sábado, abril 21, 2018

Viktor Orekhov: a história real de um KGBista bom

Na década de 1970, o capitão do KGB, Viktor Orekhov, durante quase 2 anos, arriscando a sua própria vida, tentava ajudar os dissidentes soviéticos, os avisando sobre buscas, prisões, implantação de escutas. Foi descoberto, condenado aos 8 anos da prisão severa, e mais tarde, obrigado à emigrar.

«Eu era um comunista ferrenho»

Viktor Orekhov nasceu na Ucrânia, na região de Sumy. Serviu na tropa soviética de guarda-fronteira (subordinada ao KGB), foi recrutado pelo KGB e formado na sua escola superior, especializando-se em língua turca. Como conta ele próprio, era um “comunista ferrenho”, seguro que as “amanhas cantantes” estavam muito próximas.

O seu avô materno era chefe do primeiro kolkhoze na localidade de Orekhovo na região ucraniana de Sumy. Era uma pessoa respeitada, tinha 8 filhos, três deles morreram no decorrer do Holodomor de 1932-33. Já adulto, Viktor soube que o seu avô paterno era um kurkul (kulak), o poder soviético expropriou a sua casa, terra, animais e o deportou, junto com a família, para Sibéria. Apenas o seu pai voltou à Ucrânia. Os seus tios maternos eram militares soviéticos. Eles lhe transmitiram a fé comunista: tudo por que URSS passava eram “dificuldades momentâneas”. Em breve, conseguiremos erguer o comunismo... principalmente se não existirem os inimigos...
Viktor Orekhov, jovem oficial da 5ª Direção do KGB 
Viktor se alistou no KGB para lutar contra os dissidentes, pois eles estavam, constantemente, disseminar os rumores falsos. Ora diziam e escreviam no samizdat que a safra de repolho ficou por colher, perdida na neve, que trigo não colhido foi queimado. Orekhov foi investigar e soube que tudo realmente era verdade, o caso do repolho, e do trigo... Então, afinal, samizdat diz a verdade? Porque ficou calada a imprensa estatal? Oficial também via que os dissidentes eram destemidos, prontos para tudo pela verdade. Mas continuava à trabalhar. Colhia as informações através da sua rede dos agentes e informadores, impunha as conversas de “profilaxia” aos camaradas “vacilantes”, participava nas rusgas e buscas.  

Numa das buscas ao apartamento, o capitão reparou no caderno com os “versos anti-soviéticos” (foi avisado com antecedência por um informador), o folheou e devolveu ao autor, pasmado ao seu lado, mudo e esbranquiçado: «Não precisamos disso, pode guardar». Naquele momento ele decidiu ajudar aos dissidentes.

... De seguida, nos apartamentos, onde KGB planeava uma busca tocava o telefone. Uma voz desconhecida e propositadamente destorcida avisava: se livre das evidências comprometedoras, amanhã elas virão. Os psiquiatras soviéticos, que o avaliaram no tristemente conhecido Instituto Serbsky, nas vésperas da sua primeira condenação, acharam Orekhov mentalmente saudável, apenas observaram “algum infantilismo, manifestado no desejo de uma sinceridade espiritual”.

Divulgação de segredos de Estado

O dissidente moscovita Mark Morozov era engenheiro matemático, tinha 45 anos e se dedicava à divulgação do livro “Arquipélago GULAG” do Alexander Soljenitsin. KGB seguia todos os passos do Mark, escutava ilegalmente o seu telefone, matemático foi alvo de um “processo de verificação operativa” (DOP).

Detido na saída do seu apartamento e levado ao KGB, Mark Morozov conheceu Viktor Orekhov. Na conversa que se seguia, o capitão admitiu, que sim, o telefone do dissidente estava sob escuta. Mais tarde este episódio será incriminado ao Orekhov como “divulgação de segredos de Estado”.
Orekhov e Morozov, final da década de 1970
Os dois começaram se encontrar de uma forma amigável: Morozov fornecia ao Orekhov literatura dissidente e dos direitos humanos. Os dois conversavam. Orekhov fazia apontamentos, ele acreditava que poderia elaborar a caracterização objetiva do movimento dissidente. Acreditava que poderia convencer a mais alta liderança do KGB e do Estado que os dissidentes não são inimigos do povo, que eles querem o bem da URSS.

Dos materiais do processo criminal

…Em dezembro de 1976, Orekhov avisou Morozov sobre as buscas planeadas; no inverno de 1977 — divulgou os dados de um informador do KGB; na primavera de 1978 — os dados de um outro informador do KGB.

Em janeiro de 1977 Orekhov fez aviso sobre a detenção planeada; em fevereiro de 1977 — sobre execução de ações especiais operativas e técnicas e sobre as buscas planeadas.

Investigação oficial

A futura esposa do Orekhov, Nádia, frequentava um grupo dissidente moscovita, de orientação social-democrata. Um dos membros do grupo, sindicalista Vladimir “Ded” Skvirsky (1930-1993) incumbiu Nádia conhecer um KGBista que possuía e partilhava a informação privilegiada sobre ações repressivas contra os dissidentes.

