quinta-feira, novembro 30, 2017

Diários de doping Olímpico: notas que reforçam caso contra Rússia

O jornal The New York Times publicou os trechos dos diários do ex-chefe do Laboratório antidopagem de Moscovo, Grigory Rodchenkov. Isso acontece nas vésperas da reunião do Comité Executivo do Comité Olímpico Internacional (COI), que decidirá a admissão (ou não) da Rússia aos Jogos Olímpicos de 2018 na Coreia do Sul.

por: Rebecca R. Ruiz, 28/11, 2017

O químico russo Grigory Rodchenkov passou anos ajudando os atletas russos a ganharem vantagem ao usarem as substâncias proibidas. Seus diários de 2014 e 2015 descrevem os seus últimos anos como chefe de laboratório antidoping da Rússia antes de escapar aos Estados Unidos – fornecem um novo nível de detalhes sobre a fraude desportiva da Rússia nos últimos Jogos Olímpicos de Inverno [em Sochi] e a medida em que, o governo russo e as autoridades olímpicas russas estiveram envolvidas.

Suas notas, vistas pelo The New York Times e anteriormente não reveladas, falam sobre uma questão-chave para as autoridades olímpicas [internacionais]: o envolvimento do estado russo na fraude desportiva maciça. Nos últimos dias, ficou claro que o Comité Olímpico Internacional está convencido da autenticidade das notas e que é provável que estas contribuam para a decisão do grupo de aplicar as penas severas [à Rússia e aos seus atletas].
Mais tarde naquele dia [3/02/2014], ele escreveu, ele se encontrou com o ministro do desporto, Vitaly Mutko, e seu vice no escritório de Mutko em Sochi. “Passamos por todas as questões. Ele quer preservar Sochi como uma instalação de reserva. Isso é uma notícia para mim”, escreveu Rodchenkov, continuando as conversas detalhadas que ele teve com os químicos internacionais. Crédito Hilary Swift para The New York Times
Funcionários do COI anunciarão a sua decisão no dia 5 de dezembro. Se eles não banirão a Rússia por completo dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang, na Coreia do Sul, eles provavelmente manterão todos os emblemas russos fora dos Jogos: a bandeira russa não será usada nas cerimónias de abertura e de encerramento, os atletas russos competirão em uniformes neutros e o hino russo não seria tocado. Tais restrições, disseram autoridades russas, equivaleriam à uma proibição absoluta, e a Rússia consideraria o boicote das Olimpíadas de 2018.

Juntamente com as declarações ajuramentadas do Dr. Rodchenkov, os diários detalham discussões específicas sobre fraudes que ele realizou juntamente com importantes funcionários, incluindo Vitaly Mutko, o ministro do desporto da Rússia na época, que agora é vice-primeiro ministro do governo russo; Yuri Nagornykh, ex-vice-ministro do desporto de Mutko, que também pertencia ao Comité Olímpico da Rússia; e Irina Rodionova, ex-vice-diretora do centro desportivo das equipas nacionais da Rússia.

Em 13 de janeiro de 2014, o Dr. Rodchenkov escreveu que o assistente da Sra. Rodionova, Aleksey Kiushkin, lhe trouxe um coquetel de drogas conhecido entre os oficiais como “Dushes”, uma mistura de três esteróides anabolizantes com martini. O Dr. Rodchenkov havia criado essa bebida para os melhores atletas russos que participaram nas Olimpíadas, e a Sra. Rodionova a preparou e distribuiu entre os treinadores e atletas.

No dia 1 de fevereiro de 2014, ele seguiu instruções que o Sr. Nagornykh, o vice-ministro, lhe havia dado no hotel “Azimut” na noite anterior. O Dr. Rodchenkov inspecionou o prédio ao lado de seu laboratório, controlado pelo Serviço Federal de Segurança (FSB). A urina [limpa] chegou a Sochi e foi armazenada sub-repticiamente lá, mas as amostras não foram classificadas por cada tipo de desporto ou alfabetizadas por nome de atleta correspondente.

