domingo, junho 24, 2012

Retrato político do KGB


Em 1992 a jornalista investigativa, cientista política, escritora e mulher da rádio, Yevgenia Albats (atualmente a editora-chefe da edição russa da revista The New Times Magazine), publicou o livro “Mina de ação retardada. Retrato político do KGB da URSS” (editora Russlit, ISBN 5865080091).

20 anos depois é possível constatar que vários métodos criados e usados pelo KGB nas décadas de 1960 – 1990 são diariamente usados pelos seus sucessores. Dai a necessidade de voltar ao trabalho de Albats para perceber melhor como um dos mecanismos do poder gradualmente se transformou no poder em si...

KGB e Igreja Ortodoxa Russa

KGB recrutava os informadores entre a hierarquia da igreja: agente “Abado” é chefe do Departamento editorial da Patriarquia de Moscovo, Metropolita Pitirim, agente “Drozdov” era último patriarca da IOR, Alexis II, em relação ao qual, como testemunham os documentos do KGB de 1988 foi “preparada a ordem do chefe do KGB da URSS sobre a condecoração do agente “Drozdov” com a “Diploma de Honra”. “Nenhuma candidatura do bispo, ainda mais de alta hierarquia, muito menos o membro do Sínodo Sagrado, não passava sem a confirmação do Comité Central do PCUS e do KGB,” – testemunha o ex-chefe do Conselho das religiões do Conselho de Ministros da URSS, Konstantin Kharchev. “Os contatos com KGB, para não dizer pior – o trabalho para KGB era a condição indispensável para a subida na carreira na IOR: praticamente não havia exceções”, – afirma padre Gleb Yakunin.

KGB e a opinião pública mundial

“Além da informação, PGU gasta os seus esforços para a criação de desinformação. Para isso existe o serviço especial das “ações ativas”. Este serviço estava infiltrado entre os “movimentos da paz” fora da URSS, desempenhando entre eles um papel importante. O Serviço “A” trabalhava com a disseminação de notícias falsas, principalmente nos países do terceiro mundo. Uma delas é a versão do que SIDA foi o resultado dos experimentes americanos com as armas biológicas. Em 1986-87 essa versão foi ativamente propalada nos jornais soviéticos. “Gazeta Literária” publicou, “Moscow news” resistia como podia. “MN” na altura era órgão da Agência de Imprensa Novosti (APN), cujo chefe era ex-secretário do Comité Central do PCUS, ex-embaixador da URSS na RFA, Valentim Falin, pessoa bastante educada e intelectual. Falin praticamente “torcia as mãos” ao editor do “MN”, Yegor Yakovlev, o obrigando publicar o artigo sobre “crime hediondo do militarismo americano”. Yakovlev resistiu, parcialmente graças à opinião do acadêmico imunologista Rem Petrov, que nas conversas privadas chamava essa versão de “invenção doentia”.

Os dados da Procuradoria-geral da Rússia apontam que entre 1981 e 1991 a pobre URSS transferiu aos partidos comunistas e de esquerda, mais de 200 milhões de USD. Por exemplo, KGB informava que “em resultado das eleições legislativas em Sri Lanka, o principal partido oposicionista do país – Partido da Liberdade da Sri Lanka (PLSL), encabeçada pela Sirimavo Bandaranaike, recebeu a ajuda financeira para a condução da campanha eleitoral do partido (Deliberação do Comité Central do PCUS № 216 K/OB de 3.02.89), aumentando a sua representatividade no órgão legislativo de 8 para 67 deputados. Além disso, com o nosso auxílio material, no parlamento foi colocado um certo número dos contatos de confiança do KGB da URSS, quer do PLSL, quer do Partido Nacional Unido (PNU).

Caros camaradas! Nós próprios, claro, tentamos receber os recursos financeiros, nomeadamente através dos pagamentos de resgates pelos representantes da oligarquia local, quando os conseguimos raptar. Mas o desenvolvimento da luta armada contribui para que quase todos eles deixassem o país e agora vivessem no estrangeiro”, com essa espontaneidade infantil escrevem os pedintes de um país latino-americano (Estenograma da audição parlamentar de investigação das atividades económicas do PCUS, p. 8).

