sexta-feira, março 11, 2016

“Aeroporto” do Sergei Loiko. Capítulo VIII: Mishka – Professor (2ª parte)

O texto do romance “Aeroporto” do jornalista e fotógrafo russo Sergei Loiko que apresentamos aos nossos leitores em português é o mais completo, escrito até agora, possuindo as partes inexistentes na edição russa, ucraniana e holandesa (De Luchthaven), publicadas até agora.

@Sergei Loiko Todos os direitos reservados
Tradução portuguesa @Ucrânia em África

Às dezasseis menos um quarto, Sasha bebeu um copo de vodca, fumou um par de cigarros, pegou a garrafa selada, deu as coordenadas do encontro aos operadores dos morteiros, deixou a sua pistola ao comandante do batalhão e caminhou lentamente através da linha da frente.
Eles se encontraram na estação semidestruída de bombagem de água, bastante dilapidada, construída de forma bruta de tijolo vermelho, muito fustigada pelas balas e estilhaços.
Abraços... As memórias, aos formigueiros dobravam a espinha. De pé, acabaram a garrafa, sem se engasgar, sem tirar os olhares um do outro, incapazes de acreditar nos seus olhos. Não pode ser! Isso, car.lho, não deveria acontecer. Isso, p.ta vida, é anormal.

Falaram sobre a vida, sobre as esposas, filhos, gajas, sobre o salário miserável, sobre a vida malfeita. Nem eles próprios conseguiam articulá-lo, mas inconscientemente, ambos sentiam serem atingidos pelos estilhaços na armadura das suas almas, tiveram o mesmo sentimento – alguém os tinha traído, e não havia como escapar.
Sasha, porque eu vim, de facto, – Kolya finalmente acabou com os preliminares. – Vamos trocar. Eu tenho os seus dois – um ferido e um morto. Aplicamos os primeiros socorros ao puto. Ferimento perfurante no ombro. Mas irá sobreviver.
Kolya, hoje estou com a reserva de troca bem baixa, – respondeu Sasha, sentindo quase a desconfortável sensação de culpa, perante amigo, pois não matou, nem feriu os seus.
Leve de fiado. Depois devolves...
Novamente olharam olhos nos outros. Os olhares deles já estavam diferentes. As altas margens do intemporal rio Oka das suas memórias, estavam cobertos de neve.
Cada um chamou o seu grupo com as macas. Desarmados.
Uns trouxeram, outros levaram aos seus o principal produto de troca numa guerra – mortos e feridos.

Dois dias depois, já Sasha ligava ao Kolya. Os seus homens trouxeram um russo morto e dois feridos. Ele estava pronto à pagar a sua dívida.
Tido foi como da primeira vez, mas sem a vodca, sem lágrimas, nem abraços.
– Eu te entreguei um ferido e você me traz dois.
Estou devolver com os juros.
Nem um, nem o outro se riram dessa piada.
Ah, e ainda, – disse Kolya na hora de adeus, como se lembrar de algo pouco importante. – Artilharia irá trabalhar hoje. Três mil obuses. Começamos às 22 zero-zero. Vocês se preparem para o caso.
Não vou conseguir, mudei de quase todas as posições – Sasha respondeu sobriamente.
Bem, vamos pensar em algo.
Toda a noite a artilharia russa alvejava a deserta floresta negra. Kolya lhes forneceu as novas coordenadas – “de acordo com os mais recentes dados de inteligência...”
De manhã, à partir de um número desconhecido, Kolya recebeu a mensagem curta: “Obrigado”.
Desde então, eles não se encontraram mais, não falaram um com outro.

* * *

Foi a única vez em que Kolya desobedeceu uma ordem e cometeu a desobediência.
Em agosto, nos arredores de Ilovaysk tudo foi diferente.
Kolya, pessoalmente combinou com os ucranianos que eles saíssem do cerco em colunas, à pé, sem os equipamentos militares. Mas os ucranianos precisavam de transportar os seus feridos, usando os camiões, ou, pelo menos, os blindados ligeiros MTLB. Kolya concordou.
Quando os ucranianos, alguns milhares, exaustos pelos combates no caldeirão, marcharam, em coluna infinita no "corredor", ao quartel-general da brigada, de rompante, veio o general.
Mas que desfile é este, Sivko? Perdeste a noção, o pombo da paz de car.lho?!
– Mas nós combinamos as condições... Eu relatei à si, camarada general.
É você que combinou com eles! Eu não dei essa ordem!
Você não se opôs. Me disse isso mesmo!
Eu não sei o que eu disse! O Supremo está contra! Pessoalmente! Essa é a sua ordem! Os ucranianos devem, car.lho, perceber, compreender de vez, car.lho, que não vamos brincar mais, é o fim da amizade fraternal f.dida com os fascistas. Compreendeu?
Entendido.
– Ainda mais, eles saem com os seus equipamentos.
– Mas eles precisam de retirar os feridos. Eles têm centenas de feridos. Morreriam no caminho.
Isso é um problema deles. E tu, Sivko, – não és a Madre Teresa. Fogo, car.lho, com todo o armamento!
Sim, camarada general!
E Sivko ordenou o fogo de todas as armas.