No dia 3 de fevereiro de 2014, quatro dias antes do início dos JO de Sochi, os preparativos do Dr. Rodchenkov culminaram com sua apresentação ao Sr. Mutko, o ministro dos desportos. Numa reunião no escritório do Sr. Mutko na sede do comité organizador local, o Dr. Rodchenkov entregou ao Sr. Mutko uma cópia da “Lista Dushes”, enumerando dezenas de atletas olímpicos russos que estavam ingerindo o coquetel de drogas e tinham que ter a sua urina incriminadora trocada pela urina limpa, armazenada previamente.

Nessa reunião, o ministro [Mutko] sugeriu manter o laboratório olímpico [de Sochi] aberto após os Jogos, como um lugar para experimentar novas fronteiras de doping.
Naquele dia [17/02/2017], a equipa russa de hóquei feminino foi eliminada. “Trabalhei meu turno noturno”, escreveu Rodchenkov, referindo-se à troca de urina durante a noite. Crédito Hilary Swift para The New York Times
Funcionários russos sugerem que o Dr. Rodchenkov atuava sozinho na manipulação de mais de 100 amostras incriminadoras de urina em Sochi, um ato que até o momento levou as autoridades mundiais a [anular e] pedir à Rússia que devolva 11 medalhas olímpicas.

Dr. Rodchenkov e seu advogado [Jim Walden do escritório de advocacia Walden, Macht and Haran] dizem que as notas do diário deixam claro que ele era apenas um peão num sistema controlado nos mais altos níveis do estado russo. Os documentos publicados hoje pelo Comité Olímpico Internacional indicam que eles também aceitam isso.

“Dr. Rodchenkov dizia a verdade quando ele forneceu explicações sobre o esquema de encoberta que ele geria”, disseram as autoridades olímpicas na primeira decisão disciplinar relacionada ao escândalo de doping russo, justificando uma proibição vitalícia aos 19 atletas russos até agora punidos pelos esquemas de Sochi.

O Dr. Rodchenkov disse ao The Times no ano passado que ele apontava os detalhes de seu trabalho em Moscovo de forma consciente e não usando um computador – como fazia o seu amigo Nikita Kamayev, ex-chefe da autoridade de antidopagem da Rússia (RUSADA), que morreu, subitamente, em 2016. O Dr. Rodchenkov atribuiu a morte súbita do Sr. Kamayev ao anúncio de que ele estava escrevendo um livro, de que o Dr. Rodchenkov tentou dissuadi-lo.

Ler o texto completo em inglês

quarta-feira, novembro 29, 2017

Papa recordou vítimas ucranianas do genocídio comunista de 1932-33

Imagem @Daniel Ibañez/ACI Prensa
Durante a oração do Ângelus, o Papa Francisco recordou as vítimas do Holodomor na Ucrânia de 1932-33, devido à política impulsionada pelo ditador comunista Estaline na União Soviética, a fim de promover a coletivização forçada, escreve agência ACI.

O Santo Padre saudou a comunidade ucraniana presente na Praça de São Pedro e mencionou “a tragédia do Holodomor, a morte por fome provocada pelo regime estalinista que deixou milhões de vítimas. Rezo pela Ucrânia, para que a força da paz possa curar as feridas do passado e promover caminhos de paz”.

Este dramático acontecimento histórico, que é conhecido como Holodomor ou genocídio ucraniano, começou em 1932, depois que numerosos camponeses ucranianos se recusaram à coletivização e, consequentemente, perderam suas terras, propriedades e gado.

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As autoridades soviéticas, como castigo, iniciaram um processo de requisições, punições, assassinatos e trabalho forçado.

Como consequência das expropriações maciças de gados e colheitas, e dos deslocamentos forçados de comunidades inteiras de camponeses, entre 4 [à 7] milhões de ucranianos morreram.

No sábado, 25 de novembro, foi recordado oficialmente e solenemente este acontecimento na Ucrânia, para exigir o reconhecimento internacional do genocídio ucraniano perpetrado pelas autoridades comunistas soviéticas.

Durante a comemoração também recordaram a atual guerra [russo-ucraniana] que vive o leste ucraniano e que já causou dezenas de milhares de mortes desde 2014, assim como a perda territorial da península da Crimea em favor da Rússia.

Confira também:

O papel das mulheres e desigualdades de género na URSS (13 fotos)

Falando de desigualdades de género no espaço pós-soviético é impossível omitir as raízes dessa mesma desigualdade, criada na União Soviética e, de facto, uma espécie de continuação das “gloriosas tradições soviéticas”.

