sábado, maio 04, 2019

O “Plano Dulles” da destruição da União Soviética/Rússia

Os fãs da URSS e do comunismo acreditam na existência do “Plano Dulles”, o famigerado e secreto plano “dos americano”, que visou a destruição da União Soviética, mas que ainda hoje é usado pelo “deep state” americano para enfraquecer e destruir a federação russa.

O conteúdo do «plano Dulles» (os trechos mais trapaceiros)

A guerra [II G.M.] vai acabar, tudo se acalmará e se resolverá. Vamos lançar/jogar tudo o que temos: todo o ouro, todo o poder material de enganar e aldrabar as pessoas! O cérebro humano, a consciência das pessoas é capaz de mudar. Tendo semeado o caos, nós silenciosamente substituímos seus valores pelos falsos e os fazemos acreditar nesses falsos valores. Como? Encontraremos nossos apoiantes, nossos aliados na própria Rússia. Episódio por episódio, será desencadeada grandiosa, na sua envergadura, tragédia da morte do povo [soviético/russo] mais insubmisso na terra, a extinção final e irreversível de sua autoconsciência.

[...]

Tiraremos as raízes espirituais, degradaremos e destruiremos os fundamentos da moralidade popular. Nós vamos abanar a geração após geração. Assumiremos as pessoas desde a infância e adolescência, e sempre faremos a aposta principal NA JUVENTUDE – vamos a decompor, degradar e corromper. Vamos transformá-la em cínicos, vulgares e cosmopolitas. É assim que faremos!

O povo soviético no descanso, meados da década de 1980 | foto de arquivo
O “plano Dulles”, nessa forma, foi usado por ideólogos soviéticos [e depois pró-soviéticos] para mostrar aos jovens “a verdadeira face do militarismo americano” – vejam, eles vós embebedam e corrompem para destruir “o povo mais resistente da face da Terra”. Bem horríveis, são “os americano”!

A realidade dos fa(c)tos

De fa(c)to, o “Plano Dulles” é uma peça da propaganda soviética bastante típica, baseada no princípio da inversão – juntam-se todas as tendências negativas da sociedade, como alcoolismo, o baixo nível de cultura, o absurdo quotidiano da vida soviética – e então se declarava que tudo isso acontece por causa de uma força externa. Deste modo, os propagandistas soviéticos matavam dois coelhos numa só cajadada – primeiramente, desviavam as suspeitas de incompetência dos líderes soviéticos e do sistema soviético como um todo e, em segundo lugar, incitavam o ódio contra os países ocidentais livres.
Nunca e ninguém explicou como o tal “Plano Dulles” poderia ser implementado tecnicamente – mas o bom povo soviético e mesmo pós-soviético não era dado aos questionamentos – muitos realmente acreditavam e acreditam que “os americano” regularmente subornavam os “responsáveis desonestos”, pagavam aos músicos para que estes escrevam as letras anti-soviéticas ou mesmo para que algum “inimigo interno” urinasse nas escadas de prédios de habitação.
O verdadeiro Allen Dulles (1893-1969) | foto de arquivo
Os propagandistas soviéticos diziam que o “Plano Dulles” se baseia em “Reflexões sobre a implementação da doutrina americana do pós-guerra contra a URSS”, texto/documento alegadamente publicado em 1945 “sob auspícios da CIA”. Mas a CIA foi fundada apenas em 1947 e Alain Dulles tornou-se o seu chefe somente em 1953. Quer a “Reflexão”, quer o “Plano Dulles” são puramente produtos da propaganda comunista soviética.

Quem é autor real do texto?
A fila interminável para a compra de álcool, URSS, fim da década de 1980 | arquivo
O texto fake do “Plano Dulles” é uma ligeira reformulação de um trecho do romance “Chamada Eterna” de autor sovietico/russo Anatoli Ivanov (pertencente à ala literária “comuno-patrioteira”), onde um plano praticamente idêntico é proclamado por um “inimigo trotskista”:

Iremos arrancar essas raízes espirituais do bolchevismo, rebaixaremos e destruiremos os principais fundamentos da moralidade popular. Abanaremos, dessa forma, geração após a geração, expurgaremos esse fanatismo leninista. Assumiremos as pessoas desde a infância, juventude, sempre faremos uma grande aposta nos jovens, vamos os decompor, corromper, degradar! [...] —  Sim, degradar! Corromper! Vamos torná-los cínicos, vulgares e cosmopolitas!

[...]

A guerra terminará – tudo de alguma forma se acalmará, se resolverá. Vamos lançar/jogar tudo o que temos, de que dispomos: todo ouro, todo o poder material de enganar e aldrabar as pessoas! O cérebro humano, a consciência das pessoas é capaz de mudar. Tendo semeado o caos, substituiremos silenciosamente seus valores por falsos e fazê-los acreditar nesses falsos valores!

Como podemos ver, a frase sobre “cínicos, vulgares e cosmopolitas” foi deixada sem alterações, assim como as frases “fundamentos da moralidade popular”, “a guerra acabou, tudo se resolverá”, etc. Os anónimos propagandistas soviéticos adicionaram ao falso “Plano Dulles” apenas um pouco de seu ódio pessoal contra a classe criativa, contra os artistas e escritores – considerando-os uma clara ameaça ao regime comunista soviético e tentando os denegrir em todos os sentidos e maneiras.

Em vez de epílogo

Na realidade, nem os Estados Unidos, nem a CIA desejavam o colapso da URSS, preocupados com o destino das armas nucleares e temendo um possível caos militar, como resultado do colapso da União Soviética.
Prédio habitacional, algures na Rússia, nossos dias | arquivo
O “Plano Dulles” não existe e nunca existiu. É sempre fácil culpar “os americano” pela sua vida instável, corrupção e incompetência das autoridades, por infra-estrutura degradada ou alto custo de transporte. Por isso, aconselhamos aos fãs da URSS, estalinistas 2.0 e todos os outros camaradas antiocidentais à não procurar inimigos no exterior, mas começar por não depredar as paredes e se dedicar mais ao voluntariado, fazendo pequenas coisas positivas no seu bairro, na sua rua, no seu prédio.

Fotos: arquivo | Texto: Maxim Mirovich

Bónus
O complô anti-russo realmente existe – único problema, é que nele participa toda a população adulta da Rússia”; Victor Pelevin; Geração Pi.

Sem comentários: