terça-feira, fevereiro 20, 2018

“15:17 Destino Paris”: Clint Eastwood, o extremista da simplicidade

Eastwood recria com mão de mestre o atentado falhado do comboio Thalis em 2015, em “15:17 Destino Paris”, usando os três heróis do mesmo como actores. O filme à não perder de cinco estrelas.

por: Eurico de Barros, Observador

Primeiro que tudo, vamos aos factos, apenas os factos, como diria o Sargento Friday, da velha série policial “Dragnet”. No dia 21 de Agosto de 2015, um marroquino de 25 anos, Ayoub El Khazzani, que trazia consigo armas de fogo, munições, uma faca e uma garrafa de gasolina, quis fazer um atentado no comboio de alta velocidade Thalys que ligava Amesterdão a Paris e levava 554 passageiros. Depois de ferir a tiro um homem, o terrorista foi manietado e desarmado por três amigos americanos, dois deles militares de licença e o outro estudante universitário, e que estavam de férias na Europa: Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler. Foram ajudados por Chris Norman, um homem de negócios inglês de 62 anos, residente em França. Stone ainda foi esfaqueado pelo terrorista. Não houve vítimas a lamentar e poucos dias depois, os heróis do Thalys seriam condecorados pelo presidente François Hollande.

[Veja o “trailer” de “!5:17 Destino Paris”:]

Em “15:17 Destino Paris”, Clint Eastwood recria os acontecimentos desse dia no comboio. Mas o filme, escrito pela estreante Dorothy Blyksal, não se limita a isso. Pondo os três amigos a interpretar-se a eles próprios (coisa raríssima no cinema dos EUA, só há um precedente, com o herói da II Guerra Mundial Audie Murphy, em “O Regresso do Inferno”, de 1955) e a reviver as situações por que passaram, Eastwood recorda a vida do trio desde a infância, quando se conheceram na escola, usando esse regresso ao passado para mostrar como eles se transformaram nas pessoas que viriam a impedir uma tragédia num comboio em França. Aqui chegados, importa salientar que “15:17 Destino Paris” é um filme desprovido de toda e qualquer intenção épica, livre de discursos heróicos inflamados, de empáfia patriótica e sem o menor vestígio de retórica, seja cinematográfica, seja ideológica, trabalhando nos limites da economia, da elipse, da síntese, e mesmo assim produzindo efeito formal, dramático e psicológico.

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O determinismo também não é chamado para o filme, tal como a invocação de um qualquer “destino”. Clint Eastwood está interessado em mostrar como é que pessoas perfeitamente normais são capazes de comportamentos extraordinários em circunstâncias especiais, que por uma feliz coincidência apelam a que essas pessoas ponham automaticamente em prática a formação específica que tiveram. E o realizador não omite, em nome de qualquer “efeito” dramático, o facto da Kalashnikov do terrorista ter encravado na hora “h”, ou Stone e os seus amigos, por mais iniciativa e coragem que houvessem demonstrado, teriam provavelmente sido todos abatidos e El Khazzani feito um banho de sangue no Thalys. Como disse Skarlatos posteriormente: “Escolhemos lutar, tivemos sorte e não morremos.” Tão simples e tão espontâneo como isto.

Depois de “Sniper Americano” e de “Milagre no Rio Hudson”, “15:17 Destino Paris” é o terceiro filme seguido em que Clint Eastwood trata de assuntos da actualidade envolvendo figuras reais. Só que em vez de trabalhar com vedetas como naqueles dois (Bradley Cooper e Tom Hanks, respectivamente), o realizador preferiu que os três amigos se interpretassem a si próprios, em nome de uma maior autenticidade. E a verdade é que Stone, Skarlatos e Sadler são os três tão naturais e saem-se tão surpreendentemente bem, que nos esquecemos que são eles mesmos e pensamos que se trata de actores desconhecidos a personificá-los. Faço minhas as palavras de Richard Brody na sua crítica na “The New Yorker”: gostava de os ver fazer mais coisas noutros filmes. Quem sabe até se Eastwood não os volta a utilizar.

Bónus
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17/02/2018

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