quarta-feira, agosto 01, 2018

Os três jornalistas investigativos assassinados em África

Na República Centro Africana foram assassinados dois jornalistas russos e um ucraniano, que estavam rodando o filme documental sobre as atividades mercenárias da empresa militar privada (EMP) russa “grupo Vagner” neste país.

Os nomes dos jornalistas foram avançados pela TV russa “Dozhd”, os assassinados são o realizador russo Aleksander Rastorguev (1971); repórter militar russo Orhan Dzhemal (1966) e cameraman ucraniano Kirill Radchenko (33). Na RCA eles estavam engajados no projeto conjunto com o “Centro de gestão investigativa” (tzurrealism); oficialmente, os seus nomes ainda não foram revelados nem pelas autoridades locais ou russas, nem pelo MNE da Ucrânia.

Como informa Reuters tudo aconteceu nos arredores da localidade de Sibut, localizada cerca de 200 km a nordeste da capital Bangui. Os jornalistas se dirigiam para a cidade de Bambari, várias agências noticiosas escrevem que o assassinato aconteceu num dos postos de controlo na estrada pela qual circulavam os jornalistas.

Henri Dépélé, prefeito de Sibut, contou à Reuters, que os jornalistas foram emboscados por volta das 22 horas locais (21h00 GMT) do dia 30 de julho, por homens armados escondidos na vegetação ao longo da estrada pela qual viajavam; a viatura deles foi metralhada. Ao contrário dos passageiros, o motorista sobreviveu e já prestou os depoimentos às autoridades locais.

Um porta-voz da presidência da RCA, Albert Yaloké Mokpémé, disse que os corpos das três vítimas “aparentemente européias” foram encontrados perto de Sibut por soldados do exército regular.

A fonte da página russa Zona.Media disse que os jornalistas estavam indo à uma reunião com o fixer – pessoa que deveria ajudá-los a trabalhar na RCA – e levavam consigo os equipamentos de filmagens caros.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, informou aos jornalistas que os diplomatas russos já foram identificar os corpos. A ex-esposa de Dzemal, a jornalista do jornal russo Novaya Gazeta, Irina Gordienko, disse ao canal The Bell que identificou o corpo do marido pela fotografia que recebeu pelos canais diplomáticos.

Quem são os jornalistas mortos?

Graduado pela Academia de São Petersburgo de Artes Cénicas, Aleksandr Rastorguev tornou-se um dos representantes mais proeminentes do novo cinema documentário russo – nos seus filmes os heróis tinham muito mais liberdade do que era costume na tradição soviética; as vezes eles recebiam do realizador a câmara, para pudessem filmar as suas próprias vidas.
Aleksandr Rastorguev | Rádio Svoboda
Rastorguev fez alguns projetos em conjunto com o diretor Pavel Kostomarov e jornalista da TV russa NTV Alexei Pivovarov – como a série de documentários “Srok” (O termo), sobre os protestos liberais russos de 2011-2012.

Orhan Dzhemal era filho do conhecido acadêmico e ativista islâmico russo, Geydar Dzhemal (1947-2016). Geólogo de profissão, Orhan Dzhemal se tornou o repórter militar, trabalhava para a edição russa de Newsweek. Em 2008, no decorrer da guerra russa contra Geórgia, Dzhemal estava “acamado” com o batalhão checheno “Vostok” (Leste), a unidade que em 2014-15 participou nas atividades terroristas no leste da Ucrânia. O repórter já trabalhou em África, nomeadamente escrevendo para a Newsweek, Dzhemal passou por uma cadeia na Somália.
Orhan Dzhemal | Rádio Svoboda
Em 2011, como repórter do jornal russo “Izvestia” cobriu a guerra na Síria, foi gravemente ferido numa das pernas. Após a recuperação se dedicou aos ensaios, se recusava de ter um olhar objetivo e enfatizava que olha ao mundo como um muçulmano.

Orhan Dzhemal criticou a ocupação russa da Crimeia e chamava à si próprio de “ukrop” (literalmente endro, também é o nome que os russo-terroristas usam para descrever os ucranianos da atual guerra russo-ucraniana), escreve a página ucraniana Novynarnia.com

Pouco se sabe sobre o terceiro morto, o cameraman e cidadão ucraniano Kirill Radchenko. A julgar por suas contas nas redes sociais, ele tinha 33 anos de idade. Trabalhou numa série divulgada exclusivamente na Internet, colaborava com uma agência de notícias pró-separatista, passou pela Síria como cameraman, “acamado” com as forças do regime de Damasco.
O cameraman e cidadão ucraniano Kirill Radchenko | Facebook
Apesar de vários conselhos não irem à República Centro Africana, os jornalistas pretendiam fazem o filme documental sobre os mercenários russos em África. A sua viagem foi preparada durante cerca de 6 meses e se deu devido aos fortes rumores do que neste país africano desde 2018 são vistos os militares ou mercenários russos que alegadamente treinam as forças governamentais.  

O blogue francês Lignes de defense escreveu que nos arredores de Sibut deveriam decorrer os exercícios militares do exército governamental. Os jornalistas receberam as informações que no local poderiam estar os assessores militares russos e possivelmente os mercenários do “grupo Vagner”.

O Instituto Independente da Defesa dos Direitos Humanos (IPIS) divulgou em dezembro de 2017 o relatório, que afirmava que nas estradas da RCA foram instalados pelo menos 284 postos de controlo: 115 são controlados por tropas governamentais, cerca de 150 pela coligação/coalizão de oposição Séléka, os restantes pertencem aos diversos outros grupos paramilitares.
Diversos postos de controlo nas estradas da RCA
O jornal russo Novaya Gazeta, citando as fontes do francês Le Monde, escreveu no início de junho de 2018 que os mercenários russos apareceram no país em forma de “instrutores civis” da unidade de proteção do presidente Alexandre-Ferdinand Nguendet.
Possivelmente um dos elementos do "grupo Vagner" | Foto: facebook.com/presidence.centrafrique
A publicação escreveu sobre a chegada à RCA, no início de 2018, de cinco oficiais russos e até 170 “instrutores civis”. Formalmente todos eles trabalham para duas empresas militares privadas – Sewa Security Services e Lobaye, Ltd. No entanto, dizem os especialistas, ambas servem apenas como a cobertura para a EMP russa “grupo Vagner”, associada ao empresário Eugeniy Prigozhin, conhecido como “cozinheiro do Putin”.
Possivelmente os elementos do "grupo Vagner" | Foto: facebook.com/presidence.centrafrique
“Novaya Gazeta” também escreveu que os mercenários russos foram vistos no Burundi e no Madagáscar, informação sem a confirmação documental e sempre desmentida pelas autoridades russas.
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No dia 31 de julho, a publicação russa Lenta.ru escreveu que no decorrer dos exercícios militares, os combatentes [russos] mataram um civil africano. Revoltados, os moradores locais decidiram se vingar e lincharam o mercenário russo.

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