quarta-feira, setembro 10, 2008

Não tenham pena da Sérvia!

A jovem sérvia Masha Jerenić, à cerca de dois anos a viver entre o Belgrado e o Moscovo, estuda jornalismo numa universidade moscovita. Ela mantém alguns blogues mais ou menos pessoais, onde escreve sobre a Sérvia. O presente artigo foi escrito especialmente para o público russo, mas acredito que será do interesse geral, pois ajuda entender melhor a Sérvia, país que sofreu e fez sofrer os vizinhos, principalmente na sequência da desintegração da ex – Jugoslávia.

Por: Masha Jerenić (Serbian Girl)

Já dois anos tento regularmente escrever em russo no Live Journal, sobre o meu país – como o vejo, como vivi nele, o que lembro e o que penso dele. Faço isso, em primeiro lugar, para mim mesma. Porque gosto de escrever e porque gosto da Sérvia, Jugoslávia, Montenegro. Porque apesar de toda a dor, que eu vivi juntamente com este país – isso sou eu e isso é uma parte de mim.

Em resposta, durante estes dois anos fui publicamente insultada, escreveram mentiras sobre mim, até telefonavam e ameaçavam. Escreviam para mim e continuam a escrever (dizendo), que sou uma jovem criança, que não entendo muito coisa, que estou pronta a “vender a Sérvia para a União Europeia”, que estou contra os “heróis sérvios”, que matavam as pessoas e violavam as leis da guerra. Me escrevem (dizendo) que não sou patriota, que sou a traidora e muitas outras coisas ameaçadoras para mim.

[...]

Me desculpem, grandes patriotas russos da Sérvia, porque não odeio ninguém. Me perdoam pois sou adepta de outros valores – intelecto, amor, respeito. Me perdoam ainda por respeitar as pessoas independentemente da sua nacionalidade e religião. Eu entendo como é difícil para vocês entender e aceitar isso. Eu entendo, que é por causa das convicções como vossas, o sangue nas Balcãs, jorrava como um rio. Eu entendo que vocês precisam de um inimigo (melhor – de maior número de inimigos) e um Verdadeiro Herói. Me desculpem, pois sempre olho para tudo de dois lados. E com certeza, (me perdoem), pois acredito que todos nos somos pessoas.

Eu sei como isso tudo é explicado para vocês. E isso é mais uma razão porque escrevo, para que os russos, que se interessam pela Sérvia saibam, que nem tudo está “preto e branco”, existem ainda vários tons e muitos diferentes “mas”. Eu não quero aprofundar as razoes, que (fazem com que) a imprensa russa e a classe política vós apresentam exactamente essa visão destorcida. Eu tento escrever sobre a política do meu país, não do vosso.

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Nós somos culpados do genocídio e dos vários outros crimes de guerra, assim como são responsáveis os criminosos militares croatas e o seu poder (político) na altura, como são responsáveis criminosos militares bósnios e o seu poder (político) daquela altura.

[...]

Eu sei que muitos de vocês pensam que Radovan Karadžić é um grande herói do povo sérvio e que a Sérvia o “vendeu”. [...] Interessante, quem de vocês sabe, que em 1984 Karadžić passou 11 meses numa prisão de Sarajevo, aguardando o julgamento, pois gastava o dinheiro do hospital onde trabalhava na construção da sua case em Pale. Em 1985 ele foi condenado a (uma pena de) três anos pela burla. Burlista e ladrão – são boas qualidades para um herói, não acham?

Não acho que vale a pena detalhar as suas actividades políticas. Mas alguma coisa queria sublinhar. Durante 13 anos, durante quais ele (Karadžić) escondia-se da justiça, ele foi acusado de:
— genocídio;
— crimes contra a Humanidade: assassinatos em massa, perseguições políticas, raciais, religiosas, crueldade;
— violação das leis e regulamentos de condução da guerra: assassinatos e terror contra as populações civis, tomada de reféns;
— organização dos assassinatos em massa dos bósnios em Srebrenica em 1995.

Se dizer verdade, para mim, apenas um destes pontos já chega para considerar Radovan Karadžić como assassino. Outros obrigam considera-lo como verdadeiro vilão.

Em 2005, os líderes dos sérvios da Bósnia (República Srpska), pediram Radovan para se entregar, pois a Bósnia e a Sérvia não se podiam desenvolver na sua plenitude económica e política, enquanto ele andava foragido, como consequência não foram reguladas todas as relações com a Europa. No mesmo ano, a esposa do Karadžić, apelou ao Radovan pela TV, chorando e pedindo este para se entregar. Apesar de tudo isso, “herói” continuava foragido.

Agora ele foi preso. O taxista que me levava para casa naquele dia perguntou com o sorriso:
— Tu sabes a novidade?
— Sei, — respondi eu e também sorri.

Eu acho que muita gente pensa que os sérvios ficaram tristes pela prisão (dele) e consideram aquele homem o herói. Na realidade, (pessoas) assim são poucos. Aquela centena e meio das pessoas que fizeram a manifestação em frente de tribunal especial para os criminosos de guerra, mais os membros da organização “Obraz” – são raras (pessoas) na Sérvia que consideram Radovan como herói. Muitos, pelo contrário, acreditam, que chegou a hora de saber a verdade e que os membros das famílias das vítimas dos seus crimes finalmente vão obter a justiça.

Não consideram a Sérvia como o país – vítima. As vítimas são os sérvios: as vítimas do regime do Milošević – o homem, responsável por todas estas guerras. As únicas vítimas destas guerras eram populações civis – na Sérvia, na Bósnia, no Kosovo. A Sérvia está no bom caminho, como disse aquele taxista: “Um já lá canta, agora mais um punhado e o povo finalmente deixara de ser refém dos criminosos que continuam a solta em liberdade”.

Radovan Karadžić defendia os sérvios, dirão vocês? Mas se a “defesa” significa a criação dos campos de concentração, onde as pessoas não eram simplesmente assassinados, mas primeiro eram atormentados, violados, maltratados, se a “defesa” significava as matanças, se a “defesa” do seu povo – é o genocídio duma outra nação e a tentativa do seu extermínio, então eu, provavelmente, vou recusar uma “defesa” destas.

Não tenham pena da Sérvia. Somos pessoas fortes, que acreditam, que o futuro melhor vai começar: sem as guerras, o nacionalismo e os ódios.

Publicado (em russo):
http://kontury.info/publ/30-1-0-28
http://serbian-girl.livejournal.com/6600.html

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