domingo, junho 08, 2025

Mykola Plavyuk: o último presidente da Ucrânia no exílio

Mykola Plavyuk na década de 1980

Há 100 anos, nasceu Mykola Plavyuk, o último presidente da Ucrânia no exílio (1989-1992), líder da ala histórica da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (1979-2012), co-organizador e um dos presidentes do Congresso Mundial dos Ucranianos Livres (atual Congresso Mundial dos Ucranianos). Ensaista e combatente pela independência da Ucrânia. 

Mykola Plavyuk entrou para a história como Presidente do Congresso Mundial dos Ucranianos Livres (1978-1981), o chefe de longa data da OUN-M (1979-2012) e último presidente da República Popular da Ucrânia (UNR) no exílio (1989-1992). Foi ele quem, em agosto de 1992, nas comemorações do primeiro aniversário da restauração da independência da Ucrânia, entregou, em nome do Centro Estatal da UNR, o Certificado da sua dissolução, o carimbo presidencial, as joias e a bandeira do Hetman Ivan Mazepa ao primeiro presidente eleito da Ucrânia independente, Leonid Kravchuk. Ao fazê-lo, confirmou a sucessão legal e a continuidade das tradições estatais ucranianas. 

Aperto das mãos entre Plavyuk e Kravchuk

Entrega da bandeira da Ucrânia ao Leonid Kravchuk

O interesse do MGB-KGB 

No início de dezembro de 1949, o 2º departamento (combate à resistência ucraniana) do MGB da Ucrânia soviética abre o processo sobre Mykola «Pavlyuk», chefe da liderança regional da OUN-M, que tinha o nome de código «Odynak» (literalmente «Solteiro»). Nos documentos do MGB o alvo recebeu o nome de código «Bezdolniy», literalmente «Sem a Sorte». 

Abertura do processo individual, MGB, 8-12-1949

Um artigo intitulado «Biografia pública e política de Mykola Plavyuk», publicada na Diáspora ucraniana, que foi anexado ao seu processo do KGB, em 1984, observa-se que em 1941, aos 16 anos, ele ingressou na Organização dos Nacionalistas Ucranianos, na sua ala histórica, liderada por Andriy Melnyk. Nas fileiras da juventude da OUN-M, Plavyuk passou por vários cursos de treino/amento e se juntou às atividades da União Educacional da Juventude Ucraniana (VSUM), o nome usado pela organização dos escuteiros ucranianos «Plast», no território da Ucrânia Ocidental.

Cartão do estudante da escola ucraniana em Munique, 1946

No fim da II G.M., em Viena, Plavyuk realizou intensas ações de consciencialização, entre a comunidade ucraniana da Áustria, principalmente os operários ucranianos, naturais do Centro e do Leste da Ucrânia, para que estes não aderissem às fileiras do ROA (Exército Russo de Libertação, colaboracionistas russos sob o comando do general Andrey Vlasov). 

Em 1949, Mykola Plavyuk formou-se em Economia pela Universidade Ludwig Maximilian de Munique. No final de 1949, mudou-se para o Canadá, onde logo se tornou um membro ativo da Diáspora ucraniana. 

A sua emigração ao Canadá complicou as ações do MGB soviético. As tentativas de descobrir alguma informação nova ou comprometedora foram infrutíferas. Assim, em fevereiro de 1953, foi aprovado o arquivamento do seu processo pessoal. 

Seis anos depois, em setembro de 1959, o KGB da Ucrânia soviética, recebeu a informação de que Mykola Plavyuk chefiava a Federação Nacional Ucraniana (UNO) do Canadá. Descobriu-se que essa organização realizava diversas atividades culturais e educacionais (em 2022 a rússia designou, oficialmente, a UNO como uma «organização indesejável»). 

Abraços «fraternos» do KGB 

Desde o início da década de 1950 o KGB lia, copiava e arquivava todas as cartas que Mykola Plavyuk trocava com os seus familiares na Ucrânia. Onde vivia o seu pai, Vasyl Plavyuk, presidente de uma junta de frquesia e irmão mais novo Yaroslav, o primeiro secretário do Comité distrital da juventude comunista Komsomol. No Canadá vivia a sua avó e as duas tias. 

Desde o momento da sua emigração Mykola Plavyuk não escrevia as cartas para o pai ou para o irmão, para não prejudicar as suas carreiras. Ele sabia que na URSS todos os ucranianos eram alvo da vigilância redobrada do MGB-KGB, caso possuirem os familiares no estrangeiro. O próprio KGB contactou o pai e irmão do Mykola Plavyuk, propondo-lhes comunicar com o seu filho e irmão, com a aprovação dada pelo KGB. Pai explicou aos KGBistas que ele não iria se opôr ao possível regresso do filho à Ucrânia, mas foi manifestamente contra fazer estes apelos nas cartas ou publicamente, no âmbito das campanhas de propaganda comunista. 