KGB e a juventude

O 5° Departamento (contrainteligência ideológica) controlava os principais estabelecimentos de ensino de Moscovo. A faculdade filológica da Universidade Estatal de Moscovo era conhecida como a “faculdade das esposas diplomadas”, concorrida pelos filhos da nomenclatura comunista e estatal. Os camaradas sabiam que faculdade era servida pelo KGB, por isso ligavam-nos. Nas comissões de admissão sempre estava gente do KGB, agentes, pessoas de confiança ou “contatos”. KGB lhes entregava a lista, quem deveria entrar ou quem não deveria…

Quem não deveria, obviamente não entrava. “Durante a verificação prévia dos candidatos que concorriam ao Instituto de Literatura, em relação de alguns deles foram recebidos os materiais que os comprometiam. Na base destes dados, os candidatos Romanchuk, Kasianov, Chernobrovkin, Osipova foram barrados à admissão durante o processo de exames de admissão”, informava o departamento em 1985. Tudo isso continuava durante a Perestroica, “junho-agosto eram os meses mais quentes, mas muitos fizeram a sua carreira nisso, os pais sabiam agradecer”, conta um dos veteranos do KGB.    

KGB: estado dentro do estado

KGB possuía: inteligência, contrainteligência, polícia secreta, comunicações governamentais, exército de guarda-fronteira, departamentos de investigação, contando com o Departamento da luta contra o crime organizado, exército. Além disso, tinham uma rede fechada de institutos de investigação e uma rede aberta, executando os pedidos do KGB. Em 1991 o KGB tinha a intensão de criar a Direção ecológica. E claro, tinham todo o resto, desde a religião até o desporto.

Os dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa apontam que dos 3.900 funcionários do MNE da URSS, 2.200 trabalhavam para KGB e GRU. Boris Pankin, o ex-embaixador soviético na Checoslováquia, último Ministro dos Negócios Estrangeiros soviético e desde 1991 embaixador russo na Grã-Bretanha conta: “Nas embaixadas cerca de metade do pessoal eram “aqueles rapazes”. Eles controlavam o coletivo, por vezes até os embaixadores estavam nas suas mãos. Na Checoslováquia chegou-se ao ponto de até os diplomatas de carreira, para aumentar o seu rating, difundiam um rumor: eu não estou cá de qualquer maneira, estou pela ordem (do KGB)”.

País dos informadores

Após a abertura dos arquivos, foi sabido que a Stasi da RDA tinha 180.000 agentes no universo populacional de 16,5 milhões; StB na Checoslováquia possuía 140.000 informadores, entre eles 12 membros do parlamento e 14 ministros e vice-ministros, no universo de 15,5 milhões de habitantes. Usando a mesma proporção, podemos chegar a conclusão do que na URSS com o KGB colaboravam no mínimo 2.900.000 cidadãos. O coronel do KGB na reforma, Yaroslav Karpovich, que toda a sua vida trabalhou na contrainteligência ideológica afirma que cerca de 30% da população adulta da URSS de uma ou de outra maneira, como a pessoa de confiança ou como “ajudante informal”, trabalhou para KGB.
 
As raízes do KGB

O Conselho dos Comissários do Povo aprovou a deliberação oficial sobre o Terror Vermelho em 5 de setembro de 1918. Desde ai, a sigla VCheKa era decifrada popularmente como – o Fim de Cada Homem… “O nosso terror é um terror forçado, – afirmavam os líderes bolcheviques. Não é terror do CheKa, mas o terror da classe operária”. Os líderes do CheKa eram mais honestos: “Com a vassoura de ferro iremos varrer toda a canalhice da Rússia Soviética, – escrevia na revista “Terror Vermelho” de 1 de novembro de 1918, o chefe do CheKa ucraniana, Martin Latsis. — Não procurem no caso do acusado as provas se ele se sublevou contra os Sovietes com as armas ou com as palavras. Primeiramente, vocês se devem perguntar, à que classe social ele pertence, qual é a sua origem social, qual é a sua formação acadêmica e qual é a sua profissão. Estas perguntas devem ditar o destino do acusado. Nisso está o significado do Terror Vermelho”.

