segunda-feira, março 16, 2015

Petró Poroshenko: a Rússia não tem mais a linha vermelha

Entrevista exclusiva do Presidente da Ucrânia, dada na sua residência oficial em Kyiv à equipa da revista alemã Bild: De Kai Diekmann, Julian Paul, Reichelt Ronzheimer (texto) e Daniel Biskup (Fotos).

Ele tem uma das posições mais difíceis do mundo: Petró Poroshenko (49), o presidente da Ucrânia. Seu país está em constante conflito com a Rússia, quase todos os dias há novas mortes. Na segunda-feira Poroshenko será recebido em Berlim pelo alemão Presidente Gauck (75) com as honras militares, depois reúne-se com a chanceler alemã, Angela Merkel (60).

Bild: Sr. Presidente, há cinco semanas, em Minsk, um cessar-fogo foi acordado com a Rússia. O que você vai dizer a chanceler Angela Merkel na segunda-feira sobre a situação na Ucrânia?
Petró Poroshenko: Deixe-me dizer uma coisa em primeiro lugar: O papel do chanceler em apoio da Ucrânia é muito especial, ele mostra um alto nível de compromisso pessoal com a paz. Angela Merkel e o presidente francês, François Hollande fizeram, com o seu talento diplomático, que poderia haver em Minsk, no final, um acordo, eles sempre nós apoiaram fortemente, desde o início. Mas agora temos novamente uma situação extremamente perigosa – e Ucrânia precisa desesperadamente da ajuda da Alemanha...

Bild: Porque apesar de Minsk, na Ucrânia Oriental ainda decorrem os intensos combates...
Poroshenko: A Ucrânia tem cumprido cada ponto do acordo de Minsk, o cessar-fogo foi implementado do nosso lado imediatamente. Mas as forças russas fizeram exatamente o oposto! Pouco depois do início da trégua atacaram Debaltseve, desde a assinatura do Minsk perdemos 68 soldados, 380 ficaram feridos. E à cada dia decorrem os bombardeamentos russos, muitas vezes mais de 60 vezes por dia – em um total de 1.100 vezes o cessar-fogo foi violado.

Bild: Assim, o acordo de Minsk falhou?
Poroshenko: A boa notícia é que os combatentes apoiados pelos russos atualmente não disparam, pelo menos, com os lançadores de foguetes e outras armas pesadas, como têm feito isso antes. Mas a verdade é que o acordo não funciona. Minsk é a nossa esperança, não a realidade. Eles dizem que retiraram as suas armas, mas não oferecem à OSCE o acesso para controlo. Exibem os soldados ucranianos de forma desumana como prisioneiros de guerra nas ruas de Donetsk em público. E nós tememos do que pode haver um novo ataque, por exemplo, contra Mariupol, à qualquer momento.

Bild: Tudo isso não soa muito esperançoso.
Poroshenko: O mundo inteiro precisa de entender a guerra que a Rússia lidera contra a Ucrânia. Tudo começou com os separatistas russos que foram apoiados na primavera de 2014 pelas armas russas. E que desde o verão (de 2014) há tropas russas regulares na Ucrânia, dezenas de milhares de soldados. A única maneira de parar esta guerra, é a retirada completa das tropas russas.

Bild: Mais e mais ucranianos exigem à adesão à NATO devido a ameaça russa...
Poroshenko: Eu não acho que faz sentido discutir essa questão agora. Isso não está agora na agenda. Devemos concentrar-se aqui nas reformas, fazendo o nosso dever de casa. Em seguida, haverá automaticamente um referendo sobre a adesão à NATO e os ucranianos decidirão.
É bastante claro: relações com Rússia não prescrevem em que aliança podemos estar e na qual não. E também é claro: desde 2008, houve o compromisso de que as portas da NATO estão abertas para nós.

Bild: em menos de três anos, o Campeonato do Mundo será realizado na Rússia. Isto é para você, a partir da perspectiva de hoje, é possível?
Poroshenko: Eu sempre disse que o futebol não tem nada a ver com política e devem-se separar as duas coisas. Mas como isso é possível? Nosso clube melhor sucedido, FC Shakhtar Donetsk, foi jogar há meses em Lviv à 1.200 quilómetros de distância, porque os soldados russos ocuparam Donetsk. Eu acho que é preciso falar sobre um boicote deste Campeonato do Mundo. Enquanto as forças russas estiverem na Ucrânia, eu asseguro que o Campeonato do Mundo naquela terra é impensável.