Foi na URSS, sob o lema do “direito ao trabalho”, a mulher foi obrigada a trabalhar, muitas vezes em condições fisicamente difíceis e nocivos, além de desempenhar o papel de uma mulher-serva, obrigada à servir o marido e os filhos – uma imagem amplamente promovida como “normal e natural” em numerosos filmes, livros e outros meios de comunicação soviéticos.

Situação após o golpe bolchevique
Após o golpe de Estado de outubro/novembro de 1917 a Rússia soviética declarou “equação absoluta de direitos de todas as franjas da população”, e no mesmo ano de 1917 em um dos decretos foi anunciado a igualdade dos direitos entre os homens e mulheres, acabando com o “legado obscurantista do czarismo”! A Rússia soviética possuía a sua própria “marxista feminista”, a diplomata Alexandra Kollontai que acreditava que a relação entre um homem e uma mulher foi estragada pela propriedade privada e [advogava a teoria comportamental de cariz sexual, chamada de “copo de água”, em que o coitos era visto como a necessidade tão básica e simples como beber um copo de água no momento da cede].
Uma parta da nova legislação era progressista – a nova lei do casamento civil permitia à mulher manter o seu apelido/sobrenome de solteira, reconheceu o direito ao aborto, simplificou o processo de divórcio. Basicamente eram os direitos que não exigiam esforços e custos especiais do novo governo comunista. Ao mesmo tempo, toda a mulher agora era obrigada à trabalhar – sob a pena de responsabilidade criminal como “elemento improdutivo”.
No início dos anos 1930, começa o retrocesso ao “imperialismo tradicionalista” – as mulheres foram novamente reduzidas em direitos e, de fato, estavam perdendo as poucas liberdades que adquiriam na década de 1920. Em geral, este é um fenómeno muito interessante – a URSS dos anos 1930 absorveu os piores traços do império russo pré-1917, que os bolcheviques da “velha guarda” não conseguiam entender e não queriam aceitar, o que não fariam muita diferença, pois, pratiamente todos eles foram exterminados pelo Estaline.

Mulheres na época de Estaline
Sob Estaline aumenta a repressão contra as mulheres: em 1935 a União Soviética deixa de produzir os meios anticoncepcionais, em 1936 são proibidos os abortos. No mesmo ano, em 1936, é adotada uma lei que dificultou o processo de divórcio, e os casamentos livres também, de facto, foram banidos. Em 1943, ressurge a educação separada de meninos e meninas (existente nos ginásios da época czarista), estado soviético pretende educar os rapazes como “guerreiros e combatentes de linha da frente e da retaguarda” e as meninas como “mães e educadoras”. Em 15 de fevereio de 1947 a URSS proíbe os casamentos com os cidadãos estrangeiros.
Ou seja, de facto, as mulheres novamente foram colocadas “nos corais”, em termos legais, a sua situação piorou comparando com os tempos czaristas – a maternidade foi imputada às mulheres como um “dever socialista”, que, além disso, ainda eram obrigadas a trabalhar em alguma fábrica ou no escritório. Toda a conversa sobre “igualdade de mulheres” terminava em cartazes de propaganda – praticamente não havia mulheres na liderança superior do partido comunista, de Komsomol, no exército, serviços secretos ou sindicatos, toda a nomenclatura governante soviética era composta por velhos dinossauros comunistas.
O “direito ao trabalho” foi frequentemente interpretado de forma que as mulheres podem agora ser recrutadas aos trabalhos físicos pesados, antes considerados prerrogativa dos homens – na URSS isso era apresentado como uma espécie de “grande conquista do socialismo”.

URSS após o fim do estalinismo
Nos anos 1960, em resultado do degelo de Khruschev, a vida das mulheres melhorou um pouco – a partir de meados da década de 1950, na educação escolar, as turmas novamente se tornaram mistas, a proibição do casamento com os estrangeiros foi abolida em outubro de 1953, os abortos novamente foram permitidos, em 1965 novamente foi simplificado o procedimento do divórcio, em 1967 foi introduzido o conceito de “pensão alimentícia”, em 1968 introduzida a licença paga de maternidade de alguns meses – depois disso a criança tinha que ir à creche (onde as crianças choravam o tempo todo sem a mãe), e a mulher era empurrada ao trabalho. [Desde 1941 à 1992 na URSS / Rússia existiu o imposto aos cidadãos que não tinham filhos, o imposto era cobrado mesmo nos casos de filho único morrer, por exemplo na guerra de Afeganistão.]
Ao mesmo tempo o estado soviético propagava constantemente a imagem da “mãe trabalhadora”; do ponto de vista da ideologia soviética, a imagem ideal da mulher soviética era de uma mãe atenciosa que também trabalha fora de casa, executa as tarefas domésticas, prepara refeições / jantares, fica nas filas para comprar os alimentos, cuida de seu marido, resolve todos os problemas domésticos, lava e engoma as roupas de toda a família.

