sábado, junho 02, 2018

KGB e Ucrânia Soviética na Expo-67 em Montreal

Em 1967, a União Soviética participa na Expo-1967, organizada na cidade canadense de Montreal. O KGB recebe do Estado soviético a tarefa titânica de fazer tudo para que a Diáspora ucraniana no Canada e nos EUA não se manifeste, no decorrer do certame, à favor da Ucrânia livre.  
Contactos do KGB com agência de inteligênci canadense
Os chekistas soviéticos estimam o número dos potenciais ativistas ucranianos em cerca de 7.000 pessoas. São residentes da Diáspora ucraniana nas várias cidades do Canada principalmente do Toronto e de Winnipeg (prefeito da qual era um ucraniano étnico) e dos Estados Unidos (Nova Iorque, Chicago e Filadélfia). Nos seus memorandos secretos KGB fala em comboios especiais dos “banderistas” e até de um plano ucraniano de alugar uma aeronave desportiva para espalhar os cartazes anti-soviéticos.
O alegado plano ucraniano de alugar uma aeronave desportiva
Para baralhar os planos ucranianos, as autoridades soviéticas adiaram, por 6 dias a inauguração do Dia da Ucrânia Soviética. Além disso, KGB estava executar o trabalho titânico. Eles negociaram com as autoridades locais, com a polícia e com agências de inteligência canadenses (que naturalmente preferiam evitar todos os possíveis escândalos na Expo), estavam em negociações com as diásporas russa, lituana e arménia, e com as organizações ucraniano-canadenses “progressistas”, isso é, de tendência comunista e leais à União Soviética (por exemplo, a AUUC/TOUK) e até mesmo também com os que não eram muito leais).
Contatos entre KGB e as organizações ucraniano-canadenses “progressistas”
KGB usava os mais diversos truques para afastar do pavilhão soviético todo os ucranianos da Diáspora, que URSS considerava como nacionalistas.
Por exemplo, no dia 22 de agosto de 1967, quando no pavilhão soviético se celebrava o dia da Ucrânia Soviética, os membros das organizações ucraniano-canadenses de inspiração comunista (AUUC) e também os emigrantes lituanos, letões e arménios receberam 500 convites para participarem nas “ações em massa, organizadas na Expo”.
As perguntas favoráveis à URSS, “inspiradas” por KGB (marcadas à vermelho)
O KGB previa que nas tribunas do Pavilhão de Nações haverá pouca gente favorável à URSS e à sua ideologia comunista, por isso e para “garantir uma atmosfera favorável”, decidiu enviar o máximo de cidadãos soviéticos (“funcionários do pavilhão, dos pontos de venda, os marinheiros soviéticos”) para preencher os lugares nas tribunas, impedindo aos ucranianos de participar ativamente e de se manifestar em apoio à Ucrânia livre.
As perguntas favoráveis à URSS, “inspiradas” por KGB (marcadas à vermelho)
Na conferência de imprensa, o KGB usou os seus “laranjas” para estes fazerem as perguntas favoráveis, “inspiradas por nos”. Apesar disso, vários os jornalistas fazem perguntas incómodas e diretas: “Porque Ucrânia, sendo membro da ONU [desde 1945] não possui as suas representações no exterior?”; “Como está a questão do ensino da língua ucraniana em outras repúblicas soviéticas?”; “Porque os escritores ucranianos detidos [dissidentes] estão cumprir os seus termos prisionais na Rússia Soviética e não na Ucrânia Soviética?”; “Porque o Ministério da Educação [da Ucrânia Soviética] foi transferido de Kyiv para Moscovo?”; “Se vocês estão tão preocupados em honrar a memória dos mortos na [II] guerra [mundial], porque não se preocupam em preservar a memória dos escritores [ucranianos] que morreram nos anos da vigência de culto de personalidade do Estaline?”, entre outras.

