por: Dmytro Malyuk, o título do artigo é de responsabilidade do nosso blogue.
No entanto, em 2025, as imagens distópicas deste romance já não parecem ficção absurda, mas antes um reflexo perturbador da modernidade. O livro retrata os Estados Unidos a devorar-se em divisões internas. Um manifesto clandestino apela ao «Dia do Ajuste» — um momento de ajuste de contas em que os cidadãos se levantam contra políticos, académicos e elites. A violência irrompe, o governo cai e o país divide-se em enclaves raciais e ideológicos: Blacktopia, Caucásia, Gaysia e outros. Cada fação estabelece uma ordem social rígida através da exclusão e da violência. Não se trata de uma guerra civil clássica do tipo «Norte contra Sul», mas de uma fragmentação em dezenas de tribos irreconciliáveis.
Hoje, o futuro imaginário de Palahniuk lembra demasiado certos momentos da nossa realidade. Esta semana, os Estados Unidos ficaram chocados com dois homicídios de alto perfil, sem uma ligação entre si. À 10 de setembro, o ativista conservador [MAGA] radical Charlie Kirk foi morto na Universidade do Utah. Charlie Kirk foi recordado pelos ucranianos nos Estados Unidos pela sua retórica radical e pró-russa sobre o fim de toda a ajuda americana à Ucrânia.
Este assassinato já foi incluído na lista de crimes com motivações políticas. Líderes de diferentes lados condenaram o ataque, mas o simbolismo é assustador: as disputas políticas estão a ser cada vez mais resolvidas não com palavras ou protestos, mas com balas. Recorde, sejam reais ou encenados, os tiroteios durante a campanha de Trump. De qualquer forma, este acontecimento só irá polarizar ainda mais a sociedade americana e a divisão entre apoiantes de Democratas e Republicanos só irá aumentar.
O segundo caso extremamente trágico que Trump já está a utilizar activamente para os seus propósitos políticos é o brutal assassinato da emigrante ucraniana Iryna Zarutska num comboio urbano em Charlotte, na Carolina do Norte. O crime hediondo, cometido por um agressor [afro-americano] portador da doença mental, reacendeu a discussão sobre a saúde mental, a segurança pública e a vulnerabilidade dos [emigrntes e] refugiados. Embora os motivos sejam diferentes, o sinal é o mesmo: as ruas, os campus universitários e os sistemas de transportes dos Estados Unidos estão a tornar-se cada vez mais inseguros.
A isto acresce a alarmante tendência para a militarização. O Presidente Trump enviou a Guarda Nacional a Washington e também planeia medidas semelhantes em Chicago, justificando-as com o combate ao crime e à migração. A imagem é clara: soldados a patrulhar as cidades, a trabalhar em conjunto com os serviços de imigração e a mudar o próprio espírito da vida civil.
Para os apoiantes, esta é uma promessa de ordem. Para os críticos, é um sinal de pendor autoritário, quando o governo é incapaz de governar a sociedade sem um exército. Esta é a espiral que Palahniuk descreveu: quando o Estado e o povo trocam não a confiança, mas a suspeita e a violência.
Em «O Dia do Ajuste», o colapso dos Estados Unidos não acontece de um dia para o outro. Começa pela desilusão, alimentada pela propaganda que legitima a violência. As pessoas passam a acreditar que só a força pode devolver-lhes a dignidade. O resultado final é a fragmentação do país em enclaves que prometem segurança e pureza, mas trazem novas formas de tirania.
Os acontecimentos de hoje recordam esse processo. A retórica dos «amigos versus estranhos», os assassinatos políticos e a presença militar nas cidades são as sementes da divisão. E cada vez que a violência se torna a norma, empurra o país para mais perto do ponto de não retorno.
Se os Estados Unidos se atolarem finalmente na sua própria instabilidade, as consequências para o [Muno e ao] Canadá serão tangíveis e multifacetadas. Em primeiro lugar, atingirão a economia. Afinal de contas, os Estados Unidos continuam a ser o principal parceiro comercial do Canadá, e quaisquer perturbações no país afectarão imediatamente os mercados canadianos, o custo dos produtos e até o número de empregos.