Com que ficamos no final?

— Na verdade, não havia a “igualdade do género na URSS”. O facto de que a mulher agora tinha a permissão de abrir as valas ou trabalhar nos locais de “construção do socialismo” significava apenas uma pequena possibilidade de escolha, oferecida pela lei de trabalho obrigatório – trabalhar em algum escritório, cavar com a pá ou com a picareta ou ser presa.

 — Não existia a “igualdade de género na família” – a mulher era vista como a dona de casa, que na URSS ainda era obrigada à trabalhar para o Estado em algum emprego formal. Ao mesmo tempo, por padrão, era considerado normal, quando uma mulher fazia todo o trabalho doméstico – um homem à ajudá-la era visto quase como acto “indecente”.
— Toda a política estatal soviética era determinada por homens, as mulheres com poucas exceções receberam algumas tarefas internas de pouca importância, como a pasta do Ministério da Cultura (Yekaterina Furtseva) e, no essencial, a URSS era governada por velhos dinossauros, parecidos com os struldbrug do Swift. O poder dos velhotes era evidente em quase todas as esferas da vida – desde o bombardeamento ideológico de cariz conspirativo, despejado aos cidadãos, até a ausência de produtos de higiene íntima feminina.

— O sexismo doméstico florescia em todos os lugares – com todas as declarações de “igualdade”, a mulher era considerada geralmente mais limitada intelectualmente em relação ao homem, ela podia ser espancada – na sociedade soviética isso era chamado de “ensinar à ser esperta”. As frases do tipo “bate então ama” eram muito populares na URSS e eram considerados um exemplo de relações normais e, em princípio, eram toleradas pela sociedade e cultura de massas.

Os modelos franceses de Dior caminham entre as mulheres soviéticas, Moscovo, 1959:

Nina Khrusheva e Jackelin Kennedy, 4 de junho de 1961, em Viena:
É assim. Como se vê, a igualdade de género na URSS era uma miragem. Com todas as histórias sobre “igualdade de género na URSS”, pode-se ver claramente que, na União Soviética, as mulheres tinham uma aparência muito pior, viviam uma vida de sofrimentos e sacrifícios e tinham muito menos direitos do que as mulheres nos países desenvolvidos capitalistas.

Foto GettyImages | Internet | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África

segunda-feira, novembro 27, 2017

Um dia de vida do cidadão soviético comum

Os cidadãos que sonham de voltar à viver na União Soviética geralmente não conseguem explicar o que eles fariam nesta URSS 2.0: os cidadãos da URSS não tinham o direito de fazer nenhum negócio, não participaram da vida social e política do país. Toda a sua vida social terminava em um clube de costura no palácio de veteranos (elas) e nos jogos de dominó num banco do pátio do seu prédio (eles).

“Igualdade”, ao qual adorava se referir o partido comunista, consistia no facto de que todas as franjas da sociedade soviética (trabalhadores, intelectuais, serviçais) viviam de forma muito monótona, tinham poucos direitos civis e muitas responsabilidades e, o mais importante, praticamente não possuíam nenhumas oportunidades para mudar toda essa rotina.

Todas as ilustrações são da autoria da pintora ucraniana Anzhela Dzherih.

Manha do homem soviético
A manhã começou do homem soviético começava com a chamada da estação de rádio “Mayak” e o programa “Bom dia”, nos anos finais da União Soviética, era a melodia gravada da canção “Não são ouvidos no jardim, nem mesmo os murmúrios”. Os sinais de chamada eram transmitidos às 8 da manhã, e para muitos cidadãos soviéticos isso era uma espécie do despertador. O homem soviético saia da cama e ia até a cozinha – se era cidadão com sorte tinha a sua própria cozinha num apartamento num prédio chamado “khrushchevka” ou “brezhnevka”, os menos afortunados iam à cozinha comum de um apartamento comunal.

