domingo, agosto 27, 2017

A vida na URSS nos quadros naïve da Zoya Cherkassky-Nnadi

A pintora israelita Zoya Cherkassky-Nnadi nasceu em Kyiv na Ucrânia em 1976 e aos 15 anos emigrou com a sua família ao Israel. Hoje, Zoya é uma pintora famosa, com o seu próprio estilo facilmente reconhecido. Os seus quadros é uma espécie de “máquina de tempo”, que leva os espectadores aos anos finais da existência da União Soviética. 

A pintora mantém uma página na Instagram, é de notar que a sua visão da vida em Israel também é bastante negativista, a sua série Alia-91 é classificada por muitos de “trágica e caricaturada”.

02. Verão típico de uma família soviética à beira-rio. É de notar que a classe média-baixa do espaço pós-soviético continua seguir os mesmos padrões do veraneio, embora a sua mesa, hoje em dia, é bastante mais farta.

03. Almoço na cozinha. Mãe ou avó prepara o jantar, na URSS o almoço e jantar eram, muitas vezes, preparados nas vésperas, depois os alimentos eram apenas aquecidos. A pintora retrata pequenos pormenores bastante típicos do quotidiano soviético — paredes, pintados até o meio com a tinta azul e uma outra parte com o cal, toalha plástica aos quadradinhos na mesa, as tampas de panelas na parede, junto à janela. Na mesa está um aluno com a idade de 12-14 anos [aos 14 anos as crianças soviéticas entravam mais ou menos compulsivamente na juventude comunista Komsomol e deixavam de usar a gravata vermelha de jovens pioneiros]. No telhado do prédio ao lado está escrito “Glória ao Trabalho!”

04. A parte final de uma festa em um apartamento, quando as visitas já se foram. Este tipo de festas eram bastante populares na URSS, pois [em casas particulares as pessoas podiam falam de forma mais sincera do que nos locais públicos; a abertura, que por vezes aproveitada pelo KGB para gravar as conversas dos certos intelectuais ou dissidentes], além disso na URSS havia grande falta de cafés e os restaurantes eram caros e exigiam um certo dress code, fato/terno e vestidos femininos à condizer. No fundo esta o aparador de madeira polida, lá eram colocadas as coisas “mais valiosas”, como jogos de loiça e vasos de cristal. O guitarrista parece com o cantor, compositor e ator soviético Vladimir Vysotsky.

05. Quadro se chama “Break baixo” e retrata a discoteca escolar [o jornal da parede se chama “Chamas”]. A julgar pela popularidade do break dance, legins com padrão de “leopardo”, a camisola “BOYS” do rapaz e jeans “Mawin” de uma das meninas estamos em 1989-1990.

06. Os netos recebem a avó, um quadro bastante tocante — é uma tarde, avó veio cuidar dos netos na ausência dos pais. Menina abraça a avó, o rapaz espreita na sua pasta, querendo saber se avó lhes trouxe algo saboroso.
Os paletós azuis, com golos de pele barata, muitas vezes, eram produzidos sob a medida e depois usados anos sem fio, por vezes durante décadas.

07. Outono no parque, as alunas de escola estão unir as folhas de ácer, talvez para um herbário escolar, talvez pelo puro prazer.

08. Manha. Menina adolescente se prepara para ir à escola. Na parede está pendurado um tapete caro, um tapete mais simples, de fabrico industrial está no chão. O quarto tem uma mesa de escrever, a cadeira giratória com as rodinhas e uma cadeira normal, com estofo vermelho. Possivelmente assim era o quarto da própria pintora [o segundo quadro é mais eleborado tecnicamente].

09. Salão de corte (com a inscrição em ucraniano “Перукарня”). A dama está fazendo a corte muitíssimo popular na década de 1980, “Cascade” (Cascada).

