováquia adoptou o chamado «decreto Beneš», que ordenou a expulsão de 2,5 milhões de alemães étnicos do país. O decreto despojava os alemães das suas propriedades e expulsaram-nos pelo seu apoio à anexação da área dos Sudetas por Hitler no período que antecedeu a II G.M. Estima-se que cerca de 25.000 a 30.000 pessoas, na sua maioria alemães étnicos, morreram durante as expulsões. Ao mesmo tempo, estima-se que 75.000 checos tenham morrido em campos de concentração e de trabalho forçado sob o domínio nazi. Além disso, cerca de 300.000 judeus checos foram levados para os campos de extermínio nazi. 

Mas sete anos antes, nas vésperas da anexação dos Sudetas pela Alemanha nazi, em setembro de 1938, aconteceu a revolta alemã dos Sudetas, uma rebelião armada dos alemães étnicos dos Sudetas contra as autoridades checoslovacas na Sudetenlândia, apoiada por uma acção organizada orquestrada pelo Partido Alemão dos Sudetas (SdP), presidido por Konrad Henlein. A rebelião resultou em cerca de 200 KIA, WIA e MIA do lado alemão e 110 mortos e 2.029 capturados do lado das forças checoeslovacas. 

Os alemães étnicos à atacar e capturar as forças checoeslovacas
no decorrer da revolta dos Sudetas, setembro de 1938

A conclusão à que Latynina chega é que a rússia não deve se arrepender, nem ser responsabilizada pela invasão da Ucrânia. A jornalista russa argumenta, que à título de comparação, enquanto os veteranos da Wehrmacht estiveram vivos, eles não se arrependeram dos seus atos do passado e foram capazes de fazer renascer uma Alemanha forte. Em contrapartida, a actual geração de alemães foi ensinada à arrepender-se – e agora a Alemanha vive os graves problemas económicos. 

Por essa, e por muitas outras, que os ucranianos rejeitam constantemente algumas tentativas ocidentais de impor a «pacificação obrigatória» nas relações da Diáspora ucraniana com as comunidades emigrantes russas. No entanto, os ucranianos simplesmente não percebem a pertinência de quaisquer coolaboração com os «outros putin». Pois, como mais de 100 anos atrás dizia o escritor, político e estadista ucraniano, de tendências socialistas, Volodymyr Vinnychenko: «O democrata russo termina onde começa a questão ucraniana». 

Ataque russo ao Kryviy Rih mata e fere os civis ucranianos

Um míssil russo atingiu a cidade de Kryviy Rih, atingindo diretamente uma rua numa zona com edifícios residenciais. Relatos preliminares sugerem que se tratou de um ataque com míssil balístico. Foram confirmadas 19 mortes, incluindo nove crianças, mais de 56 pessoas foram feridas.


Timofiy, menino de 3,5 anos, no vídeo em baixo. Morreu...

«A operação de resgate está em curso e pelo menos cinco edifícios de habitação foram danificados. As minhas condolências às famílias e entes queridos», - escreveu o Presidente Volodymyr Zelensky.








Os ataques russos ocorrem todos os dias. As pessoas morrem todos os dias. Há apenas uma razão para que isto continue: a rússia não quer um cessar-fogo, e nós vemos isso. Todo o mundo vê isso. Cada míssil, cada drone de ataque prova que a rússia procura apenas a guerra. Só a pressão do mundo sobre a rússia, todos os esforços para fortalecer a Ucrânia, a sua defesa aérea e as suas forças armadas podem determinar quando a guerra terminará.

Uma mãe junto ao corpo do seu filho de 15 anos...

Os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo têm a capacidade de obrigar a rússia a abandonar o terror e a guerra. E isso deve ser garantido: a paz é necessária.

Visão russa: «Se não vamos bombardear as maternidades, escolas,
casas normais não iremos ganhar essa guerra», 2022

Visão russa: «Mais uma vez, quero lá saber de todas as crianças ucras, civis.
Eu, em geral, queimaria toda (termo pejorativo) Ucrânia», abril, 2025


quarta-feira, abril 02, 2025

Quo Vadis Estados Unidos?