Na cozinha era preparado o pequeno-almoço / café da manhã. Na melhor das hipóteses eram salsichas, pão e manteiga e mortadela cozida em cima, um par de ovos cozidos, uma papa qualquer. No pior caso, poderia ser apenas um pedaço de pão com um copo de kefir ou leite (opção de solteiro). Sem vegetais e frutas, o bom café também era um deficit, por isso o mais frequentemente bebiam o chá preto comum [da 2ª qualidade, dado que o chá soviético de luxo e 1ª qualidade, colhido, digamos, na Geórgia, era destinado à exportação aos países capitalistas]. Escovavam-se os dentes, geralmente antes do pequeno-almoço / café de manha, usando as pastas dentífricas da má qualidade na base do pó abrasivo, como resultado aos 35-40 anos a maioria dos cidadãos soviéticos tinha dentes horríveis. Basta ver os sorrisos dos atores soviéticos, eram as pessoas, na URSS, que mais cuidavam da sua aparência.

Após o pequeno-almoço / café da manhã, o homem soviético tinha, necessariamente de sair da casa – na União Soviética praticamente não existia o trabalho dentro de casa, emprego privado ou trabalho livre. Na chuva, na neve, na tempestade de neve, pessoa tinha que ir trabalhar à alguma fábrica ou escritório – havia poucas viaturas particulares na URSS, e na maioria das vezes cidadão tinha que usar um autocarro/ônibus, elétrico/bonde, troleicarro ou metro superlotado de outros cidadãos sofredores. Devido à superlotação do transporte, algumas vezes surgiam os conflitos, insultos e até pancadarias.
No quiosque na paragem/parada do transporte público era possível comprar um jornal e cigarros – na URSS muita gente fumava, uma grande parte de homens e muitas mulheres. Às vezes, junto podia-se comprar alguns bolinhos e sorvete.

Dia do homem soviético

O dia do citadino decorria no trabalho em alguma fábrica ou escritório, não havia opções alternativas, não era possível planear a sua vida como nos países desenvolvidos ocidentais e capitalistas – digamos, trabalhar por 10-15 anos na fábrica, reunir algum dinheiro e abrir o seu próprio negócio: a lavagem de carros ou um pequeno café – os negócios privados legais não existiam na URSS e, cidadão chegava à uma fábrica com 20-25 anos, e tinha que trabalhar nela até a sua reforma/aposentadoria; o crescimento da carreira poderia acontecer com a subida na categoria profissional, assim como ainda era possível se tornar mestre da sua unidade, recebendo o aumento salarial de 30 rublos (50,84 dólares ao câmbio oficial).

Na maioria das vezes o trabalho era muito aborrecido – a repetição de algumas operações de produção simples, o preenchimento de papéis – na verdade, o que no mundo desenvolvido não pertence à categoria de conhecimento profissional, mas apenas faz parte da “habilidades”. Era extremamente raro encontrar um emprego interessante – alguns sortudos eram geólogos, relativamente bem viviam atletas de alta competição [que a propaganda soviética escondia e camuflava de “amadores”] e diplomatas, mas eram uma minoria, os 90% dos cidadãos soviéticos foram a um emprego de rotina e, na maioria das vezes, nunca saiam fora da suas cidades de habitação.
No meio da jornada laboral havia uma pausa para o almoço – o homem soviético era alimentado na cantina da sua unidade produtiva, para economizar tempo de trabalho – o que era apresentado como uma incrível bênção e preocupação para com o cidadão. O almoço poderia ser pago pelo funcionário ou ser “condicionalmente de graça” – isso, é, o seu custo era essencialmente deduzido do salário do trabalhador (os almoços eram pagos dos orçamentos de fábricas), mas também era apresentado como uma bênção incrível e a conquista do socialismo – somos alimentados gratuitamente, um milagre! Os trabalhadores podiam beber no almoço, às escondidas, se conseguissem trazer alguma bebida escondida no bolso.

