Segundo o diário secreto do
primeiro chefe do KGB, general Ivan Serov, publicado em
2016, o diplomata e humanista sueco, Raoul Wallenberg, conhecido
pelo seu papel na salvação de milhares de judeus húngaros, foi assassinado numa
cadeia moscovita em 1947, após a sua prisão ilegal em Budapeste pelas
autoridades soviéticas.
A neta do general, Vera Serova que descobriu e publicou os diários |
O diário do Serov, que chefiou
o KGB entre 1954 e 1958 foi achado quatro anos atrás pela sua neta Vera Serova,
que herdou a dacha do general e começou fazer as obras no imóvel. Os diários
estavam escondidos num compartimento secreto do edifício. O secretismo
explica-se pelo facto do que em 1963, na sequência do descobrimento no seio do GRU do agente ocidental Oleg Penkovsky, Serov foi expulso
do GRU e do partido, rebaixado 3 degraus na hierarquia militar soviética. Em
fevereiro de 1971, o chefe do KGB, Yuri Andropov enviou ao Comité Central do PCUS
a nota com mais alto nível de secretismo, informando que o ex-general Serov “durante
os últimos 2 anos está ocupado à escrever as memórias sobre as suas atividades
políticas e públicas” (fonte).
Uma das últimas fotos do Ivan Serov, Moscovo, 1989 |
De acordo com a informação
do Serov, o diplomata sueco foi assassinado em Moscovo pela ordem direta do
Estaline e Molotov. “Não tenho dúvidas que Wallenberg foi liquidado em 1947”, a
frase do general Serov é citada pelo jornal The
New York Times. O diário do general também menciona alguns documentos
anteriormente desconhecidos, sobre o Wallenberg, nomeadamente a informação
sobre a cremação do seu corpo.
As memórias do Serov,
que morreu do ataque cardíaco em 1999, aos 84 anos foram publicados em 2016 na
Rússia sob o título: “Ivan Serov. Notas de uma mala. Os diários secretos do primeiro chefe do KGB,
encontrados 25 anos após a sua morte”. Os diários são reunidos num único
volume que contém 688 páginas.
A capa da edição russa das memórias do general Serov |
Wallenberg, que no
final da II G.M. ocupava o cargo de Primeiro Secretário da Embaixada da Suécia
em Budapeste salvou do Holocausto nazi milhares de judeus, emitindo lhes os passaportes
suecos. Sabe-se que após a
ocupação do Budapeste pelas tropas soviéticas, Wallenberg foi preso pelo NKVD
sob suspeita de espionagem e enviado para Moscovo, onde foi mantido na famigerada
prisão de Lubyanka. Wallenberg nunca mais voltou da URSS. Os dados precisos
sobre a sua prisão e as circunstâncias da sua morte são desconhecidas até agora.
Alexandra M. Kollontai,
a embaixadora soviética na Suécia, inicialmente disse a mãe de Wallenberg que o
diplomata estava sob custódia soviética, mas voltou atrás na sua própria
palavra quando o Kremlin anunciou oficialmente que nada sabia sobre o
caso. Na década de 1950, quando Moscovo começou a libertar os prisioneiros de
guerra alemães, alguns relataram que conheceram um prisioneiro VIP. Alguns o
chamavam de “misterioso”; outros sabiam o seu nome. Suécia novamente começou fazer
perguntas insistentes, e Kremlin, na tentativa de efetuar a operação de charme divulgou
um relatório em 1957. Segundo este documento, um relatório médico soviético indicava
que Wallenberg, de 34 anos, morreu de um ataque cardíaco na prisão moscovita em
julho de 1947 – uma tentativa soviética de encobrir a verdade.
Uma das últimas imagens do Raoul Wallenberg, Budapeste, 1945 |
As memórias do Serov
também mencionam o relatório sobre a cremação de Wallenberg e outro documento, citando
Viktor Abakumov que
precedeu Serov como chefe de segurança do Estado, mas que foi julgado e executado em
1954 nos últimos expurgos estalinistas. Abakumov, aparentemente, revelou durante
o seu interrogatório que a ordem de “liquidar” Wallenberg veio do Estaline e
Vyacheslav Molotov, o ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS.
