quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Desamparados: tragédia dos americanos na URSS

No seu livroThe Forsaken: an American Tragedy in Stalin's Russia” (Penguin Press, 2008, 448 p., ISBN 2147483647), o autor britânico Timotheos (Tim) Tzouladis*, expõe a tragédia dos cidadãos americanos que vieram à URSS a procura do “paraíso socialista” e acabaram mortos ou em GULAG.

Em 1931, no auge da Grande Depressão americana, a representação comercial soviética em Nova Iorque, Amtorg (“capa” das operações secretas soviéticas nos EUA), publicou anúncio que oferecia 6.000 vagas na URSS para os especialistas americanos. Mais de 100.000 americanos responderam ao este anúncio. Destes, entre 6.000 à 10.000 se mudaram para URSS.

A esquerda liberal nos EUA acreditava que o capitalismo está a colapsar e este será substituído pelo socialismo. O escritor Bernard Shaw dizia na rádio que o futuro está com URSS. O jornalista da New York Times, Walter Duranty escrevia os artigos de conteúdo semelhante (trabalhou em Moscovo entre 1922 e 1936, negando Holodomor ucraniano). A URSS oferecia trabalho garantido para os adultos, educação gratuita para os seus filhos, medicina gratuita às famílias. Alguns voluntários até receberam os bilhetes pagos para chegar à URSS.

Muitos destes americanos trabalhavam nas fábricas em Detroit ou detinham algum saber-fazer industrial, sendo engenheiros, professores, metalúrgicos, encanadores, mineiros, entre outros. No período entre 1929 e 1936 URSS gastou cerca de 40 milhões de USD na compra de tecnologias industriais americanas, principalmente junto ao industrial Henry Ford.

Cerca de 700-800 americanos trabalhavam na fábrica automóvel de Níjni Novgorod, o mesmo acontecia na fábrica de tratores de Estalinegrado. Depois de americanos partilharem os seus conhecimentos com especialistas soviéticos, eles se tornavam menos valiosos e facilmente substituíveis.
Mas antes disso, as coisas pareciam ir bem. As colónias americanas foram criadas nas cidades de Moscovo, Gorky, Níjni Tagil, Magnitogorsk, em Carélia e na Ucrânia. Em Moscovo, no parque Gorky, os americanos jogavam basebol. Até foi criada uma liga soviética do basebol, ideia apoiada no início pelas autoridades soviéticas. No jornal “Moscow Daily News” (fundado em 1930 pela esquerdista americana Anna Louise Strong), semanalmente eram publicados os relatos de jogos de basebol dos EUA e da URSS. Com início do Grande Terror todos os basebolistas foram presos e o facto de haver basebol na URSS apagado da história oficial soviética.
Os americanos (e outros estrangeiros) que se mudavam para URSS viam os seus passaportes confiscados. Estes documentos por vezes serviam a espionagem soviética, usados pelos agentes do OGPU – NKVD no estrangeiro.

Alguns americanos conseguiram voltar para os EUA, principalmente se agiam rapidamente, protestavam barulhentamente e tinham o dinheiro para comprar o bilhete de regresso. Muitos deles, senão a maioria, chegavam à URSS sem nenhum dinheiro, acreditando nas promessas soviéticas de emprego e alojamento garantido. Quando queriam regressar, descobriam que precisavam entre 60 à 150 dólares, que simplesmente não tinham.
Em 1934, William Christian Bullitt, Jr., o primeiro embaixador dos EUA na URSS escreveu ao Departamento do Estado, contando sobre os americanos mendigos, perguntando como os poderia ajudar. A sua carta foi entregue à Cruz Vermelha, que por sua vez declarou, que não é obrigada ajudar aos americanos voltar à sua pátria.

Em 1937-1938, no pico do Grande Terror, muitos americanos eram presos pelo NKVD à saída da embaixada americana, o regime paranoide considerava as embaixadas estrangeiras como centros de espionagem. Os detidos tinham dois tipos de destino. Uns eram interrogados e executados no período de um mês ou até de algumas semanas. Os mais felizardos eram colocados nos vagões de gado e enviados para as partes longínquas da URSS.

