quinta-feira, junho 28, 2018

8 factos que você (possivelmente) não sabia sobre George Orwell e a sua distopia «1984»

Diversas distopias tenham sido escritas antes e depois de “1984” do George Orwell – mas foi a sua obra que, de uma forma fundamental e com muita precisão registou os horrores do totalitarismo de esquerda, apoiados pela propaganda estatal sem limites.

A luta contra totalitarismo
Em dezembro de 1936, George Orwell chegou à Espanha – para participar na guerra civil nas fileiras do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), partido oposto à influência de Estaline e em luta contra os nacionalistas. Na Espanha, Orwell passou cerca de seis meses até ser ferido por um atirador alemão. O tiro atingiu o pescoço do escritor e, de acordo com suas memórias, muitos disseram que, após essa lesão, apenas os sortudos sobrevivem. Embora o próprio Orwell tivesse uma opinião ligeiramente diferente, e acreditava que, se ele realmente fosse um homem de sorte, simplesmente seria capaz de evitar o tal ferimento. Em julho de 1937, o escritor retornou à Grã-Bretanha e, após a recuperação no sanatório do condado de Kent, começou a trabalhar na novela “Em memória da Catalunha”, na qual ele descreveu sua experiência de luta armada contra o totalitarismo nazi.
Orwell na BBC
Com o início da Segunda Guerra Mundial, Orwell novamente tentou ir à frente, mas em 1938 ele foi diagnosticado com tuberculose – não conseguindo passar pela comissão médica. No entanto, ele lutou contra os nazis na guerra de propaganda: durante dois anos ele estava conduzindo o seu próprio programa na BBC.

O romance “1984” nasceu de uma parábola sobre o golpe bolchevique russo de 1917
A capa da edição britânica da “A Revolução dos Bichos” | “A Quinta dos Animais”
Em 1946 Orwell publicou um ensaio intitulado “Por que eu escrevo”, no qual ele disse que quase todas as suas obras, ele direta ou indiretamente queria prejudicar o totalitarismo. Uma das suas obras mais conhecidas é a sua distopia “A Revolução dos Bichos” (no Brasil) ou “A Quinta dos Animais” (em Portugal): no exemplo de uma farma/fazenda – onde os animais domésticos se revoltaram e expulsaram o seu mestre – o autor descreveu a forma como as ideias de igualdade universal se transformam numa ditadura brutal. Orwell trabalhou na obra entre novembro 1943 à dezembro de 1944 e não escondia o facto de que seu conto é uma sátira sobre os acontecimentos da Rússia bolchevique de 1917.
"Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros" - uma das principais frases da obra
A tradução ucraniana da distopia “A Revolução dos Bichos” (sob o nome Kolkhoze dos animais) foi a primeira tradução estrangeira da obra, publicada em 1947. Ao pedido dos refugiados políticos ucranianos, George Orwell deu a sua autorização para a tradução, prescindiu dos honorários e até suportou financeiramente a edição ucraniana. O tradutor ucraniano, Ihor Shevchenko (mais tarde se tornou o professor em Harvard), que na altura usava o pseudónimo Ivan Chernyatynskiy, optou pela palavra kolkhoze, para melhor situar os seus leitores contemporâneos. 
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Quase 45 anos após a publicação original do livro, na URSS, foi publicada a sua tradução russa, nas páginas da revista letã “Rodnik”, já após o início da Perestroika, em 1988.

Absurdo lendário “2 + 2 = 5” como tributo aos planos quinquenais soviéticos
“Assignment in Utopia” com autógrafo do Eugene Lyons
No romance há um interessante reflexo do personagem principal sobre o poder do partido e do Big Brother, que não precisa muito para obrigar todos acreditarem que dois mais dois são cinco. Este absurdo aritmético – simples e terrível – foi visto pelo Orwell, de acordo como os estudiosos da sua obra no livro “Assignment in Utopia” (1937), do jornalista norte-americano Eugene Lyons, que descreveu a sua estadia na União Soviética (1928-1934). No livro essa equação foi mencionada no capítulo dedicado aos planos quinquenais soviéticos, quando o plano quinquenal alegadamente era cumprido em quatro anos.
"Aritmética do contra plano industrial financeiro, mais entusiasmo dos operários"
Cartaz de 1931 da autoria de Yakov Guminer, que morreu de fome em Leninegrado em 1942.  
Orwell usou esse absurdo aritmético no seu trabalho “Recordando a Guerra na Espanha” (1943):

«A teoria nazista simplesmente nega que existe a própria noção de “verdade”. Este é o caminho direto para um mundo horrível, onde o líder ou o partido controla não apenas o futuro, mas também o passado. Se o líder disser que algo nunca aconteceu – então não aconteceu. Se o líder quiser que dois mais dois sejam iguais a cinco – será igual ao cinco. E isso me assusta muito mais do que as bombas».

Romance poderia ter outro título
"Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força": três pilares do duplo pensamento
No processo da escrita o livro mudou seu nome por várias vezes. O primeiro título de trabalho foi “O último homem na Europa”, que mais tarde mudou para “Os vivos e os mortos”. Em algum momento, Orwell decide usar no título o ano em que se desenvolve o trama do livro. Primeiro era 1980, que passou para 1982 e, no final, ele escolheu 1984. A editora não ficou satisfeita com essa ideia e insistia para que o autor escolhesse um título que desse aos leitores pelo menos uma vaga ideia sobre o que era o livro. Mas Orwell foi inflexível e conseguiu defender a sua posição.
A obra do artista francês Guillaume Morellec, 2016
Até hoje não está muito claro por que o autor escolheu 1984 como o tempo da ação do seu romance. A versão mais comum diz que “1984” é uma espécie de “data-espelhada”: Orwell terminou o romance em 1948.

