quinta-feira, junho 08, 2017

Português é acusado de se vender à Rússia e comprometer a segurança da NATO

Frederico Carvalhão Gil em Kyiv na Ucrânia em julho de 2007 @Facebook
O Ministério Público (MP) do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) deduziu acusação contra dois arguidos pela prática dos crimes de espionagem, violação de segredo de Estado e de corrupção activa e passiva agravadas. Um dos arguidos é Frederico Carvalhão Gil de nacionalidade portuguesa e funcionário do Serviço de Informações de Segurança de Portugal (SIS) e o outro, de nacionalidade russa, Sergey Nicolaevich Pozdnyakov, integra os quadros do Serviço de Inteligência Externa (SVR) da federação russa.
Amadeu Guerra, o diretor do DCIAP @JORGE AMARAL / GLOBAL IMAGENS
As secretas russas terão obtido através do espião do SIS, Frederico Carvalhão Gil, segredos dos sistemas de defesa da NATO e listas com contactos de agentes, dirigentes e fontes dos serviços de informações portuguesas. O agente português, que foi detido em Roma a 21 de maio de 2016, se encontra em casa em prisão preventiva com pulseira eletrónica. Nesta quinta-feira, 8 de junho de 2017, o Ministério Público (MP), o acusou formalmente de espionagem, violação de segredo de Estado e corrupção, crimes pelos quais Carvalhão Gil terá que responder em tribunal, no âmbito de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e executado pela Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária. O seu cúmplice russo, identificado como Sergey Nicolaevich Pozdnyakov (26.03.1969) e pertencendo aos quadros do SVR, também foi acusado pelo crime de corrupção ativa, uma vez que pagava a Carvalhão Gil pelo acesso aos segredos. O álibi apresentado pelo espião português, segundo o qual os encontros com os russos se destinavam a tratar de um negócio de importação de azeite português para Rússia, não foi fundamentado.
Foto @Facebook
As provas recolhidas ao longo do último ano permitiram confirmar, no entender dos investigadores, os piores receios: o espião traiu Portugal vendendo ao inimigo russo informações sobre a segurança nacional, a defesa da NATO e sobre as secretas portuguesas, comprometendo estes sistemas e entidades. Tudo terá começado desde, pelo menos, 2011, com encontros em quase duas dezenas de países, e as informações de Carvalhão eram consideradas de qualidade e bem pagas – uma média de 10 mil euros por “pacote”. Era esse o valor que tinha com ele quando foi detido, em Itália, quando se encontrava com o seu cúmplice da SVR. O material apreendido ao agente russo, Sergey Pozdnyakov, ajudou também a sustentar a convicção dos investigadores sobre a espionagem.

A dimensão do prejuízo que pode ter causado à credibilidade do país e à própria segurança da NATO é considerada “incalculável” e os investigadores estão cientes da dificuldade de fazer a prova deste impacto em tribunal. Sabem o que têm em mãos: dezenas de documentos com classificação de segurança de interesse para o governo russo, valores apreendidos, contas bancárias passadas a pente fino, vigilâncias e escutas. Sabem que Carvalhão Gil extraiu do SIS relatórios secretos, que não podiam ter saído do serviço, e que os tinha em sua casa, violando o segredo de Estado.

Entre eles, noticiou a revista portuguesa Sábado, relatórios sobre exercícios da NATO – foi representante do SIS em várias reuniões de preparação destas operações que serviam para identificar vulnerabilidades – expondo o sistema de defesa da Aliança Atlântica. Foram também encontrados na sua casa e, possivelmente, na posse de Pozdnyakov, listas de funcionários e fontes das secretas portuguesas, com respetivos contactos e perfis (Sic !), incluindo dos dirigentes e ex-dirigentes. “Não há dúvidas sobre o interesse do SVR em tudo isto, principalmente sobre a segurança da Aliança Atlântica. Conseguiram com esta toupeira, de um país aliado da NATO, uma “porta” para espiar todos os movimentos”, afirma uma fonte que acompanha o caso.
Frederico Carvalhão Gil possivelmente em Tbilissi na Geórgia @Facebook
A investigação já estava bastante consolidada quando as autoridades portuguesas decidiram avançar no terreno com a “Operação Top Secret”, que culminou com a detenção dos dois espiões. Nesta altura o inquérito do DCIAP e da UNCT decorria há seis meses e nas secretas portuguesas, depois da informação de uma agência congénere dar conta de um encontro “discreto” nesse país entre o espião português e o russo, foram tomadas medidas de controlo apertadas e as certezas da traição ganhando volume.

Ao ponto de constatarem que falhas em operações de contra-espionagem, relacionadas com os serviços russos em Portugal, se deveram mesmo a fugas de informação cujo autor só poderia ter sido Carvalhão Gil.

O secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) garantiu por isso, num encontro com jornalistas, em junho de 2016 que “após um período de averiguações internas, desencadeadas por terem sido detetados indícios de comprometimento de atividade operacional na área da contra-espionagem, e do apoio prestado pela cooperação internacional, recolheram-se elementos seguros sobre a realização de encontros clandestinos no estrangeiro entre um funcionário do SIS e um outro de um serviço de informações estrangeiro” (fonte).
Faça click para ler o documento da PGR (em PDF)
No seu comunicado oficial de 8 de junho de 2017, o Ministério Público (PGR) de Portugal explica que de acordo com acusação, o arguido funcionário do SIS foi recrutado pelo SVR para, a troco de pagamento de quantias em dinheiro, prestar informações cobertas pelo segredo de Estado a que acedia em razão das suas funções. Em causa, estão os documentos secretos relacionados com a defesa da NATO, informações pessoais e profissionais de agentes das secretas, incluindo altos dirigentes e dados sobre as capacidades das polícias portuguesas e o seu plano de coordenação.

Segundo a PGR: “apurou-se, em concreto, a realização de três encontros entre o arguido funcionário do SIS e o oficial da SVR acusado. Tendo tido conhecimento antecipado dos planos de realização de um encontro entre os dois, em Roma, no dia 21 de maio de 2016, o MP, previamente, expediu Carta Rogatória às autoridades italianas, para acompanharem a movimentação dos arguidos e confirmarem e vigiarem o encontro dos então suspeitos. Para acompanharem a realização das diligências deslocaram-se a Roma três elementos da Polícia Judiciária”.

Adianta ainda a PGR que “na posse do oficial do SVR foi encontrado e apreendido, designadamente, um documento manuscrito que lhe havia sido entregue pelo funcionário do SIS, contendo informação que foi considerada protegida pelo segredo de Estado. Já ao funcionário do SIS foram apreendidos diversos documentos e objetos bem como a quantia de euro10.000,00 (dez mil euros), montante que lhe havia sido entregue pelo oficial do SVR, como contrapartida das informações que indevidamente recebera”.

Em junho de 2016, o Tribunal de Recurso de Roma, tinha negado tanto a liberação do Pozdnyakov, tanto a sua prisão domiciliar no “Centro de ciência e cultura russa”. Na altura, a sua advogada, Tatiana Della Marra [falante de russo e próxima da embaixada da Rússia em Roma], argumentava que o espião russo tem o direito de imunidade “porque está na posse de um passaporte diplomático, mesmo que este não foi credenciado junto às autoridades italianas”, informava o diário italiano Repubblica.
Advogada Tatiana Della Marra @Iltirreno.gelocal.it
As autoridades portuguesas assinalam que as congéneres italianas [possivelmente pressionadas pelas contrapartes russas] libertaram o espião russo, que não pode ser interrogado no âmbito do inquérito e é “desconhecido o atual paradeiro”.

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