Como explica Nikita
Petrov, um historiador da organização russa “Memorial”, especializado na era estalinista
e na figura do próprio Serov, a palavra “assassinado” nunca aparece em nenhum
dos documentos oficiais soviéticos. “Eles não usam essa palavra”, disse Petrov.
“Eles disseram que parece que ele [Wallenberg] foi morto, mas não sabemos nada
sobre isso, não temos quaisquer documentos. No diário de Serov, você pode
encontrar esta palavra como um facto consumado”.
Em meia dúzia de
páginas dedicadas ao caso Wallenberg – um pouco esboçadas e escritas em
linguagem burocrática seca, Serov disse que Nikita Khrushchev, o sucessor do Estaline
na liderança soviética pediu-lhe para investigar o caso para poder responder a
Suécia e ajudar à expurgar Molotov. Serov escreveu que em última análise, ele
não conseguiu descobrir todas as circunstâncias da morte de Wallenberg e não
encontrou nenhuma evidência de que ele tinha sido um espião.
O documento mais
importante que nunca foi divulgado publicamente é uma carta de Abakumov ao
Molotov datada de 17 de julho de 1947, que os investigadores acreditam contém
os detalhes da morte de Wallenberg. No material de arquivo que foi divulgado,
os investigadores encontraram uma nota rabiscada no canto inferior de uma outra
carta dizendo que “Ab” (Abakumov), escreveu uma carta pessoal ao Molotov, até
com o número da referência de tal documento. A carta № 3044/a foi
listada no registo de cartas emitidas pelo KGB, mostrando que essa foi
despachada em 17 de julho e indicando que se tratava de Wallenberg. Um
memorando diferente disse que tinha sido recebido. Mas a carta real nunca foi
encontrada. “A explicação russa para isso é que a carta era pessoal e
particularmente sensível no conteúdo”, disse o relatório conjunto da comissão russa-sueca
do ano 2000.
Marie Dupuy, a sobrinha
de Wallenberg e herdeira do esforço contínuo do clã para desenterrar a verdade,
disse que ela gostaria de ver os diários originais e pedir ao FSB, a sucessora
do KGB, os documentos mencionados pelo Serov. Em 2015, os historiadores com
longa experiência sobre o caso organizaram a Iniciativa de Pesquisa Raoul
Wallenberg, uma renovada, tentativa internacional de fazer a busca
pormenorizada nos arquivos, compilando uma lista de 33 páginas de perguntas ao
governo russo. A assessoria de imprensa do FSB não respondeu se iria conceder
acesso aos documentos, mencionados pelo Serov, nem tão pouco se iria cooperar
com a nova investigação.
O crachá № 002 do tenente-general Ivan Serov que confirma a sua pertença ao Ministério do Interior soviético |
Provavelmente, a
atitude russa subjacente foi sucintamente resumida por Khrushchov, citado pelo próprio Serov,
após ser informado sobre o caso: “Esses canalhas”, ele latiu, se referindo ao
Estaline e ao seu círculo, “prepararam essa papa podre e nós temos que engolir a
merd@”.
Nota
Usando o seu estatuto diplomático,
Raoul Wallenberg emitia aos judeus húngaros os “passaportes de proteção”, que conferiam
aos seus detentores o estatuto de cidadãos suecos à aguardar pelo repatriamento.
Wallenberg também convenceu alguns generais alemães não seguir as ordens de
Hitler de deportação de judeus para os campos de extermínio, ameaçando-os com a
punição pelos crimes de guerra, e, assim, impedindo a liquidação do gueto de
Budapeste nos últimos dias antes da chegada do RKKA. No total, Wallenberg
conseguiu salvar pelo menos 100.000 judeus húngaros. Note-se que dos cerca de 800.000
judeus que vivem na Hungria antes da II G.M., apenas 204.000 sobreviveram o
Holocausto nazi.
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