terça-feira, maio 29, 2018

Quem alimentava à quem na União Soviética?

Mais de duas décadas após a queda da URSS, existem pessoas que acreditam que na União Soviética a “irmã mais velha” alimentava todos as outras repúblicas “desocupadas”. No entanto, de forma paradoxal, ou não, no lugar de felicidade pela partida das tais “desocupadas” em 1991, a maior nostalgia pela União Soviética é registada na atual federação russa.

Quando, de verdade, ganhava o trabalhador soviético?
Os fãs da URSS gostam de falar sobre o “caldeirão conjunto”, onde primeiro o “coletivo” mete as suas coisas e depois a mamãe-quarenta tira as coisas de lá e as distribui à todos por igual.

Segundo as estatísticas de ONU (citadas por diversos autores russos, por exemplo AQUI), as repúblicas soviéticas tiveram os seguintes números do PIB (de maior ao menor):
No sistema económico moderno, o PIB per capita anual, dividido em 12 meses mostra o salário médio aproximado de um determinado país (por uma questão de interesse, podem verificar isso, usando Wikipedia, funciona na maior parte dos países com um erro não superior aos 20%), e é lógico – pessoa recebe em forma de renda consoante  a sua produção. Mas na URSS tudo era completamente diferente. Por exemplo, de acordo com a tabela, o trabalhador médio da Ucrânia deveria receber em 1990 cerca de 1.033 dólares mensais que à taxa oficial soviética de câmbio do dólar seria equivalente aos 1.751 rublos por mês, valendo muito mais ao câmbio paralelo.

No entanto, o salário médio na URSS não ultrapassava a quantia de 140-150 rublos mensais (237-254 dólares). E para onde ia o resto? Na verdade, todo o dinheiro ganho por uma pessoa era levado pelo Estado comunista. Já isso, inviabiliza todas às fantasias dos fãs soviéticos de que alguém na URSS “alimentava” outros – não, os simples operários a camponeses, através do seu dinheiro suado, mantinham o exorbitante aparelho estatal, que gastava esse dinheiro ao seu belo prazer.

Orçamentos das repúblicas da União
Depois, os fãs da URSS tentam provar que a Rússia Soviética supostamente “alimentava todos”, mostrando a diferença do PIB da RSFSR (17.500 dólares per capita em 1990), e, por exemplo, do Tajiquistão (5.500 dólares per capita). Alegadamente, uma vez que na Rússia Soviética as receitas eram maiores – isso significava que esta alimentava o resto da União.

No entanto, este raciocínio também está errado. O PIB do Tajiquistão Soviético, per capita, significa que em 1990, o salário médio na república poderia chegar aos cerca de 458 dólares por mês – mas os tajiques recebiam os mesmos 140-150 rublos soviéticos. Na verdade, isso significa apenas que a burocracia soviética, da mesma forma que roubava os tajiques, também roubava aos belarusos, russos e ucranianos, só que dos tajiques recebia um pouco menos. Mais uma vez, para todos os alternativamente dotados – em 1990, um tajique médio ganhava com o seu suor e trabalho cerca de 5.500 dólares por ano, recebendo às mãos alguns poucos rublos.

Para onde se drenava o dinheiro?

O resto do dinheiro ganho ia para a manutenção de um grande número de parasitas que proliferaram na era soviética, por exemplo, junto às fábricas soviéticas relativamente bem-sucedidas, em grande abundância existiam centenas e milhares de empresas e fábricas subsidiadas e simplesmente desnecessárias, cujos funcionários trabalhavam no princípio descrito por escritor e dissidente soviético Venedikt Yerofeyev no seu imortal poema Moscou-sur-Vodka – “Entregamos-lhes duas vezes ao mês as nossas promessas socialistas – eles nos mensalmente pagam o salário”. O “trabalho” da “equipa socialista” muitas vezes consistia em que os mesmos trabalhadores ora desenterravam os cabos, em seguida, os enterravam, sendo pagos por este trabalho, bebendo sem nenhuma esperança de melhorar a sua vida.
Além disso, uma incrível quantidade de dinheiro, sem nenhum controlo da sociedade civil, era gasto em várias aventuras militares, como a guerra no Afeganistão, bem como no apoio de todos os bandidos armados do 3º mundo – bastava aparecer algum grupo armado algures no Médio Oriente / Oriente Médio, Ásia, África ou América Latina que declarasse a luta contra algum governo pró-ocidental – URSS imediatamente declarava o bando de “combatentes pela paz e socialismo”, após disso enviava lhes armamento e outra ajuda material.