Provavelmente já ouviu falar de Yuri Bezmenov, ex-oficial da 1ª Direção Geral do KGB que desertou para Canadá e revelou no Ocidente os modus operandi da secreta soviética. Bezmenov é mais conhecido por explicar o esquema de sabotagem ideológica que o KGB usou e que hoje continua à ser usado pelo regime russo. 

Este esquema, tal como descrito por Bezmenov, é constituído por 4 etapas: 

1. Desmoralização: esta fase dura 15 a 20 anos e envolve a destruição gradual dos valores sociais: morais, educacionais, culturais, legais, etc. 

2. Desestabilização: esta fase dura 2 a 5 anos e implica o estabelecimento de uma ditadura populista e o isolacionismo. 

3. Crise: esta fase dura 2 a 6 meses e envolve uma tomada violenta de poder por parte de agentes internos e externos. 

4. Normalização: esta etapa é ilimitada no tempo e envolve a transferência do país para o controlo externo da URSS/rússia, bem como a eliminação dos participantes das etapas anteriores. 

De acordo com este esquema, por exemplo, ocorreram os acontecimentos que levaram à Revolução da Dignidade na Ucrânia e à invasão russa em 2014 (mas os russos não tiveram em conta a subjetividade e a paixão muito maiores do que o normal do povo ucraniano, e o plano falhou no final da etapa 3).

Creio que os acontecimentos que estão a ocorrer agora nos EUA são uma versão ligeiramente modificada deste esquema. A primeira etapa decorreu da forma clássica e está agora concluída. A segunda etapa já está em curso, mas o seu tempo está o mais comprimido possível, em relação ao prazo da terceira. Isto é compreensível, porque a rússia simplesmente não possui de 2 a 5 anos, a sua economia não vai durar tanto tempo, por isso estão com pressa. A questão é saber quando ocorrerá a transição para a terceira fase, quem será a figura americana escolhida pelos russo e como será exactamente estabelecido o controlo/e externo (porque a intervenção militar russa directa parece bastante improvável).

A minha versão atual, da qual não tenho muita certeza, é a seguinte.

A figura-fantoche norte-americana, que poderá ser escolhida pelos russos, é provavelmente Bernie Sanders, que é atualmente o político mais popular dos Estados Unidos (% da aprovação, menos a % de desaprovação, ver a imagem em baixo). 

Pensem nisto: uma personagem de banda desenhada, um herói de memes, um homem que é considerado quase um comunista nos Estados Unidos, é o político mais popular dos Estados Unidos. Recentemente, organizou o maior comício nos EUA dos últimos 20 anos em Denver, com 35.000 pessoas (nada mau para Denver, mas é patético, em termos americanos, claro).

Relativamente ao cenário de estabelecimento de controlo/e externo, o meu entendimento é que o plano é privar os EUA de aliados e arrastá-los para várias guerras em simultâneo com a intenção de infligir uma derrota militar aos EUA às mãos da China. É precisamente sobre este aspecto que tenho mais dúvidas.

Mas, de qualquer modo, não vejo nenhuma força dentro dos EUA que tenha subjetividade, paixão e recursos suficientes para impedir a implementação deste plano. Portanto, a questão é saber se a Ucrânia se manterá como observadora não envolvida ou se tentará intervir activamente na situação.

segunda-feira, março 31, 2025

Shevchenko e Aldridge: a amizade entre o poeta ucraniano e o grande trágico negro

A improvável amizade entre o poeta nacional ucraniano Taras Shevchenko (1814-1861) e o ator afro-americano Ira Aldridge (1807-1867) oferece uma boa oportunidade para revisitar esta história notável e a sua ilustração da relação simbólica entre Ucrânia e Estados Unidos da América. 