Já em 29 de abril de 1969, o futuro líder soviético, Yuri Andropov escreveu a carta ao Comité Central do PCUS, propondo a abertura de uma rede das clínicas psiquiátricas para a defesa do “regime estatal e social soviético”.

Uso do legado nazi

Após a vitória na “Grande Guerra Patriótica”, milhares de prisioneiros soviéticos libertados dos campos de concentração nazis foram enviados em massa aos campos de concentração soviéticos na Sibéria. Além disso, apenas 3 mesas apos a capitulação da Alemanha nazi, no dia 12 de agosto de 1945, no campo de concentração de Buchenwald apareceram os primeiros prisioneiros da NKVD. A URSS também usou o campo de concentração de Sachsenhausen e outros, no total 11, onde pelos dados da RFA morreram cerca de 65.000 homens, mulheres e crianças.

Os arquivos do NKVD – KGB

O espião se tornou a profissão mais massificada na URSS. Os dados do NKVD apontam que nos três anos, de 1934 à 1937 o número de presos pela espionagem aumentou em 35 vezes (entre eles à favor do Japão em 13 vezes, Alemanha – 20 vezes, Letônia – 40 vezes).

Os arquivos do KGB contam por vezes coisas impensáveis. Sobre a prisão do alfaiate por colocar o forro errado, do músico por tocar mal no concerto e desagradar o chefe do NKVD, da professora que atribuiu a nota “errada” à filha do investigador…

Contam sobre o uso dos clisteres de água escaldante, das celas de 50 x 50 sentimentos como no NKVD da Ossétia do Norte. Contam que tortura não significa necessariamente o espancamento brutal. É possível não bater, mas não deixar de ir à casa de banho durante as interrogações intermináveis – “assinas – vou deixar” (tática usada em menor escala e intensidade ainda nos anos 1980). Deixar sem comida durante vários dias e almoçar em frente do interrogado. Não deixar dormir durante dias. Proibir mexer com os dedos das mãos ou pês. Oferecer a água de sanita à pessoa que sente a sede insuportável. Mandar para os “banhos frios” com o chão de cemento, algemar ao aquecedor quente e prometer fazer o mesmo com a filha… Tudo isso são métodos de “trabalho” de apenas um investigador do NKVD-MGB.

O escritor Lev Razgon assinou tudo. O investigador não o batia, apenas o informou que se ele não assinar, a sua esposa Oksana, que tinha uma forma grave de diabetes, será privada de insulina. “Claro que eu concordei: privar Oksana de insulina significava mata-la”, dizia Razgon. Ela foi privada de insulina na mesma e morreu durante a etapa, no caminho para o campo de concentração. Tinha 22 anos.

Um outro processo: “Interrogavam toda a noite – 17 horas… Sem dormir, sem comer… Exigiam o testemunho falso…” Ano 1988! Moscovo…      

A ciência de violar a vida privada

A colocação do sistema de escutas nos apartamentos que permitia saber, escutar e ver tudo o que lá acontecia era um processo bastante caro. Primeiro, se deveria saber quem vivia nos apartamentos ao lado, nos andares de cima e de baixo, por vezes em todo o prédio. Depois se devia criar a possibilidade de afastar estes moradores. Nos seus locais de trabalho combinava-se com o departamento de recursos humanos para lhes conceder as férias, respetivamente se obtinham as guias para um sanatório ou casa de repouso decente. Por vezes se dizia às pessoas que por causa da segurança estatal eles deveriam ir para a sua casa de campo ou em missão de serviço. Depois vinha o pessoal da 12° departamento e colocava os aparelhos: microcâmara era colocada através do teto do apartamento de cima ou em algum ponto que não dava nas vistas, por exemplo atrás do guarda-roupa. Um pintor especial pintava ou colava partes danificadas, de maneira que o objeto destas ações nunca desconfiava do sucedido. Tudo isso, se a pessoa do interesse do KGB não estava na cidade. Caso contrário, a pessoa era bloqueada por um grupo do KGB no serviço, outro bloqueava o serviço da esposa (marido) e a terceiro se introduzia em casa e executava a tarefa.

