domingo, outubro 26, 2025

Porque é que Ucrânia está a ganhar a guerra

A rússia não conseguiu atingir o seu principal objectivo: a destruição da nação ucraniana, desmembramento do Estado ucraniano, morte, colocação nos campos de concentração e expulsão física de sentenas de milhares de ucranianos, a russificação forçada dos restantes.

por: historiador Yuval Harari, Financial Times, 27/10/2025; a tradução portuguesa da Helana Santos da Cunha

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«Ao contrário da narrativa propagada pela propaganda russa, a Ucrânia até agora tem estado a ganhar a guerra. Quando o conflito começou em 2014, a Ucrânia parecia completamente indefesa face à agressão russa, e os russos conquistaram facilmente a Crimeia e outras partes do leste da Ucrânia. A guerra entrou numa fase mais intensa a 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou um ataque total, com o objectivo de subjugar toda a Ucrânia e terminar a sua existência como nação independente.

Na altura, a liderança russa e muitos observadores em todo o mundo esperavam que a rússia conquistasse Kyiv e derrotasse o exército ucraniano de forma decisiva em poucos dias. Até os apoiantes ocidentais da Ucrânia estavam tão inseguros quanto às hipóteses de resistência da Ucrânia que se ofereceram para retirar o Presidente Zelenskyy e a sua equipa e ajudá-los a estabelecer um governo no exílio.

Mas Zelenskyy optou por ficar em Kyiv e lutar, dizendo aos americanos: «Preciso de munições, não de boleia».

As forças ucranianas, em desvantagem de armas, espantaram o mundo ao repelir o ataque russo a Kyiv. Depois exército ucraniano contra-atacou no final do verão de 2022, teve duas grandes vitórias nas regiões de Kharkiv e Kherson e libertou grande parte do território conquistado pelos russos na primeira fase da invasão.

Desde então, apesar dos ganhos limitados de ambos os lados, a linha da frente não se moveu muito. Os russos tentam criar a impressão de que estão a avançar implacavelmente, mas de facto, desde a primavera de 2022, não conseguiram conquistar nenhum alvo de grande importância estratégica, como as cidades de Kyiv, Kharkiv ou Kherson.

A situação faz lembrar a frente ocidental na Primeira Guerra Mundial, quando generais implacáveis sacrificaram dezenas de milhares de soldados para conquistar alguns quilómetros de ruínas e lama. Os jornais patrióticos ocultavam frequentemente a magnitude de tais loucuras publicando mapas que pretendiam mostrar grandes avanços. Mas o dado mais importante nestes mapas era a escala. Como observou o historiador Toby Thacker, os jornais da Primeira Guerra Mundial usavam frequentemente uma escala deliberadamente grande, «o que fazia com que os “avanços” parecessem superficialmente impressionantes, mas qualquer leitor astuto poderia ter percebido que... eram insignificantes.

Para a Ucrânia, faz todo o sentido militar realizar retiradas tácticas e preservar as suas forças e as vidas dos seus soldados, ao mesmo tempo que deixa os russos esgotarem-se em ataques custosos por ganhos insignificantes. A verdade é que a Ucrânia conseguiu lutar contra a rússia até à imobilização.

Em 2025, o elo mais fraco das defesas da Ucrânia ainda reside na mente dos seus amigos ocidentais. Como a rússia falhou em obter superioridade aérea e naval ou em romper as defesas ucranianas em terra, a estratégia russa procura flanquear a posição ucraniana, atacando a vontade dos americanos e dos europeus.

Ao disseminar a propaganda de que a vitória russa é inevitável, os russos esperam que os americanos e os europeus desanimem, retirem o seu apoio à Ucrânia e a obriguem a render-se. Sucumbir a esta propaganda será um desastre não só para a Ucrânia, mas também para os países da NATO, que perderiam grande parte da sua credibilidade, bem como a sua melhor defesa contra as crescentes ameaças russas.

À medida que a Rússia continua a expandir o seu exército e a sua economia de guerra, a Europa esforça-se por se rearmar, mas, entretanto, a maior e mais experiente força de combate entre o exército russo e Varsóvia, Berlim ou Paris é o exército ucraniano.

É impossível prever como a guerra se irá desenvolver, visto depender de decisões futuras. Mas, num aspecto crucial, a vitória ucraniana é já decisiva e irreversível. A guerra é a continuação da política por outros meios. A guerra não é ganha pelo lado que conquista mais terras, destrói mais cidades ou mata mais pessoas. A guerra é ganha pelo lado que atinge os seus objectivos políticos. na Ucrânia, já é claro que putin falhou em atingir o seu principal objectivo de guerra — a destruição da nação ucraniana.

Em muitos dos seus discursos e ensaios, putin defendeu que a Ucrânia nunca foi uma verdadeira nação. Segundo putin, a Ucrânia é uma entidade falsa, incentivada pelas potências estrangeiras como um estratagema para enfraquecer a rússia. putin lançou a guerra para provar ao mundo que a nação ucraniana não existe, que os ucranianos são, na verdade, russos e que, dada a mínima chance, os ucranianos seriam alegremente absorvidos pela mãe rússia.

Ninguém sabe quantas mais pessoas irão morret por causa das ilusões e ambições de putin, mas uma coisa que ficou bem clara para o mundo inteiro é que a Ucrânia é uma nação muito real e que milhões de ucranianos estão dispostos a lutar com unhas e dentes para se manterem independentes da rússia.

As nações não são feitas de torrões de terra ou de gotas de sangue. São feitas de histórias, imagens e memórias na mente das pessoas. Não importa como a guerra se desenrole nos próximos meses, a memória da invasão russa, das atrocidades russas e dos sacrifícios ucranianos continuará a sustentar o patriotismo ucraniano nas gerações vindouras».

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