A
operação secreta Akce Kameny
(literalmente “ação Pedras”) foi uma das maiores emboscadas criadas
pelo regime comunista da Checoslováquia. Organizada com intuito de liquidação
de oponentes do regime, resultou em uma série de processos e perseguições dos cidadãos
que tentavam escapar do totalitarismo checoslovaco.
por:
Dominika Bernáthová de Rádio
Praha
Após
estabelecimento do regime comunista em 1948, muitos intelectuais da Checoslováquia
estavam cientes de que o regime não iria deixá-los em paz e optaram por
emigrar. Outros não estavam planeando deixar o país, mas recebiam uma
advertência falsa da possível prisão. Tudo isso fazia parte de uma armadilha da
fronteira falsa, criada pela secreta comunista StB.
O
historiador do Instituto Militar em Praga, Prokop Tomek, explicou à Rádio Checa
os contornos daquela artimanha: “A polícia secreta comunista capturava aqueles
que queriam migrar através de um complexo sistema de falsos “coiotes”. A ação
Kameny foi realizada em pelo menos dois locais na Bohemia Ocidental, em
Všeruby, perto da cidade de Domažlice e nos arredores de Mariánské Lázně
(Marienbad)”.
Os
assim chamados “coiotes”, os passadores falsos, operavam durante a noite para
que os imigrantes não percebessem que estavam em uma fronteira
checoslovaca-alemã fictícia, alegadamente na zona de ocupação americana, cujos
bastidores foram preparados em pormenor. No escritório falso do “serviço de
inteligência dos EUA” havia a bandeira americana, o retrato do presidente dos
EUA, oficiais com inglês perfeito, cigarros Lucky Strike e uns copos de uísque.
As crianças recebiam o chocolate suíço. O agente do setor IV ao serviço do StB, Amon
Tomašoff (Tonny) representava, habitualmente, o “oficial americano”. Os agentes
nem esqueceram de colocar as pedras naquela “fronteira”, o que deu o nome de
código à sua operação.
“Dezenas
de inmigrantes tiveram a impressão de que eles realmente estavam do outro lado da
fronteira. Aqueles que descobriram a armadilha, não tinham mais chances de
escapar. Outros só percebiam que era uma armadilha quando eram levados à prisão”.
Acreditando
que eles estavam do outro lado da fronteira, no mundo ocidental, muitos
imigrantes revelavam durante o interrogatório os pormenores de suas atividades,
reais ou inventadas, contra o regime comunista e também entregavam os detalhes
sobre os companheiros que ainda viviam na Checoslováquia.
Os
cenários praticados pela secreta StB eram diferentes. Uma das mais frequentes
consistia em uma prisão “súbita” dos emigrantes em fuga, efetuado pelo serviço
da guarda-fronteira da Checoslováquia. Os imigrantes eram parados durante a sua
caminhada para um suposto campo de refugiados, acusados de abandonar o país,
mesmo que, na realidade, nunca tinham cruzado a fronteira. Além disso, por
diversas vezes as vítimas eram alvos de roubo dos objetos valiosos que levavam
consigo. Em muitos casos, depois disso os seus amigos e familiares também
acabavam na prisão. Em alguns casos, as prisões eram fruto de vinganças pessoais. As penas impostas a alguns destes cidadãos chegaram aos 15 anos.
Os
comunistas checoslovacos também selecionavam as vítimas de acordo com as suas
propriedades, para as confiscar mais tarde. É provável que esse foi o caso da
família de Jan Prošvic, fundador de uma marca checa de eletromdomésticos. A sua
mansão mais tarde se tornou propriedade do presidente comunista da Checoslováquia,
Antonín Zápotocký.
A
“ação Kameny” terminou em 1951 quando Checoslováquia construiu o muro de arame
farpado na sua fronteira ocidental. Para o final da operação também contribuiu
uma queixa dos norte-americanos que acusaram as autoridades checoslovacas de
usar abusivamente os seus símbolos nacionais.
A
verdade sobre a armadilha comunista começou a vir à tona em 1968, durante a
Primavera de Praga, mas o primeiro caso só veio ao tribunal mais de meio século
depois, em 2013. O impulso para iniciar a investigação veio do professor checo
de história e das relações internacionais, Igor Lukeš que conheceu nos EUA uma
família afetada. O estudioso não queria que o caso caia no esquecimento e
começou a investigar.
Descobriu-se
que o cérebro de operação era o agente da secreta comunista Evžen Abrahamovič
(nascido em 1921 e conhecido como “doutor Breza”), então de 92 anos. Embora com
a avançada idade a sua sentença poderia ter uma dimensão bastante simbólica,
Abrahamovič no fim do julgamento não foi condenado. Em 2014 ele morreu em
Praga.
Não
se sabe o número de pessoas afectadas por esta armadilha comunista porque o
caso não foi suficientemente investigado dado que muitos documentos importantes
foram perdidos e por a falta de provas, de acordo com o jornalista checo Luděk
Navara.
“Talvez
tenha sido uma vergonha para as vítimas desta operação. Eles não querem falar
porque se sentiam culpados por não perceber que era uma armadilha e, sem saber,
também traíram os seus amigos e colegas. Outra razão é que a operação foi
secreta e preparada em grande detalhe. Os vestígios foram apagados. Eu acho que
o facto de que a investigação não foi lançada mais cedo foi um erro”.
A
“ação Kameny” e as histórias de seus protagonistas e das suas vítimas são
descritos no livro Kámen (2013) da pesquisadora Václava Janečková.
As
armadilhas semelhantes foram, pela primeira vez, criadas na União Soviética nos
anos 1930, destinadas às pessoas que poderiam querer abandonar o Estado
totalitário. As operações semelhantes da Checoslováquia comunista estavam, na
ordem do dia, especialmente na década de 1940-1950, como a Akce
Světlana da qual falaremos numa das próximas oportunidades.
Blogueiro
Em
1974-79, a televisão estatal checoslovaca lança a série propagandista “Třicet případů
majora Zemana” (Trinta casos do major Zeman) que conta a história fictícia do
oficial da secreta checoslovaca, Jan Zeman e da sua luta incansável contra os “inimigos
da pátria socialista”. O 6º capítulo, com o nome “Bestie” (Besta) pretende dar a
interpretação socialista aos factos sucedidos na ação Kameny. Segundo os criadores da série,
os “coiotes” eram apenas criminosos que se aproveitavam dos cidadãos que
queriam abandonar o país, enquanto a secreta comunista, como dizia o herói principal, major Zeman, garantia que “o estado socialista protege todos os seus
cidadãos”.
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