10. Espaço infantil num dos pátios de prédios de habitação. As meninas bebem vinho [provavelmente um “porto” soviético barato e de baixa qualidade], rapaz com as calças “Adidas” [o sonho dos sonhos da época] se exercita. O quadro se chama “Caraté”.

11. As meninas fumam, escondidas atrás de garagens individuais [o sonho de qualquer automobilista soviético].

12. Cozinha. Os meninos comem a melancia. Slogan em cima do prédio diz “Paz ao Mundo!”

13. Mais uma cozinha, casa de campo ou casa na aldeia, o processo de salmoura de tomate em frascos de 3 litros.

14. A família numa tarde em frente da TV — um vaso em cima do televisor (por vezes debaixo do vaso estava um guardanapo tricotado), cómoda de madeira polida, tapete pendurado na parede, cuecas “familiares” e óculos de armação com padrão de “tartaruga” do chefe da família. A TV mostra o início do programa “Projetor de Perestroika” [que 10 minutos antes do telejornal das 21h00 o programa vomitava por cima do telespectador as histórias daquilo que “ainda existe na União Soviética, mas não deveria existir”, casos de burocracia, desperdício material, roubos e desvios, entre outros. Toda a atmosfera do quadro indica que estamos perante uma família judaica de classe média-média].

15. Uma festa familiar. No centro da mesa um frango assado — isso é, frito ou feito no forno, que nos últimos anos da existência da URSS aparecia apenas em principais feriados. Entre as bebidas podemos ver a vodca “Stolichnaya”, um vinho qualquer e garrafa de “Pepsi-cola” que entrou na União Soviética apenas em 1974.

16. Almoço na cantina de uma unidade fabril.

17. Aula de educação física na escola.

18. A fila no departamento lácteo de uma mercearia.

19. Inverno num bairro ou cidade industrial. O quadro retrata os “rapazes do bairro”, uma forma de pequena criminalidade, própria à todas as cidades industriais soviéticas [na Ucrânia Soviética era bastante presente nas regiões do leste].

20. Os homens jogam dominó. Na URSS planificada as pessoas não tinham quase nada para fazer após a sua reforma, dado que empreendedorismo era proibido por lei. Praticamente, uma vez reformado, o cidadão era “riscado” da vida ativa e tinha que gastar os anos restantes nas atividades pouco gratificantes, como dominó ou pesca. No marvado Ocidente aos 60-65 o mesmo cidadão tinha a oportunidade de reunir um certo valor monetário, para começar um negócio próprio, conseguindo um passatempo mais interessante.

21. O quadro se chama “Duas irmãs e amiga”. A aluna da escola primária veste o fardamento escolar e gravata de jovem pioneira, as alunas do secundário já parecem jovens-mulheres com cabelo caprichado, maquilhadas e com as roupas do padrão ocidental. [A propaganda monumental diz: “A URSS é a base da paz”].

22. Discoteca caseira. Os cartazes com os ídolos musicais da juventude soviética do final da década de 1980 — Depeche Mode, Viktor Tsoi e mais alguém, parecido com Konstantin Kinchev.

23. Quotidiano soviético num apartamento T0. O quarto é cortado ao meio com aparador, do lado dos pais é criada uma espécie da sala, do outro lado um jovem adolescente fã do rock metaleiro se prepara para ir à uma festa juvenil.

24. [O quadro se chama “Se esqueceu colocar a saia!” e retrata as babushkas sentadas na entrada de um prédio de apartamentos que, sem fazer mais nada, se dedicam ao fofocar sobre os moradores deste e talvez até de prédios vizinhos].

Texto @Maxim Mirovich e [@Ucrânia em África]
"Lambada": a dança super-mega-popular na URSS
Casamento: o momento de beijar a noiva
Cozinha típica soviética: na parede um rádio com os canais pré-programados (entre 1 à 3).
Os programas começavam às 6h00 e terminavam à meia-noite, nas províncias, por vezes, a emissão
era cortada às 23h00, para que o cidadão soviético descanse em paz...

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