quinta-feira, novembro 12, 2015

Le Monde: Saakashvili, a retroescavadora de Odessa

Hoje, na Ópera de Odessa Mikheil Saakashvili irá entregar a medalha ao militar ucraniano que voltou da guerra do Donbas. Dois anos Saakashvili deixou de ser presidente da Geórgia (2003 – 2013), país que governou através das reformas radicais, vistas no Ocidente como um modelo de sucesso.
  
por: Benoit Vitkine, Le Monde, França (versão curta)

Desde 30 de maio de 2015 Saakashvili é governador da região de Odessa, sensivelmente de tamanho da Bélgica. Ele foi colocado no cargo pelo presidente Petró Poroshenko, recebendo a cidadania ucraniana.

De Tbilissi à Odessa

Desde o fim de 2013 Saakashvili aparece na Ucrânia. Na Geórgia, o novo poder começou a vendeta política contra ele e contra o seu partido. Passando pelos EUA, ele aparece em Kyiv, apoiando os revolucionários de Maydan, depois se tornou o conselheiro do novo presidente.

«Maydan salvou a minha vida!» – diz Saakashvili, recordando a sua passagem pela Nova Iorque, onde tentou viver como a pessoa normal, escrevendo o livro de memórias. Na Ucrânia, recebeu a proposta de ser o 1º vice-primeiro ministro, mas recusou, pedindo o seu posto atual. «O jogo ultrapassa esta cidade e esta região. Podemos mostrar à Ucrânia e ao todo espaço pós-soviético que as mudanças são possíveis. Odessa é a cidade considerada pelos russos como sua. [...] Se vamos conseguir aqui, isso será uma derrota do Putin».

Para Saakashvili a luta contra Kremlin não está terminada. Na Geórgia ele propôs a luta civilizacional contra o modelo soviético, o que levou às reformas profundas do país, à sua modernização, à luta contra a corrupção. Na Ucrânia pós-revolução, em confronto com a Rússia, Saakashvili possui os “diplomas” necessários: do reformador e do lutador.

O novo governador escolheu a Odessa pois é o seu campo, o «difícil». A cidade foi fundada no século XVIII, algumas vezes foi dirigida pelos estrangeiros, duque Armand du Plessis e conde Alexandre-Louis de Langeron. Graças ao seu porto é o local mais cosmopolita da Ucrânia, com as comunidades gregas, arménias e judaicas…

Na primavera de 2014 uma parte da cidade aderiu às ideias separatistas. Os confrontos levaram aos 50 mortes, na sua maioria entre os pró-russos. A geografia da região, situada perto da Transnístria, zona separatista da Moldova, a Crimeia anexada, colocam Odessa na posição estratégica. A objetivo do Saakashvili é vencer a corrupção, o cancro da região.
«Aqui é Europa com a verdadeira cultura europeia. Mas aqui temos também piores estradas da Europa, piores redes de abastecimento de água da Europa, piores funcionários públicos da Europa... Mesmo na URSS, o poder nunca sabia o que fazer com essa cidade estrangeira, profundamente capitalista, onde os cidadãos se acostumaram à manter uma vida paralela, onde se manifestar contra o Estado era considerado um ato algo nobre...»

Alguns dias depois, Saajashvili visitou a construção de uma estrada circular na cidade de Reni na fronteira com a Roménia. Nenhum governador anterior visitou esta zona depressiva nos últimos 8 anos. Os locais perguntam o governador sobre as tarifas de água, sobre a recolha do lixo. Uma mulher queixa-se do funcionário do conselho municipal que nunca está no seu local de trabalho. Saakashvili pega o telemóvel e liga para Odessa: «Você me assegurou que o processo será resolvido. O que se passa?»

É bom saber o que fazer e fazer muito daquilo que sabes

É um brand de Saakashvili: é bom saber o que fazer e fazer muito daquilo que sabes. O seu poder do governador é muito limitado e por isso a comunicação excessiva é o seu melhor trunfo. Ele o admite abertamente: «Cada vez, quando recebemos algo, recebemos por usar a pressão da opinião pública. A ligação com a sociedade é a minha única arma.»
A região é gerida apenas através de emissão de permissões para a construção, abertura das empresas, atribuição da terra, emissão de documentos, política social e polícia. «Por outras palavras, é uma posição ideal para introduzir os esquemas de corrupção, em vez de lutar contra estas», - explica o politólogo e professor universitário Milhail Minakov.

«Na Ucrânia, se a pessoa não sente o interesse pessoal, nada é possível, – diz Saakashvili. – Todo o sistema é corrupto. Cada funcionário possui o poder ilimitado, cada junta de freguesia possui mais poder do que o presidente. Desde o nível mais baixo até ao nível governamental nada se move, é triste. Podemos apanhar os funcionários públicos e deputados locais corruptos, mas o Código Criminal funciona de maneira que eles sempre escapam. Em primeiro lugar tem que mudar a lei
À espera da grande revolução, Saakashvili entra nas pequenas batalhas e consegue as pequenas vitórias. A sua última batalha é anular regras e taxas que impossibilitam o acesso ao mercado aos pequenos produtores de vinho. Em 16 de outubro, ele abriu, sem a base legal, mas com apoio do presidente Poroshenko, o Centro de serviços administrativos, que irá centralizar a prestação dos procedimentos administrativos aos cidadãos e diminuir as possibilidades de corrupção.  

Cortar o que está à mais
Saakashvili possui em Odessa um grupo de apoiantes, composto pelos companheiros georgianos, empresários, ativistas do Maydan, entusiastas sem a experiência (administrativa). O seu símbolo é Maria Gaydar (33), proveniente da oposição russa e filha do liberal e reformador russo da década de 1990, Yegor Gaydar.

Além disso, Saakashvili usa o método que domina melhor, cortar o que está à mais: 26 chefes das administrações distritais foram demitidos e os novos nomeados após um concurso público; foram detidos 20 polícias e metade dos funcionários da administração estatal regional, 400 pessoas. «E mesmo os que ficaram, – lamenta Saakashvili, – apenas 40 trabalham de forma séria. É necessária uma nova geração, a antiga não consegue mudar.» É preciso notar que os salários de 100 à 200 Euros mensais não apresentam nenhum estímulo ao trabalho honesto e efetivo.

Porto de Illichevsk
O porto fica à 20 km de Odessa, é um dos mais importantes na Europa e primeiro na Ucrânia. A taxa média, para que o contentor não seja atrasado sob os pretextos falsos é de 4500 Euros. Milhões de Euros do contrabando são retirados do orçamento do país mensalmente. Ultrapassando os seus poderes, Saakashvili exigiu publicamente a cabeça do diretor do porto e do seu colega das alfândegas. Depois, ele colocou nas alfândegas a sua vice, Yulia Marushevska (25). Ela será responsável para que apenas 5-7% das cargas passem pelo controlo apertado, os restantes contentores serão desalfandegados em apenas alguns minutos. À troco, Saakashvili quer que metade dos lucros seja usada para reconstruir a rede rodoviária da região.  
  
Desapontado com os bloqueios

A recente discussão com o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk criou o terreno aos rumores sobre o seu interesse naquela posição... Saakashvili confessa que está desapontado como o bloqueio da vida social ucraniana. Aos 47 anos ele recorda sua Geórgia natal com orgulho e nostalgia: «Lá fazíamos os milagres, tudo era possível. Aqui... pouca coisa é possível.»

Ler o artigo em francês apenas no suplemento do jornal “Le Monde”, ler a tradução integral russa:

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