terça-feira, julho 19, 2005

Moçambique e perdão da sua dívida perante G8

Custódio Duma*

Blogger: Recebemos recentemente, um artigo interessante, cincero e talvez polémico, de um dos leitores do nosso blogue. Decidimos publica-lo sem nenhum comentário, deixando a sua possível critica, nas maos do público mais amplo, que costuma passar por esta página.

Moçambique beneficiou-se ao lado de outros 17 países do perdão de 100% da sua dívida para com os países mais ricos, vulgarmente conhecidos na mídia como G8.
Tal situação, aconteceu no último mês de Junho, sendo que no segundo Domingo desse mês, milhares de africanos acordaram sem dever algum tostão para aqueles países, altamente industrializados.
Foi que nem um alto e profundo suspiro de alivio ouvido em todo o continente africano, com muita euforia e no resto do globo com muita expectativa.
Mais que, a então dívida de África, foi ao longo dos tempos usada como o cavalo de batalha para justificar o alto nível de pobreza do continente. Onde mais da metade da população vive em absoluta pobreza e sem acesso aos mais básicos serviços de subsistência e de sobrevivência.
Este acontecimento mais do que um gesto de boa vontade e misericórdia do G8 para com a África, representa para o continente e especialmente para os países contemplados, um desafio nas políticas internas aplicadas rumo ao desenvolvimento e ao crescimento económico.
O valor perdoado ultrapassa os US$ 40 bilhões e isso significa que os países em questão, terão acesso a pelo menos US$ 1,5 bilhão que anualmente usavam para colmatar a divida, podendo usar este montante especialmente em áreas da educação, saúde, infra-estruturas, alimentação e outros.
Esta iniciativa da G8 visa facilitar aos países mais pobres ou em vias de desenvolvimento recursos que os possam ajudar a cumprir as metas do desenvolvimento estabelecidos pela ONU, entre elas a redução da pobreza no mundo inteiro pela metade, até 2015.
Fora disso, o perdão da dívida é também uma estratégia para acalmar os conflitos internos, acompanhados de uma instabilidade política e ideológica.
Especialmente em Moçambique, onde cerca de 70% da população vive abaixo da linha de pobreza, onde mais de metade das crianças em idade escolar não têm acesso à educação e onde os serviços de saúde não atingem senão 30% dos cidadãos, essa notícia alegra o espírito e vivifica a esperança de dias melhores e vida próxima a dignidade humana. E é exactamente nesse ponto que coloco a minha indagação: qual o significado do perdão da dívida para o país de Samora Machel?
A política governativa do país pauta-se numa vincada falta de transparência de gestão na coisa pública, altamente protegida pela partidarização do Aparelho do Estado. O espírito de corrupção na administração pública, atingiu proporções alarmantes que desencorajam qualquer desempenho em prol do desenvolvimento económico, envolvendo os mais altos funcionários e dirigentes da nação. A má gestão de recursos, a impunidade de figuras envolvidas em crimes de corrupção e peculato e a total ignorância de prioridades para a melhoria da vida dos moçambicanos, tornaram-se nos últimos anos o lema de governação que, pelo sim ou pelo não, se pretende combater no actual governo do presidente Guebuza sob a
denominação de ”contra o espírito de deixa andar”.
A população, que por razoes históricas e culturais foi condenada ao analfabetismo que também ronda aos 70%, desconhece absolutamente o seu papel no exercício da cidadania como poder constituinte e ao mesmo tempo descompreende as reais atribuições e obrigações do Estado perante si, enquanto poder constituído. A falta de informação e a dificuldade em participar no debate público sobre a gestão do Aparelho do Estado tem sido ao lado do analfabetismo a maior causa da passividade do cidadão.
Estas e outras características que acompanham o quotidiano político de Moçambique, criam condições favoráveis para o enriquecimento ilícito de certa elite, directamente ligada ao poder público e político em prejuízo da maioria, que vê o Estado, como uma máquina instituída para explorar.
O cidadão, realmente não sabe que com o tal perdão da dívida, cerca de US$ 1,5 bilhão, foi adicionado ao bolo que anualmente é aloucado para educação, saúde e infra-estruturas no sentido de melhorar as suas condições de vida e aliviar a situação da pobreza absoluta em que vive.
Empiricamente, essa adição significa mais recursos na política educativa e sanitária para o combate ao analfabetismo, ao padecimento e a mortalidade por epidemias que assolam o país. Significa o fortalecimento e engrandecimento das infra-estruturas indispensáveis para a produção de riqueza e acesso as fontes de rendimento.
Esse acto corajoso, embora estratégico, do G8 significa para o país a derrota do seu cavalo de Tróia usado para justificar a alto nível de pobreza e miséria em que os moçambicanos vivem.
Na verdade certos exemplos africanos demonstraram que a principal causa da pobreza absoluta não é a dívida pública dos países perante G8, embora ela possa de alguma forma contribuir. Basta olhar para o estilo governativo e de gestão pública adoptado pelo Botswana, que realmente não precisou daquele perdão por não estar endividado.
Isso significa que não eliminadas as verdadeiras causas da pobreza e miséria em África, aquelas metas do milénio não serão de nenhuma maneira atingidas pelos países perdoados e que em curto prazo voltarão a se endividar novamente.
O G8 consciente do alto grau de corrupção existente nesses países, incluindo Moçambique que é apontado como o terceiro mais corrupto, perdendo para Zimbabwe e Angola, não hesitou em tomar a decisão contando com a consciência dos africanos em querer melhorar a sua situação de vida.
O G8 espera que esses países sejam capazes de adoptar políticas públicas que se conformem com as reais necessidades nacionais e possam ir ao encontro do desenvolvimento. Espera-se também que sejam adoptadas medidas disciplinares e fiscais no sentido de garantir que maior transparência possível seja aplicada na gestão e no combate a corrupção.
Para Moçambique, o perdão da dívida significa um apelo para responsabilidade. Que sejam os moçambicanos capazes de se responsabilizarem, tanto pelo crescimento económico, assim como pelo empobrecimento do país. Significa que a boa vontade da Comunidade Internacional não será suficiente para combater os problemas nacionais se as elites governamentais e políticas prezarem por uma ideologia ambiciosa e egoísta aproveitando-se da coisa pública para enriquecer o seu próprio estômago.
Significa um apelo para construção duma cidadania inclusiva e participativa, capaz de ser ouvida, escutada e respeitada, através do exercício pleno dos direitos e liberdades garantidos pela recente constituição de 2004.
Sempre fui da opinião que os países africanos eram capazes de produzir a sua própria riqueza, reparti-la igualmente ou equitativamente, pelo menos entre os cidadãos nacionais e serem capazes de competir com o primeiro mundo em pé de igualdade. Não digo que o primeiro mundo foi sempre o maior entrave a essa ideia, mas que com essa nova mentalidade do G8 e outras potências, está lançado um desafio aos pobres para provarem os seus discursos.

*Jurista e advogado moçambicano
Fazendo a Pós - Graduação em Direitos Humanos e Democracia no Brasil

e-mail: cdnesta2@yahoo.com.br

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