Bild: em seis semanas a chanceler (Merkel) visitará Moscovo para comemorar com o presidente russo Putin o 70º aniversário do fim da guerra.
Poroshenko: Diálogo da Angela Merkel com a Rússia é extremamente importante para nós. Mas eu duvido que uma visita em 9 de maio tem o caráter correto. O que a Rússia está a fazer agora, não tem nada a ver com os ideais que levaram à vitória sobre os nazis na Segunda Guerra Mundial.

Bild: nos EUA, o tom em relação Putin é muito mais acentuado do que na Europa. Você pode contar com os norte-americanos na Europa?
Poroshenko: O acordo entre os EUA e a Europa é crucial para a resolução do conflito. Se vocês estão se referindo ao debate sobre a venda de armas, não só os EUA nos ajudam, onze países europeus estão à apoiar-nos com equipamento militar e técnico. Trata-se de armas de defesa e de tecnologia militar de apoio.

Bild: o que você precisa aqui da Alemanha?
Poroshenko: Mesmo agora, temos, por exemplo, coletes prova-de-bala da Alemanha. Mas precisamos mais, à fim de nos defender e poder proteger melhor os soldados. Precisamos de sistemas de radar, drones, rádios e dispositivos de visão noturna. Além disso, eu também vou falar com o chanceler. Não se trata de armas de assalto. Não queremos atacar ninguém.
Presidente ucraniano visitando neste domingo um militar ucraniano em tratamento em Dresden
Bild: são as actuais sanções contra a Rússia?
Poroshenko: Deverá haver uma reação pela violação do cessar-fogo acordado. Isso pode significar mais sanções – em qualquer caso, as sanções aplicáveis ​​agora deve ser estendidas até o final do ano.

Bild: Muitas pessoas na Alemanha estão com o medo de que o conflito na Ucrânia poderia ser uma guerra muito grande.
Poroshenko: Eu sou um presidente de paz, não de guerra. E eu odeio ter que levar a palavra de uma terceira guerra mundial na boca. Mas, independentemente destes cenários de pesadelo, é precisa remover os óculos cor-de-rosa e perceber que a estrutura de segurança que vigorou por 70 anos e garantiu a paz na Europa não funciona mais.
Um exemplo: o Conselho de Segurança da ONU é impotente porque tem como membro permanente e simultâneamente um agressor – Rússia, que bloqueou decisões. Iraque, Chechénia, Transnístria, Afeganistão – todos estes foram os conflitos regionais num curto período de tempo. Na Ucrânia, agora estamos a assistir a uma guerra em que atuam 50.000 soldados de cada lado. A guerra na qual a Rússia usa a maior máquina militar da Europa. Esta é uma guerra global em que a Rússia não tem mais nenhuma linha vermelha.

Bild: você acredita que Putin usará as armas nucleares, mesmo num caso extremo?
Poroshenko: Se você me perguntar hoje: não, eu não acho que é provável. Mas se você tivesse me perguntado há 18 meses, se eu acho que é provável que a Rússia anexe a Crimeia, eu também teria dito que não. E se você tivesse me perguntado se Putin iria enviar tropas russas regulares no leste da Ucrânia, para matar cidadãos ucranianos, eu teria dito não novamente. O facto é: a Rússia não tem mais nenhuma linha vermelha.

Bild: quando você falou com Putin pessoalmente, como você achou-o?
Poroshenko: Deixe-me dar-lhe um exemplo. Em Minsk, eu falei com ele sobre o destino da nossa jovem piloto (Nadia Savchenko) capturada pelos russos. Perguntei Putin: quando você finalmente libertalá-la? Ela defendia o seu país no solo ucraniano. Durante nove meses, você mantêm-la ilegalmente presa. Ela é uma heroína. Putin apenas respondeu friamente: “eu não posso fazer nada, o nosso judiciário é independente”.

Bild: o que é Putin realmente?
Poroshenko: Ele acha que está agindo no interesse da Rússia. Eu acho que ele está agindo contra os interesses da Rússia. Putin quer controlar a Ucrânia, mas ele não irá criar nada, mesmo atacando Kyiv. A Ucrânia nunca foi tão unida como agora com o desejo de ser um país livre e democrático. Putin fez o nosso país tão pró-europeu pela agressão russa, como quase ninguém poderia ter imaginado.

Ler original (em alemão): „Russland kennt keine rote Linie mehr“:

Tradução para português @Ucrânia em África

Bónus

POEMA EM ÃO (dedicado à Crimeia)
Crimeia (em acção):
Grande multidão
na celebração
de um ano de anexação.
Imensa satisfação.
Ou não?

Multidão II

Na cidade de Murmansk, no norte da Rússia, decorreu um comício dos apoiantes do atual regime moscovita, que pretendiam celebrar o “retorno da Crimeia à mãe-pátria”. Veio a multidão de 30 pessoas (FONTE), fotos @Marina Aleksandrova.

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