Após o almoço, o dia útil continuava, embora com menor eficiência – se as fábricas ainda tinham que garantir a produção consoante o “plano” (fabril, estatal, etc), os funcionários nos escritórios à tarde, muitas vezes relaxavam e não trabalhavam, conversavam e resolviam as questões pessoais – esses episódios, por sinal, são repetidamente criticados nos filmes e folhetins satíricos soviéticos. Os fãs da URSS por algum motivo não gostam de falar sobre isso, mas a força de trabalho na URSS funcionava de uma forma extremamente ineficiente porque as pessoas não estavam interessadas nos resultados do seu trabalho e sabiam que só seriam demitidas em casos muito excepcionais.

Às 18:00, o dia útil terminava e o homem soviético se dirigia para a paragem/parada dos transportes públicos para ir para casa.

Tarde do homem soviético
Era possível logo ir para casa ou, então passar pelas lojas, ficando algum tempo nas filas intermináveis para comprar alguma comida. Nas filas, o cidadão poderia conversar e pensar sobre a vida – tinha imenso tempo. O que o homem soviético comprava para o jantar? Os produtos mais comuns eram as mesmas salsichas, mortadela, batatas, arenque, cereais, pão, macarrão, espadilhas em molho de tomate, repolho e queijo fedorento. Os bons alimentos na base de proteína eram poucos.

Depois do jantar chegava a hora de assistir televisão – os apresentadores do programa “Vremya” [o principal telejornal soviético às 20h00] com vozes bem colocados informavam os cidadãos soviéticos que no país tudo está bem, aumenta a produtividade leiteira, aumenta a tonelagem de ferro fundido, as cerejas cresceram, a beterraba floriu, o partido comunista e o governo soviético já eliminaram o pequeno acidente industrial de Chornobyl, no Afeganistão, em área de passagem do Salang, desembarcou a divisão aerotransportada soviética e sob o fogo pesado dos mujahedeen construiu mais um edifício de apartamentos, nos EUA decorrem os protestos de massa e os cidadãos passam a fome. Depois que o programa “Vremya” era demonstrado o filme sobre os agentes soviéticos [os espiões eram apenas ocidentais] ou um jogo de hóquei no gelo.
Muitas vezes os filmes sobre os agentes eram assistidos apenas pelos homens, as mulheres iam às cozinhas para cozinhar o almoço de amanhã e fazer outras tarefas domésticas de rotina. Nas outras atividades puramente masculinas, havia encontros populares em bares locais para beber a cerveja com o peixe seco, e as mulheres conversavam sobre coisas domésticas e/ou parentes. De vez em quando, o cidadão podia ir ao cinema ou a um concerto, e todo o país estava à espera de festividades como o Ano Novo – que, pelo menos, diluíam, um pouco, o cinzentismo e a monotonia generalizados.

Na verdade, tudo isso representava 90% da “vida feliz soviética”, que é lembrada com tanta nostalgia pelos fãs da URSS – “ah, que pessoas eram! E que tempos eram!” Curiosamente, esse mesmo “paraíso soviético perdido” é muito parecido com as descrições do céu celestial de vários tratados de filósofos medievais – eles imaginavam o paraíso como uma “reunião de massa dos justos” que se levantam ao toque de em um sino, andam em formação, cantam canções para a glória de Deus e em nada mais estão envolvidos. Cantaram – e foram dormir, amanhã é o novo dia.

E assim deveria continuar até a eternidade. Este topo de “paraíso” desanima muito bastante, uma pessoa não tem o direito de influenciar de alguma forma o que está acontecendo e não é o mestre de seu destino – assim, como, na verdade, acontecia na URSS.

E vocês, os nossos queridos leitores, gostariam de viver num país assim?

Arte @Anzhela Dzherih | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

Os helis russos alvejados em Aleppo

Na província síria de Aleppo, nos arredores da aldeia de Til-Niseybin, os rebeldes pró-turcos dispararam contra três helicópteros russos, quando estes retornavam à sua base em Afrin. A imprensa turca diz que os disparos resultaram em mortes e feridos de soldados e oficiais russos, incluindo os do “alto escalão”.
Monumento improvisado aos 9 mercenários russos (todos são tratados apenas pelo seu nom de guerre)
mortos e desaparecidos na Síria em 2017
O Ministério da Defesa russo não confirmou, nem desmentiu o sucedido. As fontes curdas confirmam que as forças pró-turcas dispararam contra os helicópteros russos e afirmam que houve mortos e feridos:

domingo, novembro 26, 2017

Ucrânia recorda Holodomor. Kyiv 2017 (12 fotos)

No dia 25 de novembro Ucrânia recorda o Dia da memória dos Holodomores. Desde 2008 as cerimónias solenes decorrem junto ao Complexo memorial das vítimas do Holodomor no bairro Pechersk em Kyiv, composto por capela-memorial “Vela da Memória”, alameda detábelas negrase talvez a imagem mais poderosa do complexo – a menina de bronze, conhecida como “Filha Ucrânia”.