 
2.500 bilhetes soviéticos grátis aos membros da polícia e da secreta canadense
Para garantir a cooperação policial e dos serviços de inteligência canadenses, a União Soviética oferece 2.500 bilhetes grátis aos membros destas forças, para um concerto musical soviético em Montreal no dia 21 de agosto de 1967. Em troca, os polícias prometem enviar 500 agentes trajados à civil, para que no dia seguinte, 22 de agosto, estes se passem por público, preenchendo os lugares nas tribunas, nos locais que KGB considera como “mais preocupantes”.
As tribunas preenchidas por “organizações emigrantes progressistas”
No dia 22 de agosto de 1967, duas horas antes do início das actividades do Dia da Ucrânia Soviética, todas as tribunas na Praça das Nações foram preenchidas, com supervisão do KGB pelos “organizações emigrantes progressistas, ucranianas e outras, representantes da colónia local arménia, funcionários da embaixada soviética e turistas soviéticos, representantes do poder e da polícia canadenses”.
“Um turno executava as suas tarefas normais e outro turno,
estava apenas vigiando os visitantes”
No dia 22 de agosto de 1967 os funcionários soviéticos do Pavilhão Soviético trabalhavam em dois turnos, “um turno executava as suas tarefas normais e outro turno, estava apenas vigiando os visitantes”. Devido às dificuldades criadas pelas autoridades canadenses (ao mando do KGB e da embaixada soviética) em divulgar os panfletos, as organizações ucranianas simplesmente publicaram, pelo menos, por duas vezes, este material informativo nos jornais de Montreal.
Os da diáspora arménia e lituana “forneceram um apoio considerável”
ao KGB e ao “pessoal soviético”
Os representantes da diáspora arménia e lituana, “forneceram um apoio considerável” ao KGB e ao “pessoal soviético”, nomeadamente, “levaram à praça das Nações um grande número das pessoas, apesar de que os eventos decorreram num dia de trabalho no horário de expediente”.  

No fim, o chefe do KGB da Ucrânia Soviética, general Vitali Nikitczenko (que tinha a fama de ser um “liberal”), enumera os benefícios do trabalho árduo dos seus chekistas:  
Se pode prever que o complexo de ações, realizados em conexão com a preparação e execução do dia da Ucrânia Soviética, irá exercer uma certa influência sobre os ucranianos locais, reacender neles o interesse pela Ucrânia Soviética, aumentará as tendências de trocas culturais com Ucrânia Soviética, levará à separação continia dos curcuitos da emigração ucraniana.    

Documentos dos arquivos dos SBU, publicados pelo Edward Andriushchenko.

Bónus
Ucraniano chefe dos moicanos
Na mesma Expo-67, decorriam os Dias da cultura soviética, atendidas pelo dançarino checheno Mahmud Esambaev, que mais tarde quis ver as danças dos índios canadenses. Numa das reservas indígenas ele foi recebido por um homem alto e forte de pele clara, embora pintado e vestido ao preceito tribal. Ao lado dele estava uma bela mulher índia. O índio fez a vénia e disse: “Bem vindo! Por favor, entre na minha cabana”. Tudo isso em língua ucraniana. Assistindo a incredulidade do Esambaev, o índio explicou que ele é ucraniano, natural da região de Poltava e se chama Ivan Datsenko, mas que na tribo é conhecido pelo nome de Piercing Fire ou Pocking Fire (Aquele Que Furou o Fogo). Naquele encontro Ivan Datsenko mostrou-se grande apreciador do canto, cantou várias músicas populares ucranianas, incluindo “Rozpriahayte, hloptsi, koney”. Mais tarde ucraniano e checheno se tornaram amigos, chegaram à trocar a correspondência.

Nove anos depois, em 27 de julho de 1976, na partida de semifinal dos Jogos Olímpicos, entre as seleções da RDA e da União Soviética (2:1), à decorrer no mesmo Montreal, o campo foi “invadido” pelo jovem ucraniano, trajado de camisa bordada ucraniana vyshyvanka, ele dançou hopak, agitou a bandeira ucraniana e gritou “Liberdade à Ucrânia!”.
A bandeira ucraniana no jogo RDA – URSS em 1976
Era Danylo Myhal (na altura com 20 anos de idade e hoje com cerca de 62), membro da União da Juventude Ucraniana (SUM) de Thunder Bay (Ontário). Uma hora após a sua detenção pela polícia canadense ele foi libertado sem nenhuma acusação. Danylo fazia parte dos cerca 150 jovens ucranianos que colocaram nas tribunas uma grande bandeira ucraniana, de cerca de 9 metros e vestiam as camisas bordadas com o slogan: “Liberdade à Ucrânia”.
   

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