domingo, outubro 01, 2017

A maquinaria da interferência russa penetra na crise catalã

O jornal espanhol «El País» analisou dezenas de páginas da Internet e perfis em diversas redes sociais para comprovar que a máquina de fabricação de notícias tendenciosas com origem na Rússia, que já tinha criando as notícias falsas na altura das eleições presidenciais norte-americanas e francesas, também está a funcionar à todo o vapor na Catalunha, difundido as “notícias falsas e meias-verdades” sobre o processo separatista catalão.

“Após as campanhas secretas ao favor da Brexit, Marine Le Pen e da extrema-direita alemã, o Kremlin viu na independência catalã outra oportunidade para aprofundar as fraturas europeias e consolidar a sua influência internacional, utilizando as páginas onde publicam apenas vozes ao favor do referendo, ativistas como Julian Assange e uma legião de bots, bem como milhões de perfis automatizados em redes sociais capazes de converter uma mentira numa tendência partilhada milhões de vezes”, escreve o “El País”.

O jornal cita como exemplo uma das 42 notícias que o site da TV russa RT (financiada com as verbas governamentais russas) publicou desde 28 de agosto sobre a crise na Catalunha, na qual se lê: “A UE respeitará a independência da Catalunha, mas o país terá que passar por um processo de adesão”. Ora, a posição da União Europeia é a de reiterar a chamada “doutrina Prodi” (batizada assim com o nome do antigo presidente da Comissão Europeia – Romano Prodi) que estipulou que um Estado só teria acesso à União Europeia se respeitar as premissas constitucionais do seu antigo país.
Os separatistas catalães – fãs do comunismo
Há duas semanas, o atual presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, preveniu que iria considerar “as decisões do Tribunal Constitucional espanhol e do parlamento espanhol” antes de reconhecer a declaração de independência da Catalunha.

Mas se as notícias de RT podem, de facto, ser facilmente refutadas após um rápido fact-check, outros dois “idiotas úteis” que “El País” aponta como promotores da agenda oposta ao do governo de Madrid — Julian Assange e Edward Snowden – já não são tão simples de serem expostos.

O problema, contudo, não são as mensagens em si, mas a forma “batoteira” como elas atingem um número desproporcional de partilhas, que o jornal considera impossível de atingir sem a utilização de seguidores falsos. De facto, uma análise detalhada de uma amostra de 5.000 seguidores do Assange no Twitter, fornecida ao “El País” pelo TwitterAudit revela que 59% desses perfis são falsos.

Outro exemplo citado pelo jornal como “promoção de ideais próximos da Rússia” menciona o nome de Julian Assange. No dia 12 de setembro, o fundador da WikiLeaks publicou na rede social Twitter um aviso que previa “nascimento da Catalunha como país [independente] ou a guerra civil”. Esse tweet foi partilhado 1,700 vezes e de acordo com os dados da Audiense, uma plataforma de análise social, apenas em setembro, Assange obteve quase 940 mil menções no Twitter, a grande maioria relacionadas com a Catalunha, usando as palavras-chave como #Catalunha , #1oct , #Catalonianreferendum , #O1 ou #Rajoy.

Numa semana em que a justiça espanhola e a Generalitat catalã entraram em rota de colisão frontal, o tweet mais influente do mundo sobre o assunto foi do Julian Assange de 15 de setembro onde o ativista dizia: “Peço a todos que apoiem o direito da Catalunha à autodeterminação. A Espanha não pode permitir que se normalizem os atos repressivos para impedir a votação”. A mensagem obteve 12.023 partilhas.

Um outro exemplo de como perfis falsos podem estar a empolar a popularidade e a “contaminação” das notícias é também a obra do Assange. Há cerca de uma semana, o ativista australiano colocou online um link para um artigo de Justin Raimondo, um ativista antiglobalização e administrador do site AntiWar, conhecido por apoiar Trump em 2016. O artigo intitula-se “Catalunha: uma praça espanhola da Tiananmen?” e compara os protestos em Barcelona e a ação das autoridades espanholas com aqueles que aconteceram em Beijing em 1989, que foram duramente reprimidos pelo regime comunista chinês e onde morreram centenas de pessoas.
Exemplo de uma imagem falsificada difundida na Internet em 1/10/2017
A mulher não possui uma ferida no rosto, da qual supostamente escore a sangue
Logo depois, perfis anónimos com milhares de seguidores estavam à usar a mesma comparação entre Barcelona e Tiananmen, como, por exemplo @Ian56789 com 30.300 seguidores, ou @UncleRuthless com 5.179. Ambos suspeitos de serem bots, ou perfis que apenas debitam as mensagens pré-programadas, segundo a junção de palavras-chave que vão buscar notícias específicas e as reproduzem à uma velocidade que ultrapassa, e em muito, a conseguida por um ser humano.