A sala de memória do museu apresenta os objetos do quotidiano dos camponeses ucranianos das décadas de 1920-1930, que foram recolhidos nas aldeias atingidas pelo Holodomor e também pode ser consultado o Livro Nacional da Memória das vítimas do Holodomor – o Martirológio mais completo que reúne os dados pessoais dos quase 900.000 pessoas que morreram durante a fome de 1932-33 anos.

Holodomor é a fome em massa na Ucrânia soviética que em 1932-33 cobriu quase todo o país e resultou em milhões de vítimas, as várias fontes referem entre cerca de 3-4 [aos 5-7] milhões de pessoas que morreram apenas durante o Holodomor de 1932-33 – sem contar com as vítimas das fomes de 1921-1923 e de 1946-1947.

A causa de Hododomor foi aquisição forçada de trigo [e outros cereais] – as autoridades soviéticas retiravam à força os grãos dos camponeses para o envio às cidades, e as aldeias famintas eram cercadas pelo exército e NKVD para que as pessoas não pudessem sair. Aldeias que não conseguiram chegar às normas conscientemente inalcançáveis de entrega de grãos eram colocadas nas chamadas “tábelas negras” – a aldeia era cercada, os destacamentos punitivos eram enviados para lá, praticava-se a tomada de reféns. Existem várias fotos e depoimentos de testemunhas desses terríveis eventos – depois de se familiarizar com eles, o cabelo se levanta na cabeça e surge uma pergunta calada – como tudo isso foi realmente possível no século XX: 

Todos os documentos sobre Holodomor foram conhecidos ainda nos anos 1990, e em 2007-2008 também foram achados os livros métricos de 1932-33, que se diziam “destruídos” anteriormente. Trabalho semelhante está sendo realizado nos arquivos de outras ex-repúblicas soviéticas, enquanto que nos arquivos russos, nem todos os documentos sobre esse período passaram o procedimento de desclassificação – aparentemente, as autoridades russas temem revelar a verdade sobre aqueles tempos.
Monumento ao Holodomor em Astana no Cazaquistão

Os motivos das ações do poder soviético são vistos de forma diferente por diferentes historiadores – uns dizem que a terrível fome foi o resultado de uma “política mal concebida”, outros acreditam que Holodomor foi organizado especificamente pelas autoridades soviéticas e por Estaline para quebrar a resistência do campesinato ucraniano. A segunda versão é reforçada pelo papel dos destacamentos da NKVD que não deixavam as pessoas sair das aldeias famintas...

02. Evento em Kyiv, dedicado às vítimas do Holodomor. O presidente da Ucrânia Petró Poroshenko ajoelha-se diante do monumento da menina atingida pela fome, a escultura também é chamada de “Filha Ucrânia”.

03. Aos pés da menina estão as maçãs e um ramo do viburno – muitas vezes nas aldeias ucranianas cercadas pelo exército era a única comida disponível...

04. Uma das tradições solenes é a colocação no monumento do pão com velas, assim como pequenos ramos de espigas, evocando a lei repressiva soviética de cinco espigas.

05. Petró Poroshenko e clérigos, nas mãos do presidente – a cerâmica, que lembra os utensílios do início do século XX, repleta de espigas de trigo e ramos do viburno (kalyna).

06. Petró Poroshenko se ajoelha junto ao monumento:

07. Outros políticos da Ucrânia também colocaram as espigas aos pés da menina:

08. As pessoas acendem as velas.

09. Hoje, a menina sentirá o calor humano...

10.