O funcionamento de “redistribuição de recursos” na União Soviética funcionava de seguinte maneira. Imaginem um prédio com 10 apartamentos. De todas as famílias lá residentes, trabalha apenas você e o seu vizinho, ganhando 1.500 dólares ao mês. O “camarada comandante” leva todo o seu dinheiro, deixando lhe apenas 100 dólares ao mês. Os restantes 1.400 dólares são destinados à apoiar o João alcoólico/alcoólatra do primeiro apartamento, Sérgio, também alcoólico, do terceiro, uma parte dos fundos é roubada, e os 400 dólares mensalmente vão para comprar as bebidas para um bando de vizinhos do prédio ao lado, que lutam pelo seu direito de mijar no vosso elevador, depredar/pichar as paredes e roubar as lâmpadas do espaço comum.
Já agora, as paredes de áreas comuns do seu prédio sempre estão sujas e depredadas/pichadas, e quando você pergunta sobre a reparação do edifício, o “camarada comandante” levanta um dedo para o céu e começa lhe contar as estórias da situação internacional [na Palestina, na Síria, no Iraque e na Líbia].

Presunto para a ditadura do proletariado

Сomo podemos ver, não existiu nas repúblicas da União Soviética nenhuma “alimentação de uns aos outros” – todos os cidadãos soviéticos em toda a União Soviética recebiam muito menos, pelos seu trabalho, do que mereciam – variava apenas a quantia de fundos que a burocracia soviética lhes tirava. Mas no tópico de quem é que alimentou à quem na URSS, há outro aspecto curioso – quem, de fato, produzia na URSS os alimentos e quem os consumia?
Uma quantidade absolutamente considerável de alimentos de carne e laticínios era produzida na URSS pelos Estados Bálticos, Belarus e Ucrânia – nesses países antes de 1917 (e em algumas partes – até 1939) existia excelente produção privada local, que fazia bons e excelentes enchidos, salsichas, queijos, queijos frescos e outros produtos alimentares. Após o golpe bolchevique de 1917, os comunistas simplesmente nacionalizaram as empresas, expulsaram os seus proprietários legítimos, continuando lá fabricar alguma coisa – isso aconteceu, por exemplo, com um certo número de cervejarias, talhos/açougues semi-industriais e fábricas de produção de manteiga e queijo em Belarus e Ucrânia.

O mais interessante é que a população local das repúblicas soviéticas praticamente não via, em venda livre, os produtos das fábricas locais de processamento de carnes e outros alimentos. Diversos enchidos de carne apareceram nas lojas apenas em 1991-1992, após a queda da União Soviética, na URSS as empresas locais produziam tudo isso – mas enviavam ao mítico “centro”. Literalmente, à 100 quilómetros de Minsk ou Kyiv poderia funcionar uma grande fábrica de empacotamento de carne – e na cidade, nos talhos, as prateleiras estavam vazias. Aparentemente, todos os alimentos de qualidade iam diretamente para os “cestos bonificados” da nomenclatura partidária comunista...

Assim, toda a União Soviética trabalhava para a nomenclatura soviética – alimentando-a, calçando-a e vestindo-a, e até patrocinando as suas aventuras políticas internacionais.

Ilustrações: Anzhela Dzherih | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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