Mas não é só a economia que pode ser abalada. Quando as pessoas fogem do caos, procuram locais mais seguros. Se uma crise grave se desenrolar nos Estados Unidos, milhares de famílias americanas poderão migrar para o Canadá, criando um fluxo de refugiados com o qual o sistema canadiano poderá simplesmente não conseguir lidar.
Há um outro aspecto, mais subtil, mas não menos perigoso: o ideológico. Os movimentos radicais americanos há muito que encontram resposta no Canadá. Se os Estados Unidos «falharem», a sua influência poderá aumentar, destabilizando a sociedade canadiana.
E, finalmente, não devemos esquecer a dimensão da segurança global. Se os Estados Unidos se envolverem em conflitos internos, a sua capacidade de defender a América do Norte enfraquecerá inevitavelmente. Isto significaria que o Canadá enfrentaria ameaças externas sem o apoio sólido de que passou a depender.
É cada vez mais claro que parte da polarização, da desinformação e da radicalização nos Estados Unidos está a ser activamente alimentada pela rússia, que vê uma América dividida como uma América fraca. Há muito que Moscovo utiliza ataques cibernéticos, propaganda e campanhas de influência secreta para desestabilizar as democracias ocidentais. A divisão nos Estados Unidos não só distrai Washington da Ucrânia, como também prejudica a capacidade da NATO de responder colectivamente à agressão russa.
Os Estados Unidos continuam a ser o pilar fundamental da segurança ocidental. Se a sua instabilidade interna, exacerbada pela interferência externa, enfraquecer a sua capacidade de liderança, os adversários aproveitar-se-ão disso. A rússia pode intensificar a sua agressão para além da Ucrânia. A China pode tentar uma «reunificação» forçada com Taiwan. Os regimes autoritários de todo o mundo testarão a capacidade de resposta do Ocidente.
A sátira de Palahniuk não é uma receita, mas um aviso. O romance exagera as falhas americanas, mas ao mesmo tempo expõe as suas fontes: a desconfiança nas instituições, o medo, o ressentimento e a tentação de soluções fáceis.
O mundo real ainda não se transformou no mosaico de enclaves do romance. Mas os sinais de desintegração ou de conflito já estão parcialmente presentes: uma sociedade fortemente polarizada, violência política, militarização, declínio das instituições e ameaças externas. Este deve ser um sinal de alerta para os Estados Unidos e para o Canadá.
A democracia não cai de um dia para o outro. Desintegra-se passo a passo, à medida que o autoritarismo, a ilegalidade, a violência e a impunidade se tornam a nova norma. «O Dia do Ajuste» recorda-nos que, uma vez atingido um ponto crítico, pode não haver volta a dar. A distopia de Palahniuk não é inevitável. Mas é uma possibilidade real. A questão é se os Estados Unidos, o Canadá e o mundo ocidental atenderão ao aviso — ou, inversamente, seguirão o caminho para o seu próprio «Dia do Ajuste».
Bónus
A congressista Marjorie Taylor Greene tentou, mais uma vez, bloquear o apoio dos EUA à defesa da Ucrânia, mas foi novamente derrotada. Desde 2022, a republicana «Marjorie de Moscovo» já tentou bloquear o apoio dos EUA à defesa da Ucrânia aproximadamente 11 vezes, tanto em projectos de lei próprios como em projectos de lei da sua co-autoria.



3 comentários:
Sobre Rafa M. Como consegue entrar na Donbas? Simples. Voo SP-Moscou; da Moscou à Donetsk vai de ônibus, para poupar o dinheiro, Donbas tem a fronteira comum com rússia, assim foi invadido em 2014, através da fronteira comum.
Não existe voo Sp-Moscou. Para ir do Brasil para Rússia se pega um voo de SP para Emirados dos Árabes ou Catar (acho que é Catar). Pelo que apurei ele usou essa rota.
PS: por essa rota fica mais fácil o Massad pega-lo. Ele tb tem muitas atividades pro Irã/Hezbollah. Porém. o Catar protege ativistas anti-Israel.
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