11. Participante na ação com a bandeira da Ucrânia.

12. As pessoas choram:

13. Ação solene vista por uma jovem criança, surpreendentemente semelhante à imagem da menina do monumento.
É importante reconhecer Holodomor de 1932-33 como um ato do genocídio, não importa se este crime foi planeado ou foi uma consequência da “política mal concebida” – todas as ações das autoridades soviéticas destinadas a bloquear as aldeias famintas não podem ser chamadas senão um crime consciente e premeditado.

Fotos: GettyImages | Internet | Texto @Maxim Mirovich

Blogueiro: como já é de costume, recordamos que Raphael Lemkin, jurista polaco/polonês e autor do termo genocídio não tinha dúvidas, Holodomor foi um genocídio comunista contra Ucrânia e ucranianos (ler em 28 línguas, em português nas páginas 166-172).
Faça click para ler o seu trabalho
O mesmo considera a historiadora americana de origem polaca, vencedora do Prémio Pulitzer, autora do “Gulag” e “Iron Curtain”, Anne Applebaum, no seu novo e importante livro Red famine: a guerra do Estaline contra Ucrânia, dedicado ao Holodomor ucraniano. 
Faça click para ler mais

sábado, novembro 25, 2017

Venezuela: sem remédios e comida, mas com “Kalashnikov”

A União Soviética era conhecida como oAlto Volta com mísseis balísticos”, a Coreia do Norte fabrica mísseis, mas não os sapatos certos e Venezuela adquiriu 100 mil novos espingardas/fuzis AK-103 e assinou um acordo com a Rússia para a construção de duas fábricas desta arma.
Míssil balístico soviético na parada de 1 de maio em Moscovo | foto @arquivo
Venezuela pretende abrir sua primeira fábrica de produção de espingardas de assalto/fuzis Kalashnikov em 2018, afirmou nesta sexta-feira (24 de novembro) Wilmar Castro Soteldo, vice-presidente da Área Econômica do país sul-americano, após a reunião de uma comissão intergovernamental russo-venezuelana: “Um dos principais projetos entre os nossos países é a construção de uma fábrica para produzir o fuzil mundialmente conhecido Kalashnikov. Esperamos que a fábrica comece a funcionar no ano que vem”, disse Soteldo aos veículos de imprensa russos. O político venezuelano destacou que, precisamente, na reunião de Sochi “foram alcançados grandes progressos em matéria de cooperação militar”.
A parada militar norte-coreana e sapatos amarrados do destacamento feminino da elite
A Venezuela adquiriu 100 mil novos fuzis AK-103 e assinou um acordo com a Rússia para a construção de duas fábricas desta arma e também de munição com o objetivo de atender ao mercado latino-americano.
Mercearia saqueada pelos cidadãos venezuelanos esfomeados (2017)
Este projeto foi de iniciativa do falecido presidente Hugo Chávez, que chegou inclusive a visitar em 2006 o homem que projetou o fuzil, Mikhail Kalashnikov [conhecido como o serralheiro do Hugo Schmeisser]. Chavéz também foi o responsável por promover o início da cooperação militar entre os dois países.
Sargento Kalashnikov e Eng. Hugo Schmeisser
Essa cooperação, no entanto, acabou se reduzindo pelos problemas económicos venezuelanos causados pela queda nos preços do petróleo, o que obrigou Moscovo a conceder um crédito a Caracas para a compra de armamento e, recentemente, para reestruturar parte de sua dívida.
Mais uma mercearia saqueada em Caracas (2017)
O vice-primeiro-ministro russo, Dmitri Rogozin, destacou que Moscovo e Caracas tinham alcançado hoje uma “linguagem comum” praticamente em todos os casos, seja em matéria comercial ou técnico-militar: “A Venezuela não precisa que lhe deem o peixe, mas a vara de pescar. Hoje, falamos precisamente sobre essa vara”, afirmou o político russo. Rogozin previu um aumento do comércio bilateral por meio da compra dos aviões Sukhoi Superjet S-100 e os MC-21-300 por parte da Venezuela.
Rogozin à ficar preso na escotilha do blindado russo T90A (2016) | hronika.info
O governo russo anunciou que ambos os países assinarão em breve um acordo de cooperação energética que incluirá projetos já estabelecidos entre a companhia petrolífera russa Rosneft e a venezuelana PDVSA, escreve Época Negocios.globo.com
A nova e maior nota venezuelana de 100.000 bolívares, vale menos de 2 Euros...