Uma terrível imagem veio aos seus olhos no dia seguinte, quando ele e a sua comitiva foram inspecionar o local da "grande vitória". Crateras sobre as crateras. Os restos mortais em toda a parte, até em cima das árvores. Mãos, pés, cabeças, vísceras... Centenas de mortos. Dezenas de blindados BMP, BTR, os camiões queimados. Mais de duas centenas de prisioneiros – quase todos feridos.
Pela operação de sucesso em Ilovaysk, Sivko recebeu o título de herói da Rússia. Em segredo, sem nenhuma pompa.
Os colegas brincavam, dizendo que ele agora é o primeiro herói da Novoróssia – Sivko-Ilovayskiy.

* * *
– Odeio, repete em voz alta Sivko, limpando os lábios.
Acalmando-se um pouco, tira o telefone celular, lê a última mensagem: "Mais uma vez indisponível. Assim as crianças vão esquecer o pai. Que tipo de exercícios infinitos são estes? Amo, beijo, espero. "
Ele toma mais um gole, e não arranja o tempo suficiente para teclar uma resposta. Na entrada da cidade, dois mísseis “Uragan”, um após o outro, dos cinco lançados, transformam o “Tigre” do coronel numa pilha de metal retorcido fumegante.
O coronel “morreu no decorrer dos exercícios no campo de treino na região de Rostov." Uma semana depois, o camião, do assim chamado “comboio humanitário” levará à localidade de Chervoniy Kamin as munições e provisões à linha da frente. E levará para casa o corpo mutilado, meio queimado do coronel e mais noventa corpos de militares russos. O “comboio humanitário” será composto por sete camiões. Três deles com equipamentos de congelação.
Enquanto isso, na pista de aeroporto, o blindado MTLB, com a velocidade do carro fúnebre, transporta aos seus, sobre e na sua blindagem, catorze (não, já quinze) mortos e dezoito feridos. Esta é a última “gaivota”. Não haverá mais...
Os pára-quedistas russos se levantam, quase totalmente de pé, nas suas trincheiras e efetuam, uns um, outros dois tiros, e outros, uma rajada no ar, de todos os tipos de armas.
O mecânico Semenych, se benze sem cessar, dentro do MTLB, com a mão livre. Ele não sabe que os tiros eram apenas as “saudações”.
* * *
O primeiro-sargento Svetlov, com o nome de código Nalim, até o fim permaneceu na torre, substituindo o comandante. Escuro, cheio de fuligem, como todo o mundo. Sob a fuligem não são visíveis as sardas, nas suas bochechas e nariz. Sem o capacete, com o cabelo ruivo sujo e despenteado.
Ele lançou o seu olhar em redor da mesa, contemplando todos, incluindo o jornalista e palavra por palavra repetiu a sua história incrível, parece que relatava de forma resumida o conteúdo do “Viy” de Gogol.
– O primeiro batalhão, a terceira companhia – são treze, certo? – O dedo escuro parou no primeiro dígito da folha que Nalim erguida acima da mesa, mais perto da lâmpada. – Depois o primeiro pelotão, o terceiro grupo. Mais um treze! Agora o BTR número 131, o líder do pelotão sargento Zlatko, “Z” parece “três”. Então? Mais duas vezes aparece treze. No total – quatro vezes! Mais! Ao sair, eu tinha treze carregadores – já são cinco vezes! A torre de treze andares – já são seis! O quarto em que dormimos, de manha vejo, a porta é o número treze! O que é mais interessante, o número treze é repetido sete vezes! Sete! Nós temos exatamente sete mortos. Tivemos. É assim!
Todos ficaram em silêncio. Eles já ouviram essa estória duas ou três vezes. No grupo do Bander, ficou trinta e uma pessoa, sem contar com o fotógrafo. Treze ao contrário.
– Porque tu não foste? Stepan leva Oleksiy ao lado. – Era uma ordem!
Eu não sou seu subordinado, Stepan. Tu viste, naquela carreira todos os lugares eram ocupados.
– O que faço consigo, tio Liosha? Nіka me comerá vivo! Eu lhe prometi!
O prometido se espera por três anos.
Três anos! Agora seria ótimo aguentar por três horas!
– Vão conseguir. Eles não sabem quantos de nós ficamos. Isso é, quantos de vocês, – se corrige Oleksiy.
A capa final da edição polaca / polonesa
Continua...

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