quarta-feira, abril 25, 2018

MPLA chacinou um quarto dos 'Flechas' após fim da guerra colonial

John P. Cann, entrevistado pela agência Lusa a propósito do seu mais recente livro 'Os Flechas – Os Caçadores Guerreiros do Leste de Angola – 1965/74', publicado pela editora Tribuna da História, indicou que só numa operação, realizada em Mavinga, na província de Cuando-Cubango (sudeste de Angola), as forças do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) mataram 130 bosquímanos, escrevem Notícias ao Minuto.com

Os 'Flechas', inicialmente conhecidos por 'Corpo Auxiliar', foram uma força especial indígena criada em 1966 em resposta a uma necessidade da Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS) para a recolha de informações de interesse político-militar português no leste de Angola.
Os Flechas com Governador-Geral de Angola Camilo A. Rebocho Vaz
No início, a força criada pelo antigo inspetor da polícia política portuguesa António Fragoso Allas, com os “tentáculos” das ações desestabilizadoras portuguesas a estenderem-se também ao Congo, Namíbia, Zaire (atual RDCongo) e Zâmbia, contava com apenas oito homens, mas, até 1974, ultrapassaram os 2.000.

Os bosquímanos, recrutados entre a milenar população de caçadores-coletores que residem nas planícies e savanas do leste de Angola, Namíbia e deserto do Karoo (região semidesértica na África do Sul), têm uma pequena estatura e rosto de aparência asiática, sendo especialistas em operações de reconhecimento.

Segundo John Cann, que se reformou dos Marines em 1992, tendo, então, feito um doutoramento em Estudos de Guerra no Kings College, na Universidade de Londres, os Flechas revelaram “grande competência” em operações conjuntas com forças terrestres regulares, respondendo à PIDE/DGS, que os integrou como organização paramilitar, e também ao comandante local do Exército português.

“Quando a guerra [colonial] acabou, ficou rapidamente claro que os 'Flechas' eram um grupo em perigo. Famílias atrás de famílias foram assassinadas numa série de massacres. Num só caso, cerca de 130 bosquímanos foram mortos a tiro num genocídio sangrento nos arredores de Mavinga”, referiu historiador norte-americano.
foto @DN Portugal
“Mais tarde, foi estimado que cerca de 25% dos bosquímanos angolanos foram mortos nos primeiros sete meses de poder do MPLA. Como consequência, muitos fugiram para a África do Sul, onde se juntaram às Forças Armadas Sul-Africanas (SADF) para formar o Grupo de Combate Alfa, que se tornaria, depois, o 31º Batalhão das SWATF”, acrescentou.

Questionado sobre se há dados relativamente às baixas entre os 'Flechas' durante o período do conflito em Angola (1961/74), John Cann disse não ter encontrado, ao longo das investigações feitas, quaisquer estatísticas.

“Devem existir em algum lugar. Mas, inicialmente, os 'Flechas' eram utilizados em missões de espionagem, de recolha de informações, uma vez que eram claramente uma força passiva. No entanto, após alguns encontros desafortunados com forças inimigas, ficou claro que o arco e flecha não conseguiriam bater o armamento moderno”, afirmou.

John Cann lembrou que as coisas mudaram a partir do momento em que uma pequena patrulha de bosquímanos foi capturada e torturada.

“A partir daí, os Flechas foram armados com uma espingarda automática ligeira. A sua filosofia de combate passava por evitar o confronto direto, o que permitiu manter reduzidas as baixas. Se tivesse de fazer uma estimativa, diria que o número de baixas em combate estará no intervalo entre 1% e 2%, ou seja, entre 20 a 40 mortes”, disse.
© Getty Images MPLA chacinou um quarto dos 'Flechas' após fim da guerra colonial 
Hoje em dia, realçou o capitão-de-mar-e-guerra aposentado da Marinha dos Estados Unidos, os bosquímanos residem maioritariamente na África do Sul, onde grande parte de se integrou nas forças de segurança locais.

Questionado pela Lusa sobre como surgiu o interesse sobre a guerra que Portugal manteve durante 11 anos em Angola, Guiné e Moçambique, John Cann explicou que o primeiro contacto teve-o no outono de 1967, quando o seu esquadrão utilizava a base das Lajes (Açores) e o aeroporto do Sal, em Cabo Verde

“Era claro que Portugal estava a combater uma contra-subversão em África, mas tinha muito pouco tempo para a seguir com interesse. No final da década de 1980, tive a oportunidade de coordenar exercícios militar na sede da NATO em Oeiras. Aqui conheci veteranos das guerras em África e fiquei fascinado com as suas histórias e as campanhas para manter os territórios portugueses em África”, prosseguiu.

A tese de doutoramento versou o conflito português e, mais tarde, foi publicada no livro “Counterinsurgency in Africa: The Portugueses Way of War – 1961/1974”, que teve duas edições em Portugal, estando o autor a revê-lo para uma terceira.

Ao convite das autoridades militares portuguesas, publicou 'A Marinha em África: Angola, Guiné e Moçambique – Campanhas Fluviais 1961/74' (2009) e 'Plano de Voo África: O Poder Aéreo Português na Contra-subversão – 1961/74' (2017).

Para a série Africa@War, já publicou, em inglês, o livro 'The Flechas, The Commandos, The Paras and The Fuzileiros', 'Os Paras' saiu em Portugal em 2017 e 'Os Flechas' agora, estando previsto para breve os restantes dois.

Atualmente, John Cann está a escrever um livro similar sobre a utilização da Cavalaria nas guerras em Angola e Moçambique.

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