O comunista americano de origem italiana, Thomas Sgovio (1916-1997), autor do livro “Dear America! Why I’m turned against communism” foi mandado de Moscovo ao Magadan, demorando 28 dias na viagem. Sgovio chegou a pesar menos de 50 kg, tatuando o seu próprio nome para ser reconhecido após a morte. Sobreviveu graças ao seu talento de desenhador, ele conseguiu arranjar o trabalho fora da mina de ouro, pintando os pósteres propagandísticos.
Um outro americano, Victor Herman (1915-1985), passou 18 anos no GULAG e no exílio. Ele conseguiu voltar aos EUA, onde escreveu os livros «Coming Out of the Ice» (1979), «The Gray People» (1981) sobre o destino dos 300 operários das fábricas do Henry Ford, enviados para URSS, «Realities: Might and Paradox in Soviet Russia» (1982) e «Six Countries to the United States» (1984). Pugilista e paraquedista, Herman era muitíssimo forte e queria viver. Mas eram as exceções, a maioria dos americanos morreu nos campos de concentração soviéticos. Apenas alguns conseguiram retornar aos EUA na década de 1970. Outros só após o início da Perestroica em 1985.

Mais um facto interessante, durante a II G.M., a URSS fornecia aos EUA ouro extraído em Kolyma pelos prisioneiros. O ministro das finanças dos EUA, Henry Morgenthau, sabia da origem deste ouro, mas preferia ignorar este facto.

O Departamento do Estado considerava estes americanos como esquerdistas e radicais que escolheram o seu próprio destino. George Kennan, diplomata e pensador americano, que trabalhou na embaixada dos EUA na URSS e influenciou sobremaneira a política externa dos EUA, escreveu em 1946 o famoso “Telegrama longo” (Long Telegram), um dos documentos mais citados da Guerra fria. Kennan escreveu nomeadamente que os comunistas americanos recusam a sua origem americana no momento em que pisam o solo soviético.

O já citado William Christian Bullitt, Jr., no início simpatizava ao bolchevismo, considerando que este não difere muito das reformas “New Deal” do presidente Franklin D. Roosevelt. Mas no momento em deixar o seu posto ele foi totalmente dececionado, até tentou reunir algum dinheiro para ajudar aos americanos deixar a URSS, querando participar no seu salvamento de alguma maneira.

Em 1937, Bullitt foi substituído pelo Joseph Edward Davies, incumbido de reatar as relações políticas com Estaline. Entre amizade com Estaline e os seus próprios cidadãos, embaixador escolheu Estaline, em resultado os emigrantes morreram. À título de exemplo, o embaixador da Áustria em Moscovo, no pico do Grande Terror escondeu duas dúzias de austríacos nas caves da sua embaixada. Nenhum embaixador americano fez algo parecido.

Mas os americanos foram perseguidos na URSS não apenas durante o Grande Terror, mas também durante a II G.M., quando os países eram aliados na luta anti nazi. Na cadência do embaixador William Averell Harriman, NKVD prendeu uma família americana que trabalhou na embaixada dos EUA em Moscovo, acusando-a de espionagem. Embaixador escreveu ao Washington, perguntando o que poderia ser feito, recebendo a resposta que a intervenção americana não teria nenhuma perspetiva.

Em 1948, Alexander Dolgun (1926-1986), um funcionário da embaixada dos EUA em Moscovo, foi detido, acusado de “espionagem ao favor dos EUA” e condenado aos 25 anos de GULAG (cumpriu 8). Durante 15 anos foi obrigado a viver na URSS como “cidadão naturalizado soviético”, conseguindo retornar aos EUA onde escreveu o livro “Alexander Dolgun’s story – An American in the Gulag” (Nova Iorque, 1975, ler trecho em russo).

Na entrevista à página Washington ProFile, citada pelo Inosmi.ru, Timotheos Tzouladis disse o seguinte:

Lendo as lembranças das pessoas que passaram pelos campos de concentração e as cartas de pessoas que tentavam saber sobre o destino dos seus familiares presos, sentes a dor, que chega décadas após os acontecimentos descritos, e compaixão por aqueles que passaram por tudo isso. Uma pessoa normal não consegue livrar-se do terror lendo isso.

Os acontecimentos nos campos de concentração nazis são bem conhecidos: nomeadamente porquê foram libertados pelos aliados e tudo foi filmado e fotografado. Em resultado todos sabem sobre as consequências do nazismo. Mas foram preservadas poucas fotografias dos campos de concentração soviéticos, lá eram proibidas as câmaras fotográficas. Provavelmente, as fotografias semelhantes poderiam nos fornecer a compreensão plena sobre o que realmente era estalinismo”.

* Timotheos Tzouladis nasceu na Grécia, cresceu e vive na Grã – Bretanha. Graduado pela Universidade de Oxford. Jornalista televisivo e autor dos filmes documentais. Autor do livro “The Forsaken: from the Great Depression to the Gulags: Hope and Betrayal in Stalin's Russia”.

1 comentário:

Anónimo disse...

É por isso que quando sugerimos que um esquerdista vá pra Cuba ele não vai e ainda fica bravo.