Imagine: nos meados do século XIX, um lendário ator afro-americano que escapou da escravatura para ir ao outro lado do globo conhecer um grande poeta ucraniano – um antigo servo e prisioneiro político do regime czarista russo. Imagine a compreensão mútua interna e a solidariedade na interação criativa entre dois artistas extraordinários.

por: Olga Kerziouk, Curadora de Estudos Ucranianos, Londres 

O retrato de um homem muito simpático, com olhos grandes e bigodes, adornava todos os livros sobre o poeta nacional da Ucrânia, Taras Shevchenko. Foi pintado a lápis italiano preto e branco e finalizado por Shevchenko a 25 de dezembro de 1858.

Retrato de Ira Aldridge da autoria do Taras Shevchenko (Wikimedia Commons)

A 10 de novembro de 1858, Ira Aldridge interpretou Otelo pela primeira vez num dos teatros de São Petersburgo, na altura a capital russa, e Taras Shevchenko, um ávido leitor de Shakespeare e fervoroso espectador de teatro, estava na plateia, juntamente com os seus amigos (a família do conde Fiódor Tolstoy e outros). Ficou muito entusiasmado com a atuação e começou a chorar. 

Página de rosto de 'Um breve livro de memórias e carreira teatral de Ira Aldridge'

A 12 de novembro, Shevchenko encontrou-se pessoalmente com Aldridge na casa do Conde Tolstoi, onde Shevchenko era um convidado frequente. Tornaram-se grandes amigos (Aldridge chamava “artista” ao Shevchenko, tendo dificuldade em pronunciar o seu apelido ucraniano). Duas jovens filhas do Conde Tolstoi, Katya (Ekaterina Tolstoy Junge) e Olya, serviam frequentemente de intérpretes para eles. A 6 de dezembro, Shevchenko enviou uma carta ao seu amigo ator russo (nascido como semi-escravo, o servo, como o próprio Shevchenko) Mikhail Shchepkin, cheia de admiração pelo talento de Aldridge, “que faz milagres em palco”. “Ele mostra Shakespeare ao vivo”, escreveu Shevchenko. O amigo do Kobzar, Mikhail Mikeshin, fez um esboço satírico de Shevchenko em admiração diante de Aldrigde e o próprio Shevchenko acrescentou “O meu mudo espanto perante Ira Aldridge” (imagem abaixo). 

Taras Shevchenko desenhado por Mikhail Mikeshin

Em 1913, o pintor russo Leonid Pasternak fez o seu desenho de Aldridge e Shevchenko, que está reproduzido em livros sobre eles. O original está guardado no Museu do Teatro Central Estatal de Bakhrushin, em Moscovo.

Leonid Pasternak: «Shevchenko e Aldridge em São Petersburgo», 1913

Em 1861-1866, Aldridge visitou muitos lugares na Ucrânia: Kyiv, Kharkiv, Odessa, Zhytomyr e Kropyvnytskiy (na altura Elisavetgrad). Aprendeu russo e alemão e também se apresentou com sucesso utilizando esses idiomas. As suas apresentações atraíram grandes públicos em todos os lugares. O famoso dramaturgo ucraniano Ivan Karpenko-Karyi caminhou quilómetros desde a aldeia de Bobryntsi até Elisavetgrad para assistir à sua apresentação. 

Taras Shevchenko and Ira Aldridge: (The Story of Friendship between the Great Ukrainian Poet and the Great Negro Tragedian), by Demetrius M. Corbett, The Journal of Negro Education, Vol. 33, No. 2 (Spring, 1964), pp. 143-150 (8 pages)

A biografia deste extraordinário ator afro-americano (especialmente famoso pelos papéis shakespearianos) é fascinante e continua a atrair a merecida atenção. O seu bicentenário em 2007 foi celebrado em muitos países e os anais de um seminário sobre o mesmo foram publicados na Alemanha em 2009: Ira Aldridge 1807-1867. The Great Shakespearean Tragedian on the Bicentennial Anniversary of his Birth (Frankfurt am Main, 2009; YD.2009.a.9405). 

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Em 2012, Red Velvet, uma peça de Lolita Chakrabarti sobre Aldridge e a sua interpretação do papel de Otelo (publicada como livro; Londres, 2014; YK.2013.a.13939) estreou no Tricycle Theatre em Londres, com Aldridge interpretado por Adrian Lester. Cada vez mais pessoas estão a descobrir a vida extraordinária de Aldridge.