KGB e finanças

A 6ª Direção do KGB trabalhava com as empresas joint-venture. O dinheiro do KGB e do PCUS, qua usavam os fundos do país ao seu prazer, foram aplicados como o capital inicial dos cerca de 80% de novos bancos, bolsas e empresas comerciais soviéticas. O papel de liderança nestes empreendimentos pertencia ao KGB, por um lado, a 6ª Direção tinha como os consultores os melhores economistas soviéticos, por outro lado tinha a experiência prática na criação de empresas e firmas de fachada para os seus agentes ilegais em todo o mudo, em todo o tipo das economias do mercado.      

Em 1992 se sabia sobre 600 empresas comerciais e bancos, onde foram colocados cerca de 3 biliões de rublos do PCUS e do KGB. Quantas empresas foram criadas na URSS e no estrangeiro sobre as quais nunca se saberão as suas origens?

Em desafio do sistema

Em março de 1939 na Ossétia do Norte foi aberto o “processo juvenil”, habitual caso falsificado, que permitiu fuzilar os líderes da juventude comunista local. O advogado de um dos acusados, Yasinskiy, tentou argumentar que o seu constituinte foi alvo de métodos ilegais de investigação. Foi um ato da coragem de cidadania e do desespero, o seu cliente foi fuzilado. O próprio advogado foi preso no dia seguinte após o fim do processo, condenado pelas “calúnias” e morreu no campo de concentração.      

Mas será que havia no NKVD – KGB as pessoas que se recusavam a espancar, torturar, maltratar as pessoas? Havia! O chefe da Direção do NKVD da região do Extremo Oriente, Tereniy Deribas se recusou prender as pessoas baseando-se nos testemunhos falsos – foi fuzilado. Investigador Glebov se recusou recolher “os testemunhos” contra o comandante Iona Yakir. Foi fuzilado. Os chefes das direções provinciais do NKVD – Kapustin e Volkov se suicidaram. O procurador da cidade de Vitebsk (Belarus Soviética) teve e ideia “descabida” de verificar a legalidade da detenção dos cidadãos nas celas do NKVD provincial. Fuzilado.

A ideologia do KGB

Os dados do inquérito do laboratório sociológico do KGB da URSS, conduzido em maio – junho de 1991 apontam que:

— 50% dos estudantes da escola superior do KGB da URSS seguiam a dupla moralidade, acreditando que existe a moral para os seus e para os alheios; 35,5% acreditavam que “meta justifica os meios”; 33,3% consideravam que moral do KGB difere da moral dos cidadãos; 

— 77,6% acreditavam que a sabotagem era a causa da situação difícil do país; 19,3% culpavam disso os serviços secretos ocidentais; 13,4% acreditavam que os líderes informais radicais eram financiados pela CIA global; 42,3% culpavam a CIA em relacionamentos interétnicos cada vez mais tensos na URSS;  

— 62,6% aprovavam o uso da força para dispersar as manifestações pacíficas, mesmo se isso significaria verter a sangue, como aconteceu em abril de 1989 em Tbilissi.

Porquê KGB permitiu o colapso da URSS?

Se KGB era tão poderoso, porquê não evitou a derrocada da URSS. O livro da Yevgenia Albats explica isso assim: “O segundo escalão do poder, não participando no golpe, consegui retirar da cena política aqueles, que nele tiveram os papéis principais. Temo que exatamente agora, na situação de caos e da falta total do poder, exatamente este segundo escalão do poder, não comprometido com o golpe, irá chegar aos mecanismos da direção do país”.

Fragmentos do livro:

Texto integral do livro:

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