Já o irmão Yaroslav disse aos chekistas que «seria capaz influenciar o irmão e tentar persuadi-lo a retornar à Ucrânia». 

Uso de pais contra filhos e filhos contra pais para os ganhos operacionais, mesmo que isso pudesse prejudicar as relações familiares ou gerar inimizade nas famílias, era uma prática comum de todas as secretas soviéticas, desde CheKa ao KGB. 

De seguida, Yaroslav foi incluído num grupo turístico de jovens soviéticos à viajarem ao Canadá. O plano de previa que, ao se encontrar com irmão, Yaroslav exploraria os sentimentos patrióticos de Mykola, seu amor pela Ucrânia, e sugeriria que ele «ajudasse a pátria fornecendo periodicamente informações sobre as atividades e planos de organizações nacionalistas». Em troca, e caso se concordasse em retornar à URSS, receberia assistência para encontrar o emprego e a moradia. Por alguma razão, a viagem dos jovens não se concretizou, mas o KGB não desistia. 

Em 1958, foi planeada a viagem ao Canadá dos engenheiros energéticos. Yaroslav Plavyuk foi incluído no grupo. Para evitar suspeitas, foi criada a cobertura operativa sua a sua transferência dos quadros dirigentes de Komsomol para o Departamento de Engenharia Mecânica e Energia da sua região. 

Os irmãos chegaram à se encontrar. De acordo com documentos de arquivo, Mykola Plavyuk desconfiava das intenções de Yaroslav e chegou à perguntar diretamente se este não estava agindo ao mando do KGB. Yaroslav, naturalmente negou tudo. Falou sobre si mesmo, sobre o pai, sobre a vida deles «próspera e feliz na URSS». Os irmãos discutiram, cada um defendendo a sua posição. No final, Mykola Plavyuk convidou o irmão visitar a sua casa na cidade de Hamilton, a 70 quilómetros de Toronto. Aí, apresentou o irmão aos filhos, tiraram uma fotografia juntos, jantaram e regressaram. Não se encontraram nunca mais. Embora concordaram que, no futuro, se corresponderiam mais ativamente.

Mykola e Yaroslava Plavyuk com filhos Orest e Nestor, 1956

KGB ficou insatisfeito com os resultados da viagem. De acordo com as conclusões retiradas, Mykola Plavyuk manteve suas posições nacionalistas claras e não rejeitou os planos para lutar pela restauração de uma Ucrânia independente. Por conseguinte, num desenvolvimento operacional posterior, era necessário tomar outras medidas mais decisivas contra ele. 

«Comprometer aos olhos dos membros-base da organização» 

Nessa altura, o KGB recebeu as informações que Mykola Plavyuk, se tinha tornado bastante próximo do líder histórico da OUN-M, Andriy Melnyk. Por sua vez, Melnyk defendia a ideia sobre a necessidade de unir todos os ucranianos no mundo livre, independentemente do seu país de residência ou cidadania, criando o Congresso Mundial de Ucranianos Livres (hoje o Congresso Mundial de Ucranianos). Além disso, em 1964, Plavyuk tornou-se o membro da liderança colegial de OUN-M. Isto levou ao KGB a implementar novas medidas operacionais contra ele.

Artigo da imprensa da Diáspora ucraniana, parte do seu processo no KGB, 1965

Um dos documentos do KGB datados de fevereiro de 1965 refere: «em relação ao «Bezdolny», deve-se trabalhar para reunir materiais sobre ele e encontrar formas de o comprometer no estrangeiro». 

Para cumprir esta tarefa, o KGB preparou um panfleto anónimo, cujo texto insinuava que Mykola Plavyuk era alegadamente um funcionário secreto dos serviços secretos soviéticos e que estava a agir sob as suas instruções para destruir organizações da Diáspora ucraniana. Tal panfleto foi enviado de Moscovo/ou para a residentura do KGB nos EUA, a fim de ser publicado nos jornais locais através de suas fontes operacionais. Mas o efeito desejado não foi conseguido. Os representantes da Diáspora perceberam, claramente, a participação do KGB nesta ação. 

A direção regional de KGB da região de Ivano-Frankivsk apresentou a sua proposta de comprometer «Bezdolny» como agente soviético, enviando as cartas encriptadas ao seu endereço no Canadá. Ou seja, os chekistas presumiam que as tais cartas poderiam ser intercetadas pela contra-inteligência canadiana (algo que os chequistas viam como perfeitamente normal, dado que o próprio KGB violava o segredo de corresponência constantemente) e que isso se tornaria uma base para iniciar algum tipo de procedimento contra ele no Canadá e tornar este procedimento público. 