Nádia considerava que todos os funcionários do KGB eram traiçoeiros, Viktor explicava que no KGB trabalham pessoas diferentes: há conscientes, que se refugiam na bebida, outros até provocam a úlcera no estômago, para poder sair, alegando problemas de saúde; há executores indiferentes; há carreiristas que apenas pretendem subir na careira... Há desesperados... É precisa espreitar a alma de cada um para entender...

Eles se encontraram novamente duas vezes – foram ao cinema. Uma vez ela perguntou com um sorriso: se ele realmente era do KGB, se não era apenas um trote. Orekhov lhe mostrou o seu cartão de identidade real e dois falsos, que usava com mais frequência. Um dos documentos atestava que ele era funcionário de algum instituto de pesquisa científica, outro dizia que era investigador da polícia criminal moscovita – MUR. Os dois se separaram, sem suspeitar que a separação duraria 13 anos.
Viktor e Nádia Orekhov, fim da década de 1990
…Orekhov foi chamado de férias uma semana antes da data certa. Num dos corredores do serviço viu o grupo de colegas, que alegadamente iriam ao evento “T” (colocação de escuta) em casa do Vladimir Skvirsky. Viktor percebeu que Nádia, juntamente com muita boa gente, seria atingida. Correu fora do serviço e ligou do telefone público (“orelhão”) ao seu contato – Morozov, para avisar que Skvirsky terá “uma boa ventilação”, já amanha.

Passando alguns dias, Viktor Orekhov percebeu que nunca houve o tal evento “T”. Ele foi alvo de uma informação falsa. O objetivo era de seguir o seu caminho e verificar as suas ações. Isso significava ele estava sob investigação.

Em 1 de novembro de 1977 foi detido o seu informador – matemático Mark Morozov. Dissidente foi acusado de “agitação e propaganda anti-soviética” (Art. № 70 do CP da Rússia soviética), o seu crime era a divulgação de panfletos e de samizdat. Após a detenção, Morozov rapidamente foi quebrado, entregando tudo e todos: os seus amigos, conhecidos, familiares e mesmo os membros mais próximos da família. Naturalmente, ele contou tudo o que à respeito do capitão Orekhov.

…Orekhov foi detido em agosto de 1978, julgado pelo tribunal militar à porta fechada e condenado aos 8 anos de prisão efetiva (Art. № 260 do CP da Rússia soviética: “abuso de poder e negligência de serviço”). Cumpriu a pena na colónia penal especial, para os ex-funcionários da polícia, KGB e procuradoria, na atual república autónoma Mari El, perto da cidade de Yoshkar-Ola. No primeiro mês do encarceramento perdeu 15 kg do peso. O seu processo não foi mencionado nem na imprensa soviética, nem na ocidental.

Como prémio pela sua colaboração com a investigação, Morozov foi condenado aos 5 anos de deportação, sem nenhuma pena prisional. Acreditando na sua impunidade e relação especial com KGB, exilado em Vorkuta, usando o gravador, gravava o romance “Arquipélago GULAG”, lido pelas rádios ocidentais. Depois passava a gravação ao papel. KGB soube do caso e Morozov foi novamente preso e condenado aos 8 anos, sem ter em conta os seus serviços à favor da segurança do Estado. Estive num campo penal, depois foi transferido para a prisão, possivelmente, as autoridades prisionais tentaram, novamente, recrutá-lo. Morozov estava doente e quebrado psicologicamente...
Em 3 de agosto de 1986, já com Gorbachev no poder, ele se enforcou numa cela da prisão de Chistopol, quando os companheiros de cela foram ao passeio no pátio prisional. Mark Morozov tinha 55 anos e a sua morte foi anunciada pela The New York Times.

O investigador do KGB Anatoly Trofimov que conduziu o caso Orekhov, fez uma carreira de sucesso. Ele chegou, na era Yeltsin ao cargo de Vice-Diretor do FSK (Serviço Federal de Contra-inteligência – sucessor do KGB, de seguida fundido no FSB), era o chefe da Direção do FSK em Moscovo e na região de Moscovo. Em 1997, já com a patente de coronel-general, foi demitido por “violações graves no desempenho profissional”. Se tornou o chefe do serviço de segurança de uma instituição financeira russa de reputação duvidosa e, eventualmente, foi vítima de ajustos de contas entre os grupos da máfia. Em abril de 2005, ele e a sua esposa foram mortalmente baleados, por um grupo de desconhecidos, perto da entrada de sua casa.

continua...

Bibliografia:
Ler mais e/ou comprar
Igor Gamayunov, “Bog iz gliny” (Deus de barro), MIK, Moscovo, 2013 (trecho em russo);
Ler mais
Alexander Podrabinek, “Dissidenty”, (Dissidentes), AST, Moscovo, 2014 (trecho sobre Viktor Orekhov em russo).

Bónus

Bolsonaros, Brasil Paralelo, “KGB e FARC”:

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