 

Foram publicadas mais diversos livros sobre Ira Aldridge em várias línguas, na sua maioria em inglês, mas também em ucraniano: editora Mystetstvo (Arte): «Aira Oldridzh: nehrytianskyi trahik» (Kyiv, 1966) X.898/2832); «Poet i trahik» (Kyiv, 1964; X. 908/1462), de Ivan Kulinych, os autores ucranianos exploraram, sobretudo a amizade de Taras Shevchenko e Ira Aldridge. 

Ivan Kulinych: «Poet i tragik», Kyiv, 1964

Este viajado e muito amado ator (também atuou na Alemanha, Áustria, Holanda, Hungria, Sérvia, Súiça) morreu durante uma digressão na Polónia a 7 de agosto de 1867. Os seus planos de regressar aos EUA, a sua terra natal, após o fim da Guerra Civil (era também um abolicionista assumido) nunca se concretizaram. Aldridge recebeu um funeral de Estado na Polónia e o seu túmulo encontra-se no Cemitério Antigo em Łódź. 

Túmulo de Ira Aldridge em Łódź (foto: Jan W. Raczkowski, Wikimedia Commons)

É emocionante prestar homenagem a esta grande vida que tocou a vida e a imaginação de outras pessoas em muitos países e culturas. Taras Shevchenko, cujos 213º aniversário celebramos este ano, foi um deles.

Faça click para ver as fotos e excepto da peça

Em 2014-16, em Nova Iorque, a companhia teatral Yara Arts Group, residente no Teatro Experimental La MaMa e liderada pela ucraniano-americana Virlana Tkacz, apresentou a sua peça teatral, «Dark Night Bright Stars», especialmente dedicada à amizade entre Shevchenko e Aldridge. Yara Arts Group é a companhia que lida frequentemente com uma ideia complexa e historicamente contingente da cultura ucraniana. Tkacz é muito conhecida na cena teatral do centro de Nova Iorque, bem como pelas suas colaborações com a lenda da Broadway Andre DeShields.

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História da Ucrânia e dos cossacos ucranianos, 1796

O historiador austríaco Johann Christian Engel escreveu em 1796: «A UCRÂNIA, do ponto de vista do seu território, é igual a um reino; é uma terra fértil, generosamente dada pela natureza; é a fronteira entre a Europa culta e a Ásia incivilizada, o pasto e a porta de inúmeras hordas asiáticas que tentaram inundar a Europa, e só por essa razão merece grande atenção. 

Agora UCRÂNIA faz parte do grande império russo. Mas como é que isso foi parar ao domínio russo? Como aconteceu que os cossacos independentes se encontraram sob o jugo de Moscovo? Como é que os MOSCOVITAS (não os russos!) tiveram a sorte de colocar correntes nos cossacos?» 

Hetman da Cossacos de Zaporizhia Bohdan Chmelnytskiy

Como podem ver, Lenine não inventou Ucrânia, nem os ucranianos (como disse o «grande historiador» putin), como escreve a ativista ucraniana Ala Zarvanytska. 

A sua obra «História da Ucrânia e dos Cossacos Ucranianos, e também do Reino da Galícia e Wladimir» (Die Geschichte der Ukraine und der ukrainischen Kosaken, wie auch der Königreiche Halitsch u. Wladimir) foi publicada em 1792 em Halle. 

Faça click para ler o texto original

Johann Christian Engel estudou filologia clássica e história na Universidade de Göttingen, foi aluno do historiador alemão August-Ludwig Schlotzer, um dos fundadores da teoria «normandista» da origem do estado Rus' de Kyiv (não confundir com o estado russo). Primeira obra independente de Engel foi «Comentário sobre a república militar ou uma comparação entre Espartanos, Cretenses e Cossacos» (Commentatio de republica militari seu comparatio Lacedaemoniorum, Cretensium, Cosaccorum; Göttingen, 1790) mostrou a influência de Heyne e Schlözer.