“Sem perspetivas de desenvolvimento operacional. O caso deve ser arquivado” 

Em Junho de 1987 (já no meio da Perestroika), após ponderar todas as possibilidades operacionais disponíveis, KGB elaborou um relatório no qual se observava que, durante o desenvolvimento de caso “Bezdolny”, desde 1949, foram tomadas medidas tanto de natureza de recrutamento, como para o comprometer. As tentativas de recrutamento não produziram resultados. O alvo afirmou-se como um nacionalista convicto. “Atualmente, “Bezdolny” lidera a OUN-M, afirma o relatório, “e mantém fortes posições nacionalistas. Os seus discursos na imprensa nacionalista confirmam o seu compromisso com a plataforma da OUN. As suas opiniões sobre a situação na Ucrânia não sofreram alterações significativas. O local de residência de “Bezdolny” é desconhecido. Não existem abordagens reais a ele, nem as perspetivas de desenvolvimento futuro, e é impossível criá-las neste momento”. 

Decisão do KGB de arquivar o seu processo, 4-06-1987 

Em 1979, Mykola Plaviuk foi eleito o líder da OUN-M, reconhecendo as suas capacidades organizacionais e muitos anos de posição activa e consistente na luta pela causa ucraniana, posição que desempenhou até 2010. Em 1989, no Conselho Nacional Ucraniano, realizado na cidade de Bound Brook (EUA), ele foi eleito o vice-presidente da UNR no exílio e, mais tarde, após a morte de líder anterior, Mykola Livytsky, presidente da UNR no exílio (1989-1992). 

Após a proclamação da Independência da Ucrânia, a 24 de agosto de 1991, Mykola Plaviuk participou ativamente na construção do Estado ucraniano. Em janeiro de 1992, pisou pela primeira vez solo ucraniano após um hiato de 48 anos. Tornou-se fundador e presidente da Fundação «Oleh Olzhych», presidente da Editora «Olena Teliga», editor do semanário «Palavra Ucraniana» e esforçou-se muito para criar o Museu da Revolução Ucraniana de 1917-1921 em Kyiv. Em maio de 1993, recebeu a cidadania ucraniana. Pelos seus serviços prestados à Pátria, foi condecorado com a Ordem do Príncipe Yaroslav, o Sábio, I e II graus, e com a Ordem de Mérito, III grau. 

Em 22 de agosto de 1992, o Presidente da UNR e Chefe da OUN-M, Plavyuk, entregou os poderes do Centro Estatal da UNR no Exílio ao Presidente da Ucrânia, Leonid Kravchuk. Falando nessa ocasião em uma sessão solene da Verkhovna Rada da Ucrânia, Mykola Plaviuk disse:

Mykola Plavyuk, 1º à esquerda e Leonid Kravchuk, 3º à esquerda

- Em nome do Centro Estatal da República Popular da Ucrânia no Exílio, felicito todo o povo ucraniano, o Governo da Ucrânia e todos os seus cidadãos pelo primeiro aniversário da restauração da Independência estatal da Ucrânia.

Por decisão histórica da Verkhovna Rada da Ucrânia de 24 de agosto de 1991, confirmada pela livre vontade do povo ucraniano em 1 de dezembro do mesmo ano, o sonho dos filhos e filhas do povo ucraniano tornou-se realidade. O sonho de muitas gerações do povo ucraniano...

Renunciando aos nossos poderes, declaramos que o Estado Ucraniano, proclamado em 24 de agosto e aprovado em 1 de dezembro de 1991 pelo povo da Ucrânia, dá continuidade às tradições estatais e nacionais da URN e é o sucessor legal da República Popular da Ucrânia.

Mykola Plavyuk, faleceu a 10 de março de 2012. Foi sepultado na cidade de Oakville (província canadiana de Ontário), no cemitério ucraniano de São Volodymyr. 

No artigo sobre Mykola Plavyuk, publicado na Diáspora ucraniana, foi definido, de seguinte forma o seu credo de vida: «No centro da minha filosofia de vida e de acção política esteve sempre a Ucrânia – o povo ucraniano, as suas reais necessidades e oportunidades na luta pela identidade Estatal. A profunda fé na capacidade do nosso povo para resistir às tentativas do imperialismo russo-soviético de destruir a sua individualidade espiritual foi a fonte da sua força e baseou-se não apenas na experiência histórica do passado, quando o nosso povo superou mais de uma adversidade, mas também na consciência das tendências da era histórica, que traz o fim a todos os impérios, incluindo o russo». 

Fonte: Arquivo Estatal Setorial da secreta externa da Ucrânia, FISU.

A viúva do último presidente da República Popular da Ucrânia no exílio, Yaroslava Plavyuk, faleceu no Canadá: «Lamentamos à anunciar que, no 97º ano de vida, em Burlington, Ontário, no Canadá, falaceu Yaroslava Plavyuk (1926-2023), a esposa do chefe da OUN-M e último presidente da UNR no exílio, Mykola Plavyuk», escreveu Bohdan Chervak, sucessor de Plavyuk na liderança de OUN-M, ​​na sua página de Facebook.

Casal Plavyuk, 1948 (?), Munique, RFA


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