quarta-feira, dezembro 12, 2018

Olivier Rolin: “Fui agredido por um velho estalinista que achava que o GULAG não tinha existido”


Olivier Rolin junto à livraria Deja Lu, em Cascais, Portugal
Olivier Rolin, o celebrado autor francês, que passou parte da sua infância em África, ex-maoísta, vencedor do Prémio Femina e finalista do Goncourt, falou com o Observador.pt, entre outras coisas, sobre o comunismo (trechos). 

Um retrato do mundo inteiro

Quando é que visitou o país [URSS] pela primeira vez?
Em 1986. Há essa explicação pelo espaço, mas também porque foi na Rússia que aconteceu um dos grandes acontecimentos do século XX; um dos maiores sinais de esperança que a humanidade teve e, ao mesmo tempo, um dos maiores dramas, um dos maiores massacres. Nasci no século XX, vivi a maior parte da minha vida no século XX. Uma grande parte da História do meu tempo teve origem nesse país. Depois há outras razões [por ter um fascínio pela Rússia]: gosto muito da língua russa e também gosto de não encontrar franceses nos sítios a onde vou [risos]. É por isso compreensível porque é que vou à Sibéria.

[…]

É por a Revolução de Outubro ser um dos eventos mais importantes do século XX que decidiu escrever O Meteorologista, um romance que se passa durante o tempo de Estaline e que fala sobre a brutalidade dos campos de trabalhos forçados?
Sim, sim. Mas também porque essa história em particular, desse pai e dessa filha [, que aconteceu realmente], é comovente. Talvez tivesse escrito na mesma sobre ela se se tivesse passado noutro sítio que não a Rússia. Mas, de qualquer forma, a loucura do processo estalinista é algo que me deixa estupefacto, e que me interessa. Muito poucas pessoas no meu país, no ocidente, sabem que foram fuzilados 750 mil inocentes num ano. Na Primeira Guerra Mundial, morreram 1,5 milhões de soldados franceses. [As vítimas russas soviética são] metade disso. E foi só num ano! Esta história é muito pouco conhecida, e fascina-me. Como é que a esperança que havia, no mundo inteiro, se transformou nesta explosão de sangue? É por isso que esta história me interessa.
ler e/ou comprar o livro
Acha que, de um modo geral, as pessoas não sabem o suficiente sobre os crimes que foram cometidos na Rússia [URSS]? Acha que não existe uma verdadeira consciencialização para o que aconteceu depois da revolução?
Enfim, [o que aconteceu] é conhecido, mas pouco. Toda a gente sabe os nomes dos campos de concentração nazis. E ainda bem, fico contente com isso, mas quase ninguém, ninguém [consegue] citar um só nome de um [campo] do GULAG. Sabemos que aconteceu, e é só. E, além do mais, há pessoas que pensem que isso nem sequer acontece. Fui agredido num encontro público por um velho estalinista que achava que o GULAG não tinha existido. “Calúnias!”

Com o Holocausto acontece a mesma coisa. Há quem ache que nunca aconteceu.
Sim, há idiotas em todo o lado.

Assinalou-se em 2017 o centenário da Revolução de Outubro. Isso não deveria ter sido uma oportunidade para repensar o que aconteceu em 1917 e nos anos seguintes?
O pior é que na Rússia todos tiveram membros da família que sofreram, mas, no geral, as pessoas não querem falar nisso.

Têm medo.
Sim, sim.

Visita regularmente a Rússia desde 1986. O que é que mudou?
As cidades mudaram muito. Hoje em dia, são semelhantes às de qualquer outro sítio. Mas, noutros pontos do país, a vida é por vezes pior do que era antes. Antes ainda havia uma série de coisas públicas que funcionavam mais ou menos [bem]. Agora, as pessoas estão abandonadas. Mudou nos dois sentidos. Também conheço um pouco da China e, atualmente, existe uma ditadura pior do que a russa. Apesar de tudo, na Rússia ainda há oposição. É atacado, mas existe. Isso não acontece na China. Este livro, O Meteorologista, foi banido lá. Foi traduzido, chegou às livrarias mas depois retiraram-no.

Com que justificação?
Nenhuma. Encontrei-me com a minha editora e ela disse-me que nem lhe deram uma explicação por escrito, foi só um telefonema. E foi isso. Mas penso que a justificação esteja no facto de falar sobre crimes cometidos por um partido comunista.

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