Edward Snowden, o maior delator de segredos da segurança interna norte-americana também foi alvo das investigações do “El País”. “A repressão da Espanha às declarações, políticas e manifestações desconfortáveis ​​na Catalunha é uma violação dos direitos humanos”, uma das frases pró-independência mais “populares” no Twitter. Escreveu-a Snowden e a sua opinião angariou mais 8.000 partilhas e 8.000 “likes”.

Catalunha junto à Ucrânia e Síria
A prova definitiva de que o interesse daqueles que mobilizam o exército de bots pró-russos concentrou-se no movimento separatista na Espanha é que, entre as suas menções habituais na Internet (#Síria, #Rússia, #Ucrânia, #Trump, #HillaryClinton, #ISIS) há dias, entrou a #Catalunha. Isso se reflete na pesquisa da ferramenta Hamilton 68 da Aliança para Garantir a Democracia, um projeto da Fundação Marshall (Alemanha), nascido após a proliferação de notícias falsas nas eleições dos Estados Unidos em 2016. A ferramenta analisa permanentemente 600 contas, automatizadas ou não, que se encontram na órbita ideológica do Kremlin. De 16 à 24 de setembro as hashtags mais utilizadas por esses perfis eram em apoio dos separatistas de Curdistão e Catalunha, ao lado de promoção de um guia turístico da Crimeia ocupada.
Os separatistas catalães – fãs dos terroristas de Donbas do grupo "dnr"
Existem também outros recursos pró-russos da Internet que criam as notícias falsas para depois distribuí-las nas redes sociais. Por exemplo, “As notícias russa agora”, é uma página Web que se apresenta como uma fonte de notícias diárias, publicou no dia 21 de agosto um artigo intitulado “UE: Catalunha pode e Crimeia – não”. O texto que era acompanhado com a foto da sala plenária do Parlamento Europeu, dizia que a União Europeia deu a “luz verde” à separação da Catalunha da Espanha, ao mesmo tempo, opondo-se à ruptura da Crimeia com Ucrânia. O texto dizia: “Os moradores da Catalunha têm o direito de decidir sobre o seu futuro de uma forma democrática, de acordo com a declaração dos deputados europeus”. Na verdade, a notícia era baseada no comunicado de imprensa do grupo “Esquerda Unida Europeia” (52 assentos de 761) que criticava as medidas policiais do governo espanhol contra os organizadores do referendo ilegal. Um eco dessa publicação, com o mesmo texto e cabeçalho era reutilizado pelas inúmeras outras páginas que muitas vezes funcionam como porta-vozes de divulgação da posição oficial do Kremlin, como «FortRuss» ou «Frente News International».
"Independentista" catalão Adria Irigoyen Bretones à pousar na Donbas juntamente
com um membro do grupo neonazi russo Unidade Nacional Russa (RNE), foto@2014
Os jornalistas espanhóis também recordam aos seus leitores que “Kremlin tem tradicionalmente evitado quaisquer discursos controversos em casos deste tipo, trabalhando ao favor de seus interesses de uma forma discreta”. Como exemplos de tal interferência em assuntos internos de outros países “El País” cita “saída do Reino Unido da União Europeia, a campanha ultranacionalista da Marine Le Pen na França e a promoção do partido de extrema-direita “Alternativa para a Alemanha”, que no domingo passado ficou no 3º lugar com 13% dos votos e pela primeira vez, após 1945, entrará no parlamento do seu país.

1 comentário:

Daniel Agl disse...

Quando eu comecei a acompanhar o movimento reintegracionista galego na internet, conheci esses movimentos separatistas na internet. A maioria deles é de esquerda e morre de amores pela União Soviética. E como existe aquela história de que antes da chegada de Putin, a Rússia estava falida e bagunçada, mas ele foi lá e fez várias nacionalizações (estatizações) e tudo se resolveu. Isso fazem que as esquerdas fabianas sintam que Putin é algo como União Soviética do século XXI.

Porém também é sabido que os Catalãs aspiram serem independentes à muito tempo. Porém usarem bots pra ganhar número nas redes é bem irônico. Ainda mais o governo espanhol que tomou as urnas, ainda que seja inconstitucional, mostram o medo que tem de uma vitória catalã.

Outro problema é a constituição espanhola que proíbe que o território sofra qualquer separatismo. Ou seja, qualquer movimento separatista mesmo que tenha o aval, a permissão do Executivo (primeiro-ministro e parlamento) e do Estado (rei), continua sendo inconstitucional. É impossível fazer um separatismo seguindo a atual constituição.

Pior ainda foi os burocratas afirmarem que referendos não são democráticos, bem irônico, pois eles mesmos foram eleitos por eleições e colocam sua legitimidade nisto.

Sobre as violências, ainda que existam alguns ou muitos feridas forjados, existe diversos vídeos das agressões da guarda nacional contra as pessoas pacíficas e se vê muito bem. Cantou o hino da Catalunha, levou porrada! Tirou a mão do rosto, cacetada na cara!! Foi tirado à força por uma escada e caiu, levou pisada!! Isso são fatos que a guarda nacional e o Executivo terão que responder, porque as imagens são bem claras.