domingo, outubro 15, 2017

Rodnye / Close Relations: o novo filme do Vitaly Mansky

O realizador russo de origem judaica, nascido na Ucrânia, Vitaly Mansky, apresenta o seu novo trabalho – o filme documental Rodnye (o titulo internacional Close Relations), uma co-produção da Letónia, Alemanha, Estónia e Ucrânia; centrado na Ucrânia, vista através do prisma da família do próprio realizador, espalhada pela Ucrânia e seus territórios ocupados: de Lviv à Sebastopol, de Odessa à Donetsk.
A família Mansky, década de 1970 (?) foto @deckert-distribution.com
O filme do Mansky é declaradamente apolítico, embora a política está mais que presente na sua narrativa, é uma espécie da parte integral da vida dos seus familiares, os cidadãos comuns da Ucrânia. O filme mostra como a situação dramática em que vive Ucrânia tocou a vida de uma família alargada. E o realizador com muito cuidado, com uma técnica profissional subtil, revela as suas consciências – o que eles vivem, o que sentem e o que pensam.
O poster ucraniano do filme
Uma das personagens do filme é a mãe do realizador, Victoria, que vive em Lviv. Ela responde ao filho, de forma emocional, quando ele a pergunta se haverá a guerra entre Rússia e Ucrânia: “Me deixa com a sua política, deixe-me terminar as panquecas!” Apesar da sua origem judaica, a mãe se sente ucraniana, toda a sua vida ele viveu e trabalhou em Lviv. Ela pode não concordar com essa ou aquela decisão política, mas está absolutamente segura de que Ucrânia é a sua pátria.
O tio Mikhail (Mykhaylo), de 96 anos de idade, que vive na região de Donetsk desde 1948, quando “Estaline e a pátria socialista” o mandaram à região para “levantar a indústria”. Ele sabe quem são os inimigos principais: são “os fascistas americanos que querem, ao todo custo, dividir a Rússia”.
O poster internacional do filme
Cidade de Odessa. O iate corta as ondas, e os primos e primas otimistas garantem ao realizador: “Odessa não será bombardeada. Para que lutar? É melhor trabalhar ... ou negociar!”. O jovem sobrinho Valeriy declara rindo: “sou pela Ucrânia unida, mas não vou ao exército, à cem por cento!”; o seu pai, empresário do sucesso Igor (dono do iate e neto do Mikhail), responde imediatamente ao filho: “Não vais como?!! Se mesmo eu vou!”; mas depois garante categoricamente: “mais um mês ou dois, até o inverno (a conversa decorria no verão de 2014), e a guerra na Donbas terminará”. A tia Valentina veio à Odessa de Donetsk, mas proibia de a chamar de refugiada: “no serviço do meu marido muitos foram aos batalhões [de terroristas], o soldado [recebe] 15.000 [rublos], o comandante – 50.000”. Ela acabou por voltar à dita “dnr”. O primo Igor, visitando a residência de Yanukovych nos arredores de Kyiv: “aqui você pisa os maços de dólares, clip-clop”, diz ele [a sequência aparentemente não entrou na versão final do filme].
A tia Lyuda que vive em Lviv na companhia do seu cão rafeiro (que salvou do abate), lembra que ficou chocada quando pela primeira vez na Ucrânia demoliram o monumento do Lenine. Em 2015 ela reclama do seu ex-ídolo, o realizador russo Nikita Mikhalkov: “Na parede sempre estava pendurado Mikhalkov. Tão bonito! Trouxe [o poster] de Moscovo. E agora enrolei – e coloquei junto ao papel de reciclagem...” Depois disso, absolutamente inesperadamente, tira o póster de uma gaveta e o desdobra. Afinal, não teve a força de vontade suficiente para se separar dele: “Quando recolher cinco quilogramas de papel – o entrego à reciclagem!”

Nas ruas de Lviv, a câmara cruza com a procissão fúnebre com mais um caixão do militar ucraniano que tomou na defesa da Pátria, a procissão passa lentamente pela linda vitrina do café, onde estão fofocando, Halyna, a concunhada do realizador e a sua filha.
A cidade de Lviv, fim do 2014
Na Crimeia, em Sebastopol, o gorducho Max, filho na Natália, primo do 1º grau do realizador e ex-marinheiro da armada ucraniana do Mar Negro, está assistir na TV ucraniana e discurso do presidente Petró Poroshenko: “Ucrânia não se vende!” Mais tarde, no dia 31 de dezembro de 2014, a sua família celebra o Ano Novo, primeiro no horário russo e uma hora depois no horário ucraniano...

O episódio mais emotivo do filme é uma conversa via Skype entre Natália, que vive em Sebastopol e a sua sobrinha Lyuda (filha da irmã da Natália – Tamara) que vive em Lviv (e pratica a dança de ventre). Filhas do mesmo pai e da mesma mãe, Natália e Tamara estão viver Maydan, ocupação da Crimeia e a guerra russo-ucraniana de uma forma absolutamente antagonista. A Natália assiste, com lágrimas de felicidade nos olhos, os fogos-de-artifício de Ano Novo em Sebastopol (em 31 de dezembro de 2014), já sob a bandeira russa e grita, via Skype, com a sua irmã Tamara: “Se você quer falar comigo, é só sobre os familiares. Fechamos o tema! Fechamos! Pare! Stop! Não falamos sobre política, quero conversar consigo!” Sem sair da Crimeia, ela chama o exército ucraniano de “carrascos” e não entende porque razão Tamara não quer conversar com ela, enjoada dos clichés da propaganda russa. Durante toda a “conversa”, as irmãs não chegaram à conversar diretamente...
A família Mansky na década de 1940 (?), de esquerda à direita: Natália (hoje em Sebastopol);
avó do realizador (já falecida); Tamara e Victoria (com uma trança, ambas de Lviv); Lyuda (a mais pequena)
A rejeição da propaganda, a vontade de não se identificar com os líderes políticos que provocam o seu desgosto é uma reação defensiva natural dos familiares do realizador, mas, infelizmente, não pode garantir-lhes a paz e segurança. O filme mostra muito bem que a pertença étnica, não é uma separação principal que divide os ucranianos e cidadãos da Ucrânia. Na família Mansky, por exemplo, o elemento étnico ucraniano não é significativo, nem é predominante, mas muitos membros da família, especialmente os mais novos, consideram Ucrânia como a sua Pátria, estão prontas à defendê-la (no fim do filme, Yevheniy, o filho da Lyuda de 17 anos de idade e um nerd “inútil” na opinião da avó, é chamado às Forças Armadas da Ucrânia, ele responde à chamada e se dirige à base do exército). Ao mesmo tempo, a Ucrânia para os moradores de Lviv significa a Europa, eles se consideram ainda pobres, mas sem dúvida, europeus.
Grupo de dança folclórica "Yunist" (Juventude), da cidade de Lviv, onde trabalha
a concunhada do realizador Halyna e onde dança a filha dela 
Estas situações interessantes, complexas e controversas, mostradas no filme do Mansky, oferecem uma oportunidade aos seus espetadores de sentir a essência do que está hoje acontecendo na Ucrânia. Aquilo que as pessoas realmente pensam e sentem, e como é difícil manter as relações humanas nessa situação, permanecer humano. Neste aspeto o filme não é exclusivamente sobre Ucrânia ou as consequências familiares da guerra russo-ucraniana, mas também sobre outros países que vivem hoje os tempos muito conturbados e complexos, envenenando-se com a propaganda, fobias e os medos de uma possível guerra.


Ver o filme em versão integral:
(o vídeo foi removido pelo seu autor)  

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