«1984» é apenas um remake livre do livro "Nós" do Yevgeny Zamyatin
Capas de diversas edições do romance "Nós"
Alguns estudiosos da obra do Orwell sugerem que existe uma enorme influência sobre o “1984” por parte da distopia Nós do escritor russo Yevgeny Zamyatin. Esta obra também é dedicada ao futuro do Estado totalitário e contém muitos paralelos com a obra de George Orwell, por exemplo, Estado Único e Benfeitor facilmente recordam Oceania e Big Brother. Orwell estava familiarizado com a obra de Zamyatin, em 1946 ele se tornou o revisor da edição britânica do romance “Nós”, assim como na sua correspondência Orwell expressou grande interesse neste tipo de literatura. 
Ilustração do romance de Zamyatin "Nós"
Tal como “1984”, a distopia de Zamiatin foi publicada pela primeira vez na URSS somente em 1988.

O destino do romance confirmou suas teses amargas
Mapa político do mundo segundo o romance "1984"
Descrevendo a política externa da Oceânia, Orwell criou a fórmula da guerra sem fim: o Estado está em constante confronto com o Ostásia, ou em seguida, com a Eurásia. As vitórias sempre foram exageradas, as derrotas foram silenciadas ou subestimadas; o conflito com uma das potências rivais foi sempre acompanhado por um acaloramento das relações com a outra, com a subsequente mudança obrigatória de papéis. No segundo capítulo do romance, esse estado de coisas foi descrito da seguinte maneira: “A Oceânia está em guerra com Ostásia / Eurásia. A Oceânia sempre lutou contra a Ostásia / Eurásia”. Os funcionários do Ministério da Verdade só precisam ajustar os documentos de arquivo, alinhando-os com os interesses atuais do partido e do Big Brother.
A obra do artista A. Romanov
Desde a sua publicação, “1984” foi percebido na URSS como literatura subversiva, destinado a enfraquecer a ordem comunista existente: a decisão foi tomada por autoridades oficiais da censura soviética, o que tornou-se público após o colapso da União Soviética e da abertura dos arquivos. Com início da Perestroika, na URSS foi dada a nova ordem para neutralizando o efeito do conjunto de artigos incriminatórios, publicados na imprensa soviética contra George Orwell na década de 1950: “A URSS é amiga / inimiga do Orwell. A URSS SEMPRE era amiga / inimiga do Orwell”.

O romance “1984” teve duas sequelas literárias

O romance sonante teve duas sequelas, escritas por dois autores diferentes e independentes um do outro.
A edição brasileira (?) de "1985" do Anthony Burgess
O primeiro romance é da autoria do britânico Anthony Burgess, conhecido pelo seu livro “Laranja Mecânica”: um romance de culto sobre a violência, imortalizado no cinema pelo Stanley Kubrick. Burgess chamou a sua novela de “1985”, dividiu-a em duas partes. Na primeira, o autor faz uma análise do trabalho de Orwell, e na segunda ele conta sua própria versão da vida no país totalitário do futuro, onde os bombeiros entram em greve durante um incêndio e as ruas são controlados pelo crime. O livro foi publicado em 1978.
A edição francesa do György Dalos
O segundo romance foi escrito pelo dissidente húngaro György Dalos e sua versão, ao contrário de Burgess, tornou-se uma continuação direta do romance “1984”. Os eventos de seu livro – também intitulado “1985” – começam com a morte do Big Brother e subsequente amolecimento gradual do sistema estatal. Romance do Dalos foi publicado em 1983.

Orwell morreu, sem saber sobre o triunfo da sua obra

Desde o final dos anos 1930 até o final dos anos 1940 – Orwell foi constantemente criticado. Primeiro, ele foi severamente atacado por representantes de vários movimentos comunistas e socialistas, que desfrutavam uma considerável popularidade na Grã-Bretanha e abertamente simpatizavam com a União Soviética (Orwell, ao contrário, era categoricamente contra a identificação do socialismo com a URSS). Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a URSS totalitária tornou-se uma aliada na luta contra o 3º Reich e os Países do Eixo, e portanto as obras críticas de Orwell foram simplesmente ignoradas. “1984” foi muito desconfortável e visto como contrário da linha geral de amizade com Estaline e com a URSS.
Orwell na capa da edição de novembro da revista Time, 1983
Terminado o romance em 1948, Orwell, recebeu a recusa de vinte editoras e conseguiu a primeira publicação apenas em meados de 1949 com a tiragem mínima de 1.000 exemplares. Seis meses depois Orwell morreu: a sua morte coincidiu com a formação da NATO/OTAN e a declaração aberta da URSS como o inimigo geopolítico do mundo livre. Em total concordância com o romance, a linha ideológica britânica mudou 180 graus: a Guerra Fria começou e o romance de Orwell foi visto como uma boa arma literária contra o comunismo. Os eventos foram uma confirmação das teses do Orwell; teses, que não perdem sua relevância até